26.02.10
A inelegibilidade dos políticos “fichas sujas”
POR JÚLIO CÉZAR LUCCHESI RAMACCIOTTI
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O tema referente à inelegibilidade dos políticos “fichas sujas” já foi objeto de grande discussão, seja na mídia ou na doutrina especializada. A celeuma existente sobre a matéria está parcialmente pacificada com o julgamento vinculante do Supremo do Tribunal Federal na ADPF nº 144.
No julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº144, o Supremo entendeu, por maioria, que em caso de procedência da ação poderia se institucionalizar no país uma áurea de insegurança e de desigualdade jurídica, uma vez que o trânsito em julgado não mais seria necessário para configurar a inelegibilidade do candidato.
Como a decisão da Suprema Corte em sede de ADPF é vinculante, o tema foi pacificado, não havendo mais que se falar em inelegibilidade do candidato antes do trânsito em julgado da decisão.
Entrementes, revivendo a celeuma outrora pacificada pelo STF, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar 518/2009. Este projeto altera a Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, nos termos do art. 14, § 9º da Constituição Federal, hipóteses de inelegibilidade que visam proteger a probidade administrativa. Segundo o PLP 518/2009, serão inelegíveis todos os candidatos
…que forem condenados em primeira ou única instância ou tiverem contra si denúncia recebida por órgão judicial colegiado pela prática de crime descrito nos incisos XLII ou XLIII do art. 5º da Constituição Federal ou por crimes contra a economia popular, a fé pública, os costumes, a administração pública, o patrimônio público, o meio ambiente, a saúde pública, o mercado financeiro, pelo tráfico de entorpecentes e drogas afins, por crimes dolosos contra a vida, crimes de abuso de autoridade, por crimes eleitorais, por crimes de lavagem e ocultação de bens, direitos e valores, pela exploração sexual de crianças e adolescentes e utilização de mão-de-obra em condições análogas à de escravo, por crime que a lei comine pena não inferior a 10 (dez) anos, ou por houverem sido condenados em qualquer instância por ato de improbidade administrativa, desde a condenação ou recebimento da denúncia, conforme o caso, até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena.
Diante da situação que se apresenta, serão expostas nos tópicos seguintes as razões que nos levam a crer que a aprovação do PLP 518/2009 pode significar o trancamento da brecha constitucional pró-imoralidade criada pelo Supremo Tribunal Federal com o indeferimento da ADPF 144.
2. A BRECHA CONSTITUCIONAL DA IMORALIDADE
No julgamento da ADPF 144, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, assentou a impossibilidade de se impedir que políticos que respondam a processos na Justiça sejam candidatos a novos cargos eletivos.
As razões que fundamentam o entendimento da Suprema Corte são, principalmente, as seguintes: a impossibilidade de o Judiciário criar norma restritiva de direito não prevista pelo legislador e a efetiva garantia do princípio da presunção de inocência, segundo o qual todas as pessoas devem ser consideradas inocentes até que haja o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Logo, sob a égide do princípio da presunção de inocência, é vedado atribuir a autoria de determinado crime antes de a sentença condenatória ter transitado em julgado. Dito de outra forma, enquanto existir a possibilidade de recurso não é possível atribuir a autoria de um determinado delito a alguém.
Ademais, corroborando o entendimento consolidado do Tribunal Superior Eleitoral, de que o art. 14, § 9º, da CF/88 não é auto-aplicável, o Supremo Tribunal Federal deixou assentado que apenas mediante a edição de lei complementar é possível estabelecer a inelegibilidade dos candidatos antes do trânsito em julgado da ação penal condenatória ou da ação de improbidade administrativa.
Atualmente, a Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar nº 64/90) apenas prevê como hipótese de inelegibilidade as situações já acobertadas pela coisa julgada – processos transitados em julgado.
Data vênia aos nobres argumentos lançados pelo Supremo Tribunal Federal, não há como concordar com os mesmos. As eleições visam, por meio de um pleito eminentemente democrático, buscar o preenchimento das vagas atinentes aos dirigentes do país em todas as esferas da federação.
A própria Constituição prevê que nas eleições deve ser garantida a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato. A representação política da sociedade, portanto, é um interesse público e, como tal, deve suplantar o interesse privado para garantir que os governantes da nação sejam pessoas idôneas e de moral ilibada.
Admitir que apenas com o trânsito em julgado da sentença condenatória um político possa ser considerado inelegível é coadunar com a imoralidade pública, criando-se, através de uma má interpretação de uma garantia fundamental (presunção de inocência), uma verdadeira brecha constitucional a favor da imoralidade e da falta de ética na administração pública.
Não se está aqui a afirmar que para os políticos tal garantia fundamental não deva ser respeitada, pelo contrário, este direito fundamental é universal, devendo ser aplicado para todos. O que aqui se defende é que não há qualquer condenação antecipada da figura política nestes casos, pois a simples inelegibilidade não configura condenação prévia.
