25.04.12
Os dois Supremos
Um dos mais importantes pilares da atual Constituição foi a conformação de um notável equilíbrio de poderes, com mecanismos para evitar invasão de competências.
O Supremo Tribunal foi guindado expressamente a “guardião da Constituição” (artigo 102), com integrantes escolhidos por um homem só (artigo 101, § único), o presidente da República, que é eleito pelo povo (artigo 77), assim como os integrantes do Senado e da Câmara (artigos 45 e 46).
O Congresso Nacional tem poderes para anular quaisquer decisões do Executivo ou do Judiciário que invadam a sua função legislativa (artigo 49, inciso XI), podendo socorrer-se das Forças Armadas para mantê-la (artigo 142), em caso de conflito.
Há, pois, todo um arsenal jurídico para assegurar a democracia no nosso país.
Ora, a Suprema Corte brasileira, constituída no passado e no presente por ínclitos juristas, parece hoje exercer um protagonismo político, que entendo contrariar a nossa Lei Suprema. Assim é que, a partir dos nove anos da gestão Lula e Dilma, o Pretório Excelso passou a gerar normas.
Para citar apenas alguns casos: empossar candidato derrotado – e não eleito direta ou indiretamente – quando de cassação de governantes estaduais (artigo 81 da Constituição); a fidelidade partidária, que os constituintes colocaram como faculdade dos partidos (artigo 17, § 1º); o aviso prévio (artigo 7º, inciso XXII); a relação entre homossexuais (artigo 226, § 3º); e o aborto dos anencéfalos (artigo 128 do Código Penal).
Tem-se, pois, duas posturas julgadoras drasticamente opostas: a dos magistrados de antanho, que nunca legislavam, e a dos atuais, que legislam.
Sustentam alguns constitucionalistas que vivemos a era do neoconstitucionalismo, que comportaria tal visão mais abrangente de judicialização da política.
Como velho advogado e professor de direito constitucional, tenho receio dos avanços de um poder técnico sobre um poder político, principalmente quando a própria Constituição o impede (artigo 103, § 2º).
Nem se argumente que ação de descumprimento de preceito fundamental – de cuja redação do anteprojeto participei, ao lado de Celso Bastos, Gilmar Mendes, Arnoldo Wald e Oscar Corrêa – autorizaria tal invasão de competência, visto que essa ação objetiva apenas suprir hipóteses não cobertas pelas demais ações de controle concentrado.
Meu receio é que, por força dos instrumentos constitucionais de preservação dos poderes, numa eventual decisão normativa do STF de caráter político nacional, possa haver conflito que justifique a sua anulação pelo Congresso (artigo 43, inciso XI), o que poderia provocar indiscutível fragilização do regime democrático no país.
É sobre tais preocupações que eu gostaria que magistrados e parlamentares se debruçassem para refletir.
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IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, 77, advogado, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra, é presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio.
Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo, edição 25/4/2012.
Foto: alphadesigner/Flickr.
A preocupação do nobre jurista deveria ser maior e focada na própria questão da justiça das decisões de nosso tribunal superior. Há muito se percebe que a literalidade das normas não é suficiente para interpretar ou decidir as coisas. Por outro lado, é falacioso dizer que os juristas de antanho não criavam normas. Seria preciso um estudo analítico, profundo, da história das decisões do STF, por exemplo, para se chegar a essa conclusão. Tese ultra-conservadora essa do ínclito jurista.
Temos artigos da CF/88 que até hoje não foram regulamentados. Isso sim é um absurdo e um atentado a Lei Maior e aos direitos e garantias fundamentais. Se depender do Congresso Nacional , esse país afunda.