21.06.10
Ativismo judicial: o caso brasileiro
Palestra proferida no Ministério Público do Estado do Pará
INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO
Assumindo-se que a gramática do tema é a higiene da controvérsia, o ponto de partida destas reflexões há de ser o prévio esclarecimento do que se entende por ativismo judicial e criação judicial do direito, dois conceitos que, por muito próximos, dão lugar a desentendimentos e controvérsias. [1]
Para esse efeito, quanto ao conceito de ativismo judicial, nos valeremos, basicamente, dos mais recentes estudos publicados no Brasil sobre o tema: Ativismo Judicial. Parâmetros Dogmáticos, a erudita tese com a qual o eminente jurista Elival da Silva Ramos ascendeu ao cargo de professor titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e que vem de ser publicada pela Editora Saraiva; e Ativismo ou Altivez? O outro lado do Supremo Tribunal Federal, dissertação de alta qualidade com a qual o jovem jurista Saul Tourinho Leal obteve o grau de Mestre em Direito, no Instituto Brasiliense de Direito Público, obra essa publicada pela Editora Fórum.
Sobre a criação judicial do direito, tomaremos como referência, essencialmente, três estudos que já se tornaram clássicos acerca desse tema: Juízes legisladores?, de Mauro Cappelletti; Essai sur le pouvoir créateur et normatif du juge, de Sadok Belaid, e La jurisprudencia como fuente del Derecho, de José Puig Brutau, advertidos, desde logo, por Genaro Carrió, de que em torno da expressão “os juízes criam direito” existe uma polêmica que parece interminável, não se sabendo ao certo se a briga é apenas uma questão de fato, uma questão puramente verbal ou, talvez, um desacordo de atitude entre os vários contendores. Afinal, como observa De Page, citando outros clássicos, a controvérsia sobre a autoridade da jurisprudência é tão velha quanto o direito. [2]
Em definitivo – porque ninguém nega que, nalguma medida, quando decide, todo juiz sempre cria direito –, o essencial não é sabermos se ele pode ou deve assumir papel ativo e autônomo na elaboração do direito, mas determinarmos de que maneira e em que limites se dará essa colaboração, até porque, via de regra, toda lei precisa de consistência judicial, vale dizer, de uma espécie de juízo de validação do Judiciário, para que se tenha como efetivamente em vigor, sendo certo, ademais, que a participação dos juízes na criação do direito varia, significativamente, conforme o tipo de norma que se trata de interpretar, aplicar e desenvolver. [3]
Em mensagem enviada ao Congresso Americano em 8 de dezembro de 1908, assim se expressou o presidente dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt:
Os principais criadores do direito (…) podem ser, e frequentemente são, os juízes, pois representam a voz final da autoridade. Toda a vez que interpretam um contrato, uma relação real (…) ou as garantias do processo e da liberdade, emitem necessariamente no ordenamento jurídico partículas dum sistema de filosofia social; com essas interpretações, de fundamental importância, emprestam direção a toda atividade de criação do direito. As decisões dos tribunais sobre questões econômicas e sociais dependem da sua filosofia econômica e social, motivo pelo qual o progresso pacífico do nosso povo, no curso do século XX, dependerá em larga medida de que os juízes saibam fazer-se portadores duma moderna filosofia econômica e social, antes que de superada filosofia, por si mesma produto de condições econômicas superadas. [4]
Por essas e outras é que Alexander Pekelis, diante da latitude do texto constitucional norte-americano e da conseqüente liberdade para interpretá-lo, chegou a dizer que os Estados Unidos, a rigor, não tinham uma constituição escrita.
São desse jurista as palavras transcritas seguir, que se tornaram clássicas em tema de interpretação constitucional e criação judicial do direito.
Devemos recordar que em certo sentido os Estados Unidos não têm uma constituição escrita. As grandes cláusulas da Constituição americana, assim como as disposições mais importantes das nossas leis fundamentais, não contêm senão um apelo à honestidade e à prudência daqueles a quem é confiada a responsabilidade da sua aplicação. Dizer que a compensação deve ser justa; que a proteção da lei deve ser igual; que as penas não devem ser nem cruéis nem inusitadas; que as cauções e as multas não devem ser excessivas; que as investigações ou as detenções hão de ser motivadas; e que a privação da vida, da liberdade ou da propriedade não se pode determinar sem o devido processo legal, tudo isso outra coisa não é senão autorizar a criação judicial do direito, e da própria Constituição, pois a tanto equivale deixar que os juízes definam o que seja cruel, razoável, excessivo, devido ou talvez igual.[5]
Sob essa mesma compreensão do papel dos juízes e tribunais na criação do direito, sobretudo em sede constitucional, assim se expressou o erudito Francisco Campos, então Ministro de Estado da Justiça, em discurso proferido na solenidade de abertura dos trabalhos do STF, em 2 de abril de 1942:
Juiz das atribuições dos demais Poderes, sois o próprio juiz das vossas. O domínio da vossa competência é a Constituição, isto é, o instrumento em que se define e se especifica o Governo. No poder de interpretá-la está o de traduzi-la nos vossos próprios conceitos. Se a interpretação, e particularmente a interpretação de um texto que se distingue pela generalidade, a amplitude e a compreensão dos conceitos, não é operação puramente dedutiva, mas atividade de natureza plástica, construtiva e criadora, no poder de interpretar há de incluir-se, necessariamente, por mais limitado que seja, o poder de formular. O poder de especificar implica margem de opção tanto mais larga quanto mais lata, genérica, abstrata, amorfa ou indefinida a matéria de cuja condensação há de resultar a espécie. [6]
De outra parte, o reconhecimento das leis por parte dos juízes parece ser o elemento decisivo para se afirmar que uma norma pertence a um sistema jurídico – a chamada regra de reconhecimento – uma realidade que se evidencia em sede de controle de constitucionalidade, por exemplo, onde as decisões das cortes constitucionais excluem, confirmam, transformam ou, mesmo, fazem surgir normas que, até o momento dessas decisões, ninguém imaginava que integrassem os ordenamentos jurídicos em que emergem.