Contudo, esta inelegibilidade não deve ser absoluta. Apenas deve ser considerado inelegível aquele político cujo processo já tenha sido julgado nas vias ordinárias e a condenação seja imposta. Nestes casos, toda a análise da matéria fático-probatória já foi feita, repousando a discussão apenas quanto à matéria de direito.
Com este entendimento não há que se falar em violação ao princípio da presunção de inocência. A discussão deve ser vista sob o aspecto moral, sob o prisma dos princípios da probidade administrativa e da moralidade para o exercício do mandato.
Nestes termos, os argumentos lançados por Luiz Flávio Gomes, ao comentar a decisão do STF, são equivocados, pois insere a discussão no âmbito da suspensão dos direitos políticos, enquanto a situação trata apenas da inelegibilidade. A inelegibilidade não é a única expressão dos direitos políticos, já que um candidato inelegível manterá intacto o seu direito de votar. Destaca-se:
Se de um lado o princípio constitucional da moralidade com toda certeza nos conduz a (em tese) refutar candidatos “fichas-sujas”, de outro, é certo que a própria Constituição (art. 15, III), fundada no princípio da presunção de inocência, afirma que a perda ou suspensão dos direitos políticos só se dará com a condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos. A AMB, num momento passageiro (espera-se!), inclinou-se pelo Direito penal do inimigo, desejando (sem nenhuma previsão legal) que o “processado” seja tratado como “culpado”. Tudo isso para atender “ao espírito moralista, não a letra da lei e da Constituição”. Pela Moral os fichas-sujas realmente deveriam ser excluídos. Mas pelo Direito vigente não. É impressionante constatar como o belzebu do Direito penal do inimigo sempre que expulso por uma porta (sob inspiração do Estado de Direito) tenta retornar pela janela (do Estado de Polícia).
Em razão do exposto, o STF, ao julgar a ADPF 144, admitiu a utilização “maléfica” de uma garantia fundamental, transformando-o em um direito legitimador da imoralidade e da falta de ética na política brasileira.
3. o PLP 518/2009: solução à decisão do STF?
Em decorrência da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 144, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar 518/2009. O objetivo deste projeto é alterar as causas de inelegibilidade previstas na Lei Complementar nº 64, de 1990, para acrescentar como causa de inelegibilidade, a existência de condenação em primeira ou única instância e quando houver denúncia em órgãos colegiados pela prática de diversos crimes ali descritos.
Por força dessa pretensa previsão legal de inelegibilidade dos políticos denominados “fichas sujas”, muito já se discute se o projeto em comento seria ou não inconstitucional. O motivo da possível inconstitucionalidade da norma seria, justamente, as razões que fundamentaram o entendimento defendido pelo STF na ADPF 144.
Um dos argumentos lançados pelo Supremo no julgamento da ADPF foi a confirmação do entendimento de que o art. 14, § 9º, da CF/88 não é auto-aplicável. Consignou-se naquela oportunidade que o Judiciário não podia impor restrição à elegibilidade onde o legislador não o tinha feito.
Sob o prisma deste argumento, o projeto de lei é perfeitamente constitucional. Ora, o legislador, por meio deste projeto de lei complementar, está criando justamente a restrição tida como impossível de ser feita pelo Judiciário, uma vez que àquele cabia este dever institucional.
Portanto, o Legislativo está criando e dando efetividade à norma constitucional prevista no art. 14, § 9º, da CF/88, nos exatos termos do que foi defendido pelo STF.
Sob o aspecto da presunção de inocência, também não há como conferir inconstitucionalidade ao conteúdo do PLP 518/2009. O princípio da presunção de inocência tem a função de garantir ao cidadão, acusado de determinado crime, de sofrer, antes do trânsito em julgado, os efeitos condenatórios decorrentes da sentença.
É, por isso, uma garantia penal. No âmbito do Direito Eleitoral, os princípios a serem garantidos são outros. O art. 14, § 9º, da CF/88 esclarece que a inelegibilidade tem por escopo garantir a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato.
Assim, de maneira diversa da esfera penal, em que o olhar principiológico repousa na figura do acusado e da sua tutela, no âmbito do Direito Eleitoral a proteção se volta para a sociedade, visando garantir a esta que os seus governantes sejam verdadeiros arautos da probidade administrativa e da moralidade.
Fazendo uso dos ensinamentos de Márlon Jacinto Reis
O indivíduo aqui cede a sua primazia aos elevados interesses da coletividade, porque estamos agora nos domínios da política, onde direitos e deveres não são considerados senão à luz da finalidade pública a que se destinam. Não mais cuidamos da defesa dos direitos constitucionais de um indivíduo, salvo em sua imediata relação com a tutela do interesse geral que neste campo prepondera