3.02.10
Conversas acadêmicas: Christine Peter e o Supremo Tribunal Federal (II)
CHRISTINE PETER
Os Constitucionalistas: Muitas vezes o Congresso Nacional debate um projeto de emenda constitucional e assistimos a ministros do STF declararem na imprensa que esse projeto viola a Constituição. Essa opinião antecipada é compatível com a Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN)?
Christine Peter: A grande vantagem de você trabalhar com um órgão colegiado é que a opinião de uma única pessoa não vai dizer como institucionalmente a decisão vai se dar, e mais do que isso, às vezes a opinião prévia, a opinião inicial de um ministro, a qual joga luzes sobre uma determinada circunstância, pode vir a mudar diante da complexidade que o caso ganha no momento do julgamento, da preparação da minuta de voto, do debate que se faz com os advogados e com a própria mídia especializada. Penso que a LOMAN merece ser revisitada em relação a esse pressuposto.
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Às vezes a opinião prévia, a opinião inicial de um ministro, a qual joga luzes sobre uma determinada circunstância, pode vir a mudar diante da complexidade que o caso ganha no momento do julgamento
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OC: É positiva então essa manifestação dos ministros?
CP: Positiva! Toda exposição é muito positiva porque exige uma coerência. Só consegue se expor aquele que tem coisas (que considere) boas para mostrar. O ser acuado e medroso evita toda e qualquer exposição. Os ministros do STF certamente não têm esse perfil.
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O ser acuado e medroso evita toda e qualquer exposição. Os ministros do STF certamente não têm esse perfil
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OC: O Conjur noticiou que o Supremo pode realizar o controle de constitucionalidade do anteprojeto do novo CPC. Isso não é esvaziar a função do Congresso, a quem compete o debate e votação desse anteprojeto?
CP: Toda tentativa de controle do controle do controle é muito problemática. Eu vejo como um exagero do sistema ficar controlando anteprojeto. Acredito que qualquer tipo de tentativa de redução da complexidade do processo político é problemático. O Supremo, na verdade, não está reduzindo a complexidade, dando uma palavra final, fatal. Ele participa dessa complexidade equilibrando algumas questões no tempo. Às vezes a decisão do STF, por ter toda essa carga de efeito vinculante, estabiliza relações do tempo. Mas nunca será uma decisão final, última, acabada, correta e pronto.
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Toda tentativa de controle do controle do controle é muito problemática. Eu vejo como um exagero do sistema ficar controlando anteprojeto
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OC: A partir de fevereiro de 2010 as petições iniciais das ações de controle concentrado (ADI, ADC, ADO e ADPF) só serão recebidas no Supremo Tribunal Federal por meio eletrônico. Essa mudança acaba com um ramo da advocacia, a advocacia de representação?
CP: A mudança está afinada com toda a realidade circundante ao Direito. O Supremo está reagindo a uma “irritação do ambiente”, para usar uma linguagem luhmaniana. A Corte está adequando a sua prática à realidade do seu tempo. Em relação à advocacia de representação, ela não deixará de existir, mas terá que se revisitar, porque cada vez mais o “estar perto” vai ter que se transformar no “estar presente”. O que é isso? Antes bastava a localização geográfica em Brasília para acompanhar as decisões, peticionar, etc. Agora não basta mais estar perto, é preciso estar presente. Não basta apenas entregar no protocolo do STF uma petição de reclamação, de ADI, de ADPF. Existe um trabalho de memoriais, existe um trabalho de contato com os ministros e suas assessorias, existe um trabalho de conhecer a Corte. É preciso se movimentar no tribunal. E essa movimentação pode se dar fisicamente, por e-mails ou por telefonemas. Fazer-se presente, essa é a diferença. Para atuar no Supremo, a advocacia de representação terá que se colocar à disposição da Corte, terá que dialogar com a Corte, enfim, terá que se fazer presente para a Corte.
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A Corte está adequando a sua prática à realidade do seu tempo. Em relação à advocacia de representação, ela não deixará de existir, mas terá que se revisitar, porque cada vez mais o ‘estar perto’ vai ter que se transformar no ‘estar presente’
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OC: Quando o Senado Federal e a Câmara dos Deputados deixam de cumprir decisões do Supremo Tribunal Federal, como aconteceu no MS 27163 e no MS 28177, fica abalada a relação do Poder Judiciário com o Poder Legislativo?