Um ligeiro passar de olhos sobre as decisões da jurisdição constitucional ilustra, sobejamente, o crescimento dessa legislação judicial em diversos sistemas jurídicos. No Brasil, sob aplausos de uns e críticas de outros, vemos a todo instante o STF criar direito novo, embora sempre com a cautela de anunciar que as normas emergentes dos seus julgados não surgiram do nada, antes foram apenas extraídas do próprio texto da Constituição, onde estavam insinuadas, latentes ou implícitas, como que à espera do momento de se mostrarem às claras. Tal foi o caso da decisão do STF fixando o entendimento de que os mandatos pertencem aos partidos políticos e, assim, os perdem todos quantos abandonem as suas legendas, seja trocando de partido, seja simplesmente desligando-se da agremiação pela qual se elegeram. Criticando essa decisão do STF, Elival Ramos qualificou-a de exercício candente de ativismo judiciário. [7]
Por ativismo judicial – segundo esse jurista –, deve-se entender o exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento jurídico, que, institucionalmente, incumbe ao Poder Judiciário fazer atuar, resolvendo tanto litígios de feições subjetivas (conflitos de interesses) quanto controvérsias jurídicas de natureza objetiva (conflitos normativos); Saul Tourinho Leal, de sua parte, mesmo destacando que há dificuldade em se fixarem critérios objetivos para uma conceituação sobre o termo ativismo judicial, assinala que essa expressão está associada à ideia de exorbitância de competência por parte do Poder Judiciário, razão por que – adverte –, chamar-se de ativista a um tribunal implica atribuir-lhe algo de negativo na sua conduta institucional.
Para ambos os autores, portanto, o ativismo judicial significa uma espécie de mau comportamento ou de má consciência do Judiciário acerca dos limites normativos substanciais do seu papel no sistema de separação de poderes do Estado Constitucional de Direito. [8]
Diversamente do ativismo judicial, que desrespeitaria esses limites, a criação judicial do Direito seria o exercício regular do poder-dever, que incumbe aos juízes, de transformar o direito legislado em direito interpretado/aplicado, caminhando do geral e abstrato da lei ao singular e concreto da prestação jurisdicional, a fim de realizar a justiça em sentido material, que nisto consiste o dar cada um o que é seu.
Nesse sentido – nunca é demais relembrar – o clássico Jean Cruet afirmou, no começo do século passado, que o juiz, esse “ente inanimado” de que falava Montesquieu, tem sido na realidade a alma do progresso jurídico, o artífice laborioso do direito novo contra as fórmulas caducas do direito tradicional, uma idéia compartilhada tanto por De Page, para quem a lei é uma fórmula incompleta e tardia que depende da doutrina e da jurisprudência para encontrar novos caminhos, quanto por Puig Brutau, ao dizer que o legislador nos dá a sensação de um míope equipado com uma arma poderosa, porque só se decide a atuar quando o objetivo que se propõe já está traçado por uma série de necessidades acumuladas. [9]
Assim vistas as coisas, pode-se dizer, em resumo, que qualquer avaliação crítica – criticar é distinguir – do problema do ativismo judicial implica delimitar-se a fronteira entre criação judicial do direito conforme ou desconforme com o traçado constitucional da separação dos poderes, fórmula que funciona bem nas situações de clara ultrapassagem dos limites, mas é de escassa ou nenhuma utilidade naqueles casos em que o próprio texto da Constituição – pela sua abertura semântica –, comporta leituras que, embora distintas, são igualmente defensáveis ou plausíveis. Daí a observação, aparentemente estranha, de Larenz, a nos dizer que o jurista denomina de “plausível” uma resolução quando pelo menos haja bons argumentos que apontem tanto no sentido da sua correção, quanto em sentido oposto. [10]
Essa sensação de estranheza se dissipa, no entanto, se tivermos presente que um conteúdo normativo vinculante não se obtém de um texto normativo marco; que não é possível subordinar-se a interpretação a algo que ela mesma irá produzir; ou, ainda, e finalmente, que sendo indeterminadas as normas constitucionais objeto de exegese, o seu significado só se revelará ao termo da interpretação, para a qual, por isso mesmo, não pode servir de ponto de partida. [11]
A liberdade do intérprete/aplicador do direito, por outro lado, há de ser uma liberdade responsável e auto-controlada, pois não lhe é dado introduzir na lei o que deseja extrair dela e tampouco aproveitar-se da abertura semântica dos textos para neles inserir, fraudulentamente, conteúdos que, de antemão, ele sabe serem incompatíveis com esses enunciados normativos. [12] Afinal, é de ciência elementar, no âmbito da teoria do conhecimento, que o objeto transcende o sujeito, o qual, por isso mesmo, deve respeitar a autonomia/alteridade do objeto, sob pena de inviabilizar o evento cognitivo, na medida em que este consiste, precisamente, na apreensão – não na criação – do objeto pelo sujeito do conhecimento, mesmo sabendo-se que essa apreensão decorre ou depende do trabalho do sujeito sobre o objeto que intenta conhecer. [13]
Nesse sentido é o ensinamento de Gadamer, a nos dizer que uma consciência formada hermeneuticamente tem que se mostrar receptiva, desde o começo, à alteridade do texto, sem que isso signifique neutralidade ou autodestruição diante dele; que uma verdadeira compreensão exige confronto/interação entre as verdades do intérprete e as verdades do texto; e que, enfim, uma coisa é respeitarmos a alteridade/transcendência do texto e outra, bem diversa, é adotarmos uma postura de “objetividade eunuca”, que a tanto equivale nos postarmos, passivamente, diante dele sem lhe provocar com alguma pergunta. [14]
No domínio da experiência jurídica, esse modo de ver o problema da relação sujeito/objeto do conhecimento jurídico remonta aos autores clássicos, como o já citado De Page, para quem o de que se trata é de construir uma teoria adaptada aos fatos, decorrente deles e suficientemente ampla e precisa para ponderar os prós e os contras; uma teoria capaz de estabelecer um critério apto a precisar a esfera de intervenção do juiz e de separá-la daquela outra, imaginada e obscuramente pressentida, onde o poder criador do juiz ficará interditado, no todo ou em parte, em razão de incompatibilidades objetivas, a serem determinadas; enfim, traçar a linha demarcatória entre a autoridade da lei e a liberdade da jurisprudência. [15]
Para posterior desenvolvimento, registramos que, ao menos em relação aos tribunais constitucionais, o juízo de reprovação do ativismo judicial enquanto conduta que seria ofensiva ao dogma da separação de poderes, não é compartilhado por muitos juristas de expressão, como é o caso de Mauro Cappelletti, por exemplo, para quem, pela singular posição institucional de que desfrutam – situadas fora e acima da tradicional tripartição dos poderes –,as cortes constitucionais não podem ser enquadradas nem entre os órgãos jurisdicionais, nem entre os legislativos, nem muito menos entre os órgãos executivos, porque a elas pertence de fato uma função autônoma de controle constitucional, que não se identifica com nenhuma das funções próprias de cada um dos Poderes tradicionais, antes se projeta de várias formas sobre todos eles, para reconduzi-los, quando necessário, à rigorosa obediência das normas constitucionais. [16]
Mais expressiva, ainda, nessa rejeição à tese de que a criação judicial do direito ofenderia o princípio constitucional da separação dos poderes, é a posição de Ignácio de Otto, para quem, em realidade, a atribuição de valor vinculante à jurisprudência é o único modo de manter a própria separação de poderes, que estaria comprometida caso a interpretação das leis ficasse a cargo do próprio legislador, que as edita, e não do juiz, um terceiro imparcial, que fixa o sentido das normas à luz dos casos e controvérsias, complementando, por essa forma, a tarefa legislativa. [17]
Aceita, apenas para debate, essa distinção genérica entre ativismo judicial e criação judicial do Direito, podemos dizer, com Larenz, que somente uma época que identifique o Direito com a lei e esta com a vontade do legislador, assim como uma concepção instrumental do Direito ou uma concepção para a qual valem mais a segurança jurídica e a calculabilidade das resoluções do que a justiça, propende a reduzir a faculdade do juiz em relação à interpretação das leis e a negar o desenvolvimento aberto do Direito. [18]
Se, ao contrário, tivermos presente que a lei não esgota o Direito, antes exige, quando necessário, concretizá-lo para além do sentido literal dos enunciados normativos, a função do juiz não se resumirá a dizer um direito previamente posto e sobreposto, e tampouco a servir de mero porta-voz do legislador, como preconizava Montesquieu, que reduzia o juiz à condição de boca que pronuncia as palavras da lei, e a função de julgar, a uma espécie de prerrogativa de certo modo nula.[19]
Diversamente, esse novo juiz é aquele que faz o direito no momento em que decide as causas e controvérsias, porque verdadeiro legislador não é a pessoa que por primeiro escreveu ou ditou quaisquer normas jurídicas, mas quem dispõe de autoridade absoluta para interpretá-las, uma prerrogativa que se potencializa quando os enunciados normativos não veiculam comandos precisos ou regras de direito, antes se apresentam como fórmulas abertas, como princípios jurídicos, que servem de ponto de partida e de apoio para que o julgador construa a decisão que repute correta e justa em cada situação hermenêutica. [20]
Destarte, a precedência cronológica, no escrever como no falar, não tem a menor importância para a injuntividade do direito, porque só é juridicamente obrigatório, mesmo, aquilo que vier a ser estatuído no ato e no momento da decisão, e isso apenas por quem a tanto esteja institucionalmente autorizado, porque no Estado constitucional, como Estado de competências, só cria direito quem disponha de competência para fazê-lo. [21]
Aprofundando-se um pouco mais a análise do processo de realização do direito, percebe-se que no começo da atividade hermenêutica está o texto da lei, só aparentemente claro e fácil de aplicar, e no final – se este existe –, entretecida em torno do texto, encontra-se toda uma teia de interpretações, restrições e complementações, que regula a sua aplicação no caso singular e que transmudou amplamente o seu conteúdo, a ponto de, em casos extremos, torná-lo quase irreconhecível. Um estranho resultado daquilo que o jurista se habituou a denominar simplesmente “aplicação das normas”, mas que um mínimo de sinceridade nos impõe reconhecer como aberta criação judicial do direito. [22]
E isso para não falarmos nos casos de falta de normas, em que o intérprete/aplicador – obrigado a dizer o direito –, tem não apenas o poder, mas, sobretudo, o dever de formular a regra de decisão, tarefa da qual se desincumbe, observa Reale, correlacionando dois princípios jurídicos fundamentais: o de que o juiz não pode se eximir de julgar a pretexto de haver lacuna ou obscuridade da lei; e o de que, na omissão da lei, deve proceder como se fora legislador. [23]
E tamanha é a naturalidade com que se aceita e prestigia essa legislação judicial, que já se tornou lugar comum entre os juristas conferir-se à jurisprudência o status de fonte imediata do direito, sendo cada vez mais expressivos e numerosos os estudos sobre a normatividade das decisões judiciais, em diferentes latitudes do mundo jurídico, assim como a publicação, em ritmo frenético, de repertórios de jurisprudência. [24]
Nesse panorama há mesmo quem afirme que, nalguns países, como na França e na Alemanha, por exemplo, onde a jurisprudência, em certos domínios, está em primeiro plano na evolução do direito, as obras de doutrina, muitas vezes, se limitam à exegese da jurisprudência, um fato que se observa na atual cultura jurídica brasileira. [25]
No âmbito legislativo, o mais destacado exemplo do reconhecimento e da inexorabilidade da força normativa dos precedentes judiciais é o artigo 557 do nosso CPC, ao consignar que o relator negará seguimento a recurso que esteja em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do STF ou de Tribunal Superior, assim como, pelo mesmo fundamento, proverá recurso, se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com tais paradigmas, o que, tudo somado e já ampliado por decisões em torno desse dispositivo, significa atribuir força de lei às interpretações judiciais consolidadas, postura que, entre nós, remonta aos antigos Prejulgados da Justiça do Trabalho, enunciados normativos que o STF – então prisioneiro da separação dos poderes em sentido forte –, declarou inconstitucionais, mas neles acabou se inspirando para patrocinar, 60 anos depois, a constitucionalização da chamada Súmula Vinculante, uma espécie de super-lei, que a todos se impõe, menos ao próprio STF, pois só a ele compete criar, alterar ou cancelar esses enunciados normativos.