CP: Uma relação, qualquer que seja, em qualquer âmbito que se estabeleça, pode acontecer de forma harmoniosa, de forma tensa, de forma conflitual e até de forma bélica, ou seja, um querer eliminar o outro porque a relação é impossível. A grande novidade do Estado Constitucional é que ele coloca essas funções de Poder do Estado em relação. Com isso, surgem as possibilidades de existência de uma relação harmoniosa, conflitual e até bélica, em alguns momentos. Sabe como enxergo, hoje, o Brasil nesse contexto de relação entre o Judiciário e o Executivo ou entre o Judiciário e o Legislativo? Enxergo como um processo natural de amadurecimento das relações de Poder no Estado Constitucional. O fato de o Congresso desrespeitar uma decisão monocrática de um ministro da Corte – decisão monocrática esta que mais tarde não foi referendada pelo Plenário – demonstra que esse diálogo está acontecendo e se resolvendo no âmbito das relações democráticas do Estado Constitucional. A outra decisão precisou de um pouco mais de insistência, a insistência da conformação, do amadurecimento. Por isso que não vejo nessa relação nenhum tipo de ódio ou paixão. Você só dialoga com quem você respeita. O descaso, tanto do Supremo, como do Executivo ou do Legislativo, em relação às decisões uns dos outros é que causaria um espanto, uma afronta ao Estado. A relação positiva, no sentido de existir uma comunicação, um diálogo, é sempre apropriada no sistema. O Estado Constitucional impõe essa conformação das relações.
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Você só dialoga com quem você respeita. O descaso, tanto do Supremo, como do Executivo ou do Legislativo, em relação às decisões uns dos outros é que causaria um espanto, uma afronta ao Estado
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OC: Mas às vezes a relação pode ser de amor e ódio…
CP: Pode. A briga pelos espaços de Poder é muito natural nas relações pessoais e, mais ainda, nas relações institucionais. Não existe poder vazio, não existe vácuo de poder. Quando o outro vê o seu espaço ocupado, diz: “Não, aqui sou eu!” A questão do inciso X do art. 52 da Constituição é um exemplo disso. Um espaço que o Congresso Nacional nunca deu muita importância. Quando se alegou no Supremo que esse dispositivo sofreu mutação constitucional, as resoluções começaram a ser editadas. A relação entre o Executivo, Legislativo e Judiciário é muito saudável. Ela não é perniciosa, ela não desequilibra o Poder do Estado. Na verdade, ela faz o Poder se movimentar. O problema maior está quando esse Poder é exercido só por um deles, de forma muito concentrada, porque daí surge o autoritarismo.
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A briga pelos espaços de Poder é muito natural nas relações pessoais e, mais ainda, nas relações institucionais. Não existe poder vazio, não existe vácuo de poder
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OC: Quando abdica da função de legislar em questões sensíveis como a interrupção da gestação de fetos anencéfalos, tema debatido na ADPF 54, o Congresso Nacional não transfere para o Supremo Tribunal Federal um ônus político?
CP: Por isso o papel contra-majoritário da Corte Constitucional. Se existe um ônus político, se o Congresso transferiu esse ônus político ao Supremo, é porque existe uma comoção social em algo que não estava conforme o Estado Constitucional e de Direito. Existem questões que são muito difíceis de serem mediadas pela linguagem legislativa. No plano político, há toda uma impossibilidade material de dar uma resposta para a sociedade porque isso geraria um colapso do próprio sistema político, como a não-eleição daqueles parlamentares que enfrentaram o tema ou uma necessidade muito grande de criar apoios que não seriam processados de uma forma saudável para o sistema. Daí a importância de existir um órgão contra-majoritário para resguardar o sistema constitucional dessas impropriedades sistêmicas.
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Se existe um ônus político, se o Congresso transferiu esse ônus político ao Supremo, é porque existe uma comoção social em algo que não estava conforme o Estado Constitucional e de Direito
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OC: O Supremo é o garante do Estado Constitucional?
CP: Sem dúvida! Eu diria que o STF é um dos últimos garantes do Estado Constitucional. Ele não é garante sozinho e não é o primeiro. O Supremo é um dos últimos garantes. Ele sempre dirá, como assinala Peter Häberle, a penúltima palavra em matéria constitucional.
OC: Por que a penúltima?
CP: Porque a história sempre vai fazer com que exista a possibilidade de o legislador dar nova conformação constitucional àquele tema ou questão. Toda decisão constitucional é a penúltima, afirma Peter Häberle.
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O Supremo é um dos últimos garantes. Ele sempre dirá, como assinala Peter Häberle, a penúltima palavra em matéria constitucional
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