A propósito, embora pela letra da Constituição (art. 103-A), o comando das Súmulas Vinculantes não se imponha ao Poder Legislativo, na prática o Parlamento acaba sofrendo, ainda que reflexamente, os efeitos inibidores de que são dotados esses enunciados hermenêuticos, pois em sã consciência dificilmente algum deputado ou senador se animará a propor projetos de lei na contramão do que, em matéria constitucional, tenha sido decidido pelo STF. E se o fizer e sua proposta converter-se em lei, esse ato legislativo não acarretará o cancelamento definitivo de Súmula Vinculante afrontada por essa lei, pela simples razão de que o STF poderá declará-la nula e de nenhum efeito, em sede de controle de constitucionalidade.
Em síntese, embora previstas como atos normativos infraconstitucionais, na prática as Súmulas Vinculantes acabam dotadas de pretensão de injuntividade idêntica à de que desfrutam os preceitos da própria Constituição. [26]
Diante desse estado de coisas, a configurar uma verdadeira judicialização do direito, tem razão o clássico René David, quando diz que mais do que às fórmulas dos autores e mais do que às obras de doutrina, é necessário, para se ter a visão justa da questão, atentar para um outro fator, que é a existência e o desenvolvimento das compilações ou repositórios de jurisprudência, obras que não são escritas para uso dos historiadores do direito e dos sociólogos, e tampouco para o prazer dos seus leitores, antes se elaboram para uso dos juristas práticos e só se explicam se a jurisprudência for, no verdadeiro sentido desta expressão, uma autêntica fonte do direito. [27]
No âmbito do direito público, é de merecer registro, igualmente, a observação de López Aguilar, a nos dizer que o Direito Constitucional já não é apenas o que prescreve o texto da Lei Maior, mas também a bagagem de padrões hermenêuticos desse bloco normativo incorporada na jurisprudência constitucional, idéia presente, no essencial, tanto na frase do juiz Hughes, de que os Estados Unidos vivem sob uma Constituição, mas que essa carta política é aquilo que os seus juízes dizem que ela é, quanto na observação, esta do jusfilósofo espanhol Elias Díaz, de que o direito compõe-se não apenas de normas, mas também do trabalho dos seus operadores. [28]
Disso tudo emerge, agigantada, a figura do juiz, que deixa de ser um mero executor de comandos legislativos, vindos de cima e de fora, para se converter em legítimo criador de normas jurídicas, se não genéricas e de eficácia erga omnes – que incumbe ao legislador editar –, pelo menos como regras de decisão, de todo indispensáveis para que se individualizem e se concretizem os enunciados jurídico-normativos – sempre abstratos e gerais –, a que chamamos as palavras da lei.
Por tudo isso, não parece absurdo dizer-se que, na sua formulação legal, a norma jurídica – alheia às circunstâncias de cada caso –, há de ser, por princípio, abstrata e geral e, não raro, por isso mesmo, necessariamente injusta, raciocínio que encontra correspondência no pensamento do famoso juiz Holmes, para quem as proposições gerais não resolvem os casos particulares e, por isso, a decisão a ser proferida dependerá de um juízo ou intuição mais sutil do que qualquer articulada premissa maior. [29]
De mais a mais, como assinala o mesmo Puig Brutau, se as regras gerais decidissem os casos particulares, o Direito só evoluiria com a promulgação de leis de caráter geral, o que é contrariado pela história, a nos mostrar que nos séculos XIX e XX, por exemplo, não só na América como noutras partes do mundo, os grandes avanços do Direito decorreram da atividade prática dos juristas, ainda que muitos deles não se dêem conta da sua capacidade criadora e alimentem a mais ingênua confiança no valor do método dedutivo, acreditando que é da lei, como premissa maior, que se extraem, por derivação silogística, as soluções para os casos concretos. [30]
E a tal ponto vai essa atuação instauradora de modelos jurídicos novos, por parte dos intérpretes/aplicadores do direito, em cada situação hermenêutica, que autores como o citado Puig Brutau, por exemplo, chegam a dizer que não se trata propriamente de concretizar uma norma abstrata – pois isso ainda seria aplicá-la mecanicamente –, e, sim, de criar uma regra concreta [direito novo, portanto], que resolva o problema e, pela sua eficácia, possa valer como precedente.[31]
Para não se chegar a tanto e, dessa forma, a pretexto de realizar a justiça em sentido material, acabar permitindo que o juiz invada o espaço nomogenético que o constituinte reservou ao legislador – o que caracterizaria o ativismo judicial como conduta constitucionalmente indevida –, bastaria dizermos que na criação do direito, tarefa que lhes é comum [32], legisladores e juízes atuam em dois tempos e a quatro mãos, no âmbito de um acordo tácito – alguns chegam a falar em cumplicidade [33] –, por força de cujas cláusulas, em obediência à natureza das coisas e ao princípio da separação dos poderes, o Parlamento continua com o monopólio da redação das leis, mas o Judiciário fica liberado para interpretá-las criativamente, de preferência se o fizer dizendo que as suas leituras não ultrapassam o sentido literal possível desses enunciados normativos. [34]
É assim que se “comportam” lei e função judicial na criação do direito, porque não é somente a lei, mas também a função judicial, que, juntas, proporcionam ao povo o seu direito. [35]
Visualizada essa questão no contexto do multiculturalismo dos nossos dias; da materialização das modernas cartas políticas; e da concomitante estruturação dos enunciados constitucionais sob a forma de princípios, torna-se evidente que o juiz não aplica normas a fatos, nem subsume fatos a normas, porque, outra vez, os fatos se revoltam contra os códigos e a realidade se opõe à lei, exigindo dos juristas uma capacidade sobre-humana para equacionar problemas que nem o mais clarividente dos legisladores poderia imaginar. [36]
Posta a questão dessa forma, vale dizer, em termos de pluralidade de convicções e distintos modos de vida, outra indagação de maior profundidade se coloca diante de nós, desafiando-nos a revelar qual o critério de verdade que legitimaria a imposição de crenças particulares à obediência geral, como acontece na seara dos direitos humanos, por exemplo, cujas solenes Declarações, embora autodenominadas universais, são vistas pelos críticos como textos ocidentais e, por isso mesmo, carentes de normatividade para quem vive do outro lado do mundo e ali se conduz em conformidade com valores diversos.
É o que se evidencia, entre outros, num instigante ensaio de Panikar, onde ele ressalta que a formulação desses direitos emergiu de um diálogo muito parcial no seio das culturas existentes no mundo, indagando, a seguir, se em razão da estreiteza desse ponto de partida a noção dos direitos humanos não seria um conceito marcadamente ocidental. [37]
O tema é de gritante atualidade e a sua problemática cada vez mais crítica, na exata medida em que, por força da crescente transumância e da globalização das relações humanas, avolumam-se os conflitos inter-culturais – de que são exemplos significativos as controvérsias do Crucifixo e do Véu Islâmico, com que se defrontou o Tribunal Constitucional da Alemanha, e o particularmente dramático caso da Excisão, submetido ao Tribunal Criminal de Paris[38] –, a desafiarem a capacidade do Estado Democrático de Direito, em especial dos órgãos da sua jurisdição constitucional, para administrar essas diferenças sem que, por excesso de zelo com as minorias, acabe por fragmentar a própria sociedade, como adverte Habermas, para quem a coexistência, com igualdade de direitos, de diferentes formas de vida não pode levar a uma segmentação social, antes exige a integração dos cidadãos do Estado e o reconhecimento recíproco de suas pertenças a grupos sub-culturais, no quadro de uma cultura política que há de ser compartilhada[39], até porque nesses contextos de expansão do pluralismo ético e cultural, é muito provável que o exercício da autoridade seja percebido como a imposição de normas e/ou valores não compartidos. [40]
Diante desse panorama desafiador, no qual o Estado de Direito se auto-compreende e se afirma democrático, pluralista e comprometido com a causa dos direitos humanos, mostram-se particularmente embaraçosas, se não mesmo insolúveis, questões como as formuladas a seguir – todas suscitadas a propósito de casos concretos submetidos à jurisdição constitucional –, pela simples razão de que não dispomos de nenhum critério de verdade para respondê-las adequadamente, formulando regras de decisão aptas a realizar a justiça em sentido material, que outra coisa não é senão dar a cada um o que é seu.
Melhor do que quaisquer reflexões em abstrato sobre a sua extrema complexidade, as próprias questões se encarregam de evidenciar as aporias a que nos conduzem. Se não, vejamos. [41]
– Pode um motociclista sikh exigir que se lhe dispense da obrigação geral de usar capacete, invocando o seu dever religioso de vestir turbante?
– Cabe exigir-se de um preso judeu que aceite os alimentos comuns da prisão ou se deve oferecer-lhe comida kosher?
– Tem direito um trabalhador muçulmano de interromper brevemente o seu trabalho para fazer as orações prescritas pela sua religião?
– Pode ser despedido um trabalhador por não assumir o seu posto de trabalho nos dias em que se celebram as festividades máximas da sua comunidade religiosa?
– Perde o auxílio-desemprego o trabalhador despedido por esse motivo?
– Deve permitir-se aos comerciantes judeus que abram os seus negocios aos domingos, dado que não podem fazê-lo nos sábados porque a sua religião lhes proíbe?
– Tem direito uma aluna islâmica de ser dispensada da aula de educação física, em colégio misto, porque não lhe é permitido mostrar-se em traje esportivo a pessoas de outro sexo?
– Podem usar o seu véu na sala de aula as alunas islâmicas?
– O que acontece quando não se trata das alunas, mas das professoras de uma escola pública?
– Vigora para as monjas católicas uma regra diferente da que se aplica às professoras muçulmanas?
– Podem os imigrantes exigir que o enterro dos seus mortos se faça conforme as prescrições da sua religião, sem submeter-se ao regime geral do direito funerário vigente no país de acolhida?
– Podem as autoridades alemãs exigir de uma estrangeira a ser expulsa para o seu país de origem que ponha o véu para ser fotografada, sob o argumento de que o país que vai recebê-la só reconhece as fotos das mulheres que se mostram com véu?
– Deve ser tolerada nas cidades alemãs a difusão em altofalantes da chamada do muezim para as orações, assim como se permite o toque dos sinos na torre das igrejas cristãs?
– Podem os pais recusar, por motivos religiosos, que receba transfusão de sangue um filho seu que esteja em perigo de morte?
– Deve permitir-se aos estrangeiros que degolem animais conforme os mandamentos da sua religião, ainda que isso contrarie as leis nacionais de proteção dos animais?
– Podem os pais estrangeiros, conforme os seus costumes culturais, privar as filhas de educação superior ou casá-las contra a vontade?
– Deve-se prever uma dispensa da escolarização obrigatória quando os fins educativos da escola pública contradigam as concepções de valor de determinado grupo cultural?
– Deve-se autorizar a poligamia aos imigrantes no país de acolhida quando ela é permitida em seu país de origem?
Diante dessas questões, que a sinceridade nos obriga a considerar pelo menos incômodas, é de se perguntar se o Estado Constitucional de Direito está em condições de enfrentar tais problemas e dar-lhes soluções que se possam considerar não apenas corretas mas também justas, vale dizer, plenamente justificadas por dentro e por fora – justificação interna e justificação externa –, como se exige das decisões que se pretendem jurídica e moralmente aceitáveis.
Como, por outro lado, todas essas indagações consubstanciam questões de direitos humanos, seu deslinde está afeto, imediatamente, às cortes constitucionais dos Estados onde surgem tais controvérsias, assim como, mediatamente, às instâncias internacionais ou supra-nacionais, que já recebem petições de indivíduos ou grupos de particulares que se considerem vítimas de violação dos direitos humanos, por qualquer Estado, nos termos e para os efeitos da ordem jurídica internacional. [42]
De igual modo, não se pode exigir que o Judiciário, pelo receio de parecer ativista, se furte ao dever de dar a cada um o que é seu, de preferência secundum legem ou praeter legem, mas, se necessário, até mesmo contra legem, quando a lei se mostrar contrária ao direito, o que não é de causar espécie se tivermos presente, por exemplo, que a Lei Fundamental da Alemanha, em seu art. 20.3, diz que o Executivo e o Judiciário obedecem à Lei e ao Direito, expressando, assim, que “lei” e “Direito” não são por certo coisas opostas, mas ao Direito corresponde, em comparação com a Lei, um conteúdo suplementar de sentido, ou, ainda, que esse aditamento remete, na verdade, para além da Lei, para um Direito supra-legal, que sendo anterior e superior a qualquer direito posto, impõe-se até mesmo às normas constitucionais. [43]
Sendo esse o panorama atual, nos diferentes quadrantes do mundo jurídico, não seria aceitável que, no Brasil, se adotasse comportamento diverso e, na contramão da história, ficássemos apegados, anacronicamente, ao princípio da separação dos poderes em sentido forte, como se isso ainda fosse preciso, depois de superados os obstáculos, com que se defrontaram os formuladores desse dogma, e consolidado o sistema de freios e contrapesos, graças a cujo funcionamento o poder controla o poder e o cidadão pode dormir em paz.
Se, ainda assim, os adversários da criação judicial do direito recearem a instauração ou a re-instauração de um indesejável governo dos juízes, que, a ser perigoso, o será em qualquer direção, poderão esses críticos ficar sossegados, pois se algum poder ainda se faz temido e, por isso, deve ser controlado, esse não é o poder do juiz democrático, que desfrutava da confiança de Hamilton, mas o do monarca despótico, que assustava Montesquieu. Hoje, como ontem, os juízes continuam a ser os menos perigosos, porque não dispõem nem da bolsa nem da espada para ameaçar a liberdade dos cidadãos. [44]
Portanto, e noutras palavras, o de que se trata é de re-interpretar esse velho dogma para adaptá-lo ao moderno Estado constitucional, que sem deixar de ser liberal, tornou-se igualmente social e democrático, e isso não apenas pela ação legislativa dos Parlamentos, ou pelo intervencionismo igualitarista do Poder Executivo, mas também pela atuação política do Poder Judiciário, sobretudo das modernas Cortes Constitucionais, crescentemente comprometidas com o alargamento da cidadania e a realização dos direitos fundamentais. [45]
Vistas as coisas sob essa ótica, não temos receio em dizer que aquilo que se chama, criticamente, de ativismo judicial – no Brasil, como alhures –, não configura nenhum extravasamento de juízes e tribunais no exercício das suas atribuições, antes traduz a indispensável e assumida participação da magistratura na tarefa de construir o direito de mãos dadas com o legislador, acelerando-lhe os passos, quando necessário, porque assim o exige um mundo que se tornou complexo e rápido demais para reger-se por fórmulas ultrapassadas.
Sob essa nova compreensão do princípio da separação dos poderes e do papel do Judiciário como produtor de modelos jurídicos autônomos, pode-se dizer que apesar do grande esforço despendido para demonstrar o que chamou de “ativismo na recente jurisprudência do STF”, o ilustre constitucionalista Elival Ramos não alcançou esse objetivo, na medida em que as decisões que reputa ilustrativas desse “mau comportamento” da Excelsa Corte, podem ser assimiladas como exemplos da natural criação judicial do direito, tanto mais aceitáveis quanto respaldadas em argumentos que evidenciam tratar-se de soluções que, conquanto ousadas ou simplesmente altivas, como diria Saul Tourinho Leal, são de todo compatíveis com o programa normativo da Constituição. [46]
Finalmente, mas antes de encerrar, uma observação que normalmente não ocorre nem aos defensores, nem, obviamente, aos adversários do ativismo judicial: a criação judicial do direito, aplaudida por uns e malsinada por outros, não constitui ato solitário e, tampouco, espontâneo dos juízes e tribunais, no exercício da jurisdição. Pelo contrário, configura ato complexo e instigado de fora, que se produz no âmbito de um processo dialético, do qual participam múltiplos atores, embora, no conjunto, tenha maior relevo a figura do julgador porque a ele compete dar a palavra final, que põe termo ao conflito de interpretações em que consiste a realização judicial do direito. [47]
Com efeito, não podendo agir de ofício, antes dependendo da provocação de terceiros – e esta é uma das virtudes passivas da atividade jurisdicional exaltadas por Cappelletti [48] –, mas, quando acionado, tendo de decidir sempre, nos limites da lide e de modo a convencer do acerto das suas decisões não apenas a si mesmo, mas também as partes e a comunidade, que o investiu no poder de julgar [49], o juiz é um servidor da Justiça, que embora pareça livre para dizer o direito, a rigor movimenta-se num espaço de decisão delimitado por normas cogentes, que vão desde os dispositivos constitucionais, que estruturam o Poder Judiciário e o devido processo legal, até os preceitos legais e regimentais, que ordenam processos e procedimentos, o que, tudo somado, faz do discurso jurídico – do qual o discurso judicial é tão-só uma das modalidades –, um caso especial do discurso prático geral. [50]
Em resumo, se tivermos presente que o exercício da jurisdição desenvolve-se no âmbito de um modelo discursivo regrado – cujas normas enlaçam e integram, compulsoriamente, os sujeitos, condutas, fases e atos processuais –, aquilo que rotulamos de criação judicial do direito, em verdade, não é obra exclusiva de juízes e tribunais, antes configura a grand finale de uma peça dramática de extração social, que é escrita pelo legislador e encenada por múltiplos personagens – atores e figurantes –, aos quais chamamos, indistintamente, de agentes da realização judicial do direito. [51]
Afinal, se concordarmos com Habermas em que todas as argumentações, quer tenham por objeto questões de direito ou de moral, hipóteses científicas ou obras de arte, exigem a mesma forma de organização básica de uma busca cooperativa da verdade, torna-se evidente que também o discurso judicial deva desenvolver-se sob essa forma e com o mesmo propósito, ainda que a motivação real das partes litigantes – observa Alexy –, seja a obtenção de decisões fundamentadas que lhes sejam vantajosas. [52]
Em resumo, na medida em que deduzem as suas pretensões em conformidade com as regras do jogo, mesmo pugnando entre si e agindo sob a lógica da conclusão desejada, os participantes do debate judicial viabilizam esse jogo e concorrem para o seu desfecho jurídico, que outro não é senão o ato decisório pelo qual, em nome da sociedade, o julgador não apenas soluciona como termina os conflitos, impedindo a sua continuação/renovação, como observa o arguto Tercio Sampaio Ferraz Jr.
A institucionalização do conflito e do procedimento decisório confere aos conflitos jurídicos uma qualidade especial: eles terminam. Ou seja, a decisão jurídica é aquela capaz de lhes pôr fim, não no sentido de que os elimina, mas que impede sua continuação. Ela não os termina por meio de uma dissolução, mas os soluciona, pondo-lhes um fim. Ao contrário de outros conflitos sociais, como os religiosos, os políticos, os econômicos, os conflitos jurídicos são tratados dentro de uma situação em que eles encontram limites, não podendo ser mais retomados ou levados adiante indefinidamente (ver, por exemplo, a noção de coisa julgada). [53]
A essa luz, portanto, o ativismo judicial não passa de uma expressão nova com que se pretende rebatizar, criticamente, a velha e coletiva criação judicial do direito. Nada mais do que isso.
______________
INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO é doutor em Direito pela UnB e professor de Direito Constitucional nos cursos de pós-graduação e mestrado do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). É membro fundador e presidente do IDP. É autor, entre outros, do livro Da Hermenêutica filosófica à Hermenêutica jurídica: Fragmentos.
Palestra proferida no Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional – CEAF, do Ministério Público do Estado do Pará, em Belém-PA, no dia 08/06/2010.
Notas
[1] Letamendi, in Julio Otero y Valentin. Etiologia Jurídica. Madrid: Aguilar, s/d, p. 23.
[2] Genaro R. Carrió. Los jueces crean derecho, in Notas sobre derecho y lengtuaje. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 4ª ed., 1994, p. 105/114; Henri De Page. De l’interprétation des lois. Bruxelas: Payot, vol. 2, 1925, p. 334.
[3]Henri De Page. De l’interprétation des lois. Bruxelas: Payot, vol.2, 1925, p.123; Edward H. Levi. Introducción al razonamiento jurídico. Buenos Aires: Eudeba, 1971, p. 47; Luis Prieto Sanchís. Ideologia e interpretación jurídica. Madrid: Tecnos,1993, p. 136/137; Guy Canivet. Activisme judiciaire et prudence interprétative. Introduction générale, in Archives de philosophie du droit. Paris: Dalloz, Tome 50, 2007, p. 7/32.
[4] Mauro Cappelletti. Juízes legisladores? Porto Alegre. Sergio Antonio Fabris Editor, 1993, p. 5.
[5] Alexander Pekelis. La tecla para una ciencia jurídica estimativa, in El actual pensamiento jurídico norteamericano. Buenos Aires, Editorial Losada, 1951, p. 125.
[6] O Poder Judiciário na Constituição de 1937, in Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1942, p. 367.
[7] Elival da Silva Ramos. Ativismo judicial. Parâmetros dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 255.
[8] Elival da Silva Ramos. Ativismo Judicial. Parâmetros Dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 129 e 138; Saul Tourinho Leal. Ativismo ou Altivez? O outro lado do Supremo Tribunal Federal. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, p. 24.
[9] Jean Cruet. A vida do direito e a inutilidade das leis. Lisboa: José Bastos, 1908, p. 26; Henri De Page. De l’interprétation des lois, cit., vol. 1, p.74/75; José Puig Brutau. La jurisprudencia como fuente del Derecho. Barcelona Bosch, s/d, p. 19.
[10] Karl Larenz. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Gulbenkian, 4ª ed., 2005, p. 414.
[11] Ernst-Wolfgang Böchenförde. Escritos sobre Derechos Fundamentales. Baden-Baden: Nomos Verlagsellschaft, 1993, p. 32 e 34.
[12] Emilio Betti. La Interpretación de la ley y de los actos jurídicos. Madrid; Revista de Derecho Privado, 1975, p. 32/33; Karl Larenz. Metodologia da Ciência do Direito, cit., p. 493.
[13] Sobre a importância do fator subjetivo no processo do conhecimento, ver Adam Schaff. História e Verdade. São Paulo: Martins Fontes, 1987, Capítulo I ? A Relação Cognitiva, O Processo do Conhecimento, A Verdade – págs. 65/98.
[14] Hans-Georg Gadamer. Verdad y Método. Salamanca: Sígueme, vol. I, 1993, p. 335 e 440; e vol. II, 1994, p. 123.
[15] Henri De Page. De l’interprétation dês lois, cit., vol. 2, p. 123 e 125.
[16] Mauro Cappelletti. O controle de constitucionalidade das leis no sistema das funções estatais, in Revista de Direito Processual Civil, São Paulo: Saraiva, Ano II, janeiro a junho de 1961, vol. 3, p. 38.
[17] Ignácio de Otto. Derecho constitucional. Sistema de fuentes. Barcelona: Ariel, 2007, p. 302/303.
[18] Karl Larenz. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Gulbenkian, 4ª ed., 2005, p. 521.
[19] De L’Esprit des Lois, in Oeuvres Complètes de Montesquieu. Paris:Chez Lefrèvre, Éditeur, Tome Premier, 1839, p.193 e 196; e Do Espírito das Leis. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1° vol., 1962, p.185 e 187.
[20] Hans Kelsen. Teoría General del Derecho y del Estado. México: UNAM, 1969, p. 182/183; Karl Larenz. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Gulbenkian, 1978, p. 398.
[21] Martin Kriele. Introducción a la Teoría del Estado. Buenos Aires: Depalma, 1980, p. 151.
[22] Karl Larenz. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Gulbenkian, 2ª ed.,1989, p. 250.
[23] Miguel Reale. Fontes e Modelos do Direito ? Para um novo paradigma hermenêutico.São Paulo: Saraiva, 1994, p.70.
[24] Ver, entre vários outros, José Rogério Cruz e Tucci. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: RT, 2004; Rafael de Asis Roig. Jueces y normas. La decisión judicial desde el Ordenamiento. Madrid: Marcial Pons, 1995; Marina Gascón Abellán. La técnica del precedente y la argumentación racional. Madrid: Tecnos, 1993; Manuel Segura Ortega. Sentido y limites de la discrecionalidad judicial. Madrid: Editorial universitaria Ramón Aceres, 2006; Rodolfo Vasquez et al. Interpretación jurídica y decisión judicial. México: Fontamara, 2003; Luis Prieto Sanchís. Ideología e interpretación jurídica. Madrid: Tecnos, 1993; François Rigaux. A lei dos juízes. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
[25] René David. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1986, p. 117.
[26] Sobre o conceito de pretensão de injuntividade, ver Karl Larenz. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Gulbenkian, 4ª ed., 2005, p. 262.
[27] René David. Os grandes sistemas do direito contemporâneo, cit., p. 118.
[28] Juan Fernando López Aguilar. Lo constitucional en el Derecho: sobre la idea e ideas de Constitución y Orden Jurídico. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 1998, p. 60. A frase de Hughes é referida, entre outros, por Antonio Carrillo Flores, no Prólogo à edição espanhola da obra de Charles Evans Hughes The Supreme Court of the United States. Its Foundation, Methods and Achievements. An Interpretation, publicada em 1946, pelo Fondo de Cultura Económica, com o título La Suprema Corte de Estados Unidos; Elias Díaz. Curso de Filosofía del Derecho. Madrid: Marcial Pons, 1998, p. 22.
[29] Aurelio Menéndez Menéndez. Sobre lo jurídico y lo justo, in Eduardo García de Enterría & Aurelio Menéndez Menéndez. El Derecho, la Ley e el Juez. Dos estúdios. Madrid: Civitas, 2000, p. 76; Oliver Wendell Holmes, apud José Puig Brutau, La jurisprudência como fuente del derecho, cit., p. 49, Nota 2.
[30] José Puig Brutau, La jurisprudencia como fuente del derecho, cit., p. 50.
[31] José Puig Brutau. La jurisprudencia como fuente del derecho, cit., p. 51.
[32] Edward H. Levi. Introducción al razonamiento jurídico. Buenos Aires: Eudeba, 1971, p. 47: “Las legislaturas y los tribunales son cuerpos creadores de derecho que actúan en colaboración”.
[33] Manuel Segura Ortega. La Racionalidad Jurídica. Madrid: Tecnos, 1998, p.84.
[34] Karl Larenz. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Gulbenkina, 1978, p. 366/370.
[35] Karl Engisch. La idea de concreción en el derecho y en la ciencia jurídica actuales. Pamplona: Ediciones Universidad de Navarra, 1968, especialmente o Capítulo VII, p. 325/413.
[36] Gaston Morin. La révolte du droit contre le code. Paris: Sirey, 1945.
[37] Raimundo Panikar. É a noção de direitos humanos um conceito ocidental? Revista Diógenes, Brasília, Editora da UnB, 1983, p. 5/28.
[38] Benito Aláez Corral & Leonardo Alvarez Alvarez. Las decisiones básicas del Tribunal Constitucional Federal alemán en las encucijadas del cambio de milênio. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2008, p. 938/978 e 978/1039; Carlos María Cárcova. La opacidad del derecho. Madrid: Trotta, 1998, p. 83/91.
[39] Jürgen Habermas. Entre naturalismo e religião. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2007, p. 300.
[40] Francesco Viola & Giuseppe Zaccaria. Derecho e Interpretación. Elementos de Teoría Hermenéutica del Derecho. Madrid: Dykinson, 2007, p. 90.
[41] Erhard Denninger & Dieter Grimm. Derecho constitucional para la sociedad multicultural. Madrid: Trotta, 2007, p. 54/56.
[42] Max Sorensen. Manual de Derecho Internacional Público. México: Fondo de Cultura Económica, 2002, p. 474/492; Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier & Alain Pellet. Direito Internacional Público. Lisboa: Gulbenkian, 2ª ed., 2003, p. 671; e Antônio Augusto Cançado Trindade. A proteção internacional dos direitos humanos e o Brasil. Brasília: Editora da UnB, 1998, p. 17/21.
[43] Karl Larenz. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Gulbenkian, 4ª ed., 2005, p. 522; Karl Engisch. Introdução ao Pensamento Jurídico. Lisboa: Gulbenkian, 1988, p. 333; Otto Bachof. Jueces y Constitución. Madrid: Civitas, 1985, p. 37/43.
[44] Alexander Hamilton. Os juízes como guardiões da Constituição, in O Federalista. Brasília: Editora da UnB, 1984, p. 576.
[45] Cf., entre outros, Francisco Campos. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1942, p. 339/354; J.Djordjevic et al. O papel do Executivo no Estado Moderno. Belo Horizonte: Revista Brasileira de Estudos Políticos, 1959; Georges Burdeau. O Poder Executivo na França. Belo Horizonte: Revista Brasileira de Estudos Políticos, 1961; Nuno Piçarra. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional. Coimbra: 1989; Mauro Cappelletti. Juízes Legisladores? Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1993; J. Sousa e Brito et al. Legitimidade e Legitimação da Justiça Constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 1995; Gilmar Ferreira Mendes. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2005 e Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 1998; Inocêncio Mártires Coelho. Interpretação Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007; e Peter Häberle. Hermenêutica Constitucional/A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 1997.
[46] Elival da Silva Ramos. Ativismo judicial, cit, p. 226/267, onde o autor comenta tais decisões do STF, sob os seguintes títulos; a aplicação irrefletida da modulação dos efeitos temporais; a construção pretoriana da perda de mandato por desfiliação partidária; a restrição à nomeação de parentes para cargos de confiança; e a implementação de direitos sociais veiculados por normas de eficácia limitada. Saul Tourinho Leal. Ativismo ou Altivez?, cit. p. 163/198.
[47] Paul Ricoeur. Do Texto à Acção. Porto-Portugal: RÉS-Editora, s/d, p. 206.
[48] Mauro Cappelletti. Juízes legisladores?, cit., p. 76.
[49] Carlos Cossio. La teoría egologica del derecho y el concepto jurídico de libertad. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 1964, p. 333 e 661/662, Nota 17; e A. L. Machado Neto. Teoria Geral do Direito. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1966, p. 40/41.
[50] Robert Alexy. Teoría de la Argumentación Jurídica. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1989, p. 34 e passim.
[51] Nessa denominação genérica estão compreendidos os juízes, advogados, membros do Ministério Público e auxiliares da Justiça, porque, no exercício das respectivas atribuições, todos colaboram para que se ultime a prestação jurisdicional.
[52] Jürgen Habermas. Teoría de la acción comunicativa. Madrid: Taurus, vol. 1, 1988, p. 60; Robert Alexy. Teoría de la Argumentación Jurídica, cit., p. 211.
[53] Tercio Sampaio Ferraz Jr. Função social da Dogmática Jurídica. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 163; e Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2008, p. 289.
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É sempre um privilégio beber dessa fonte inesgotável de brilhantismo intelectual. Estamos sempre aprendendo com esse grande mestre Inocêncio Coelho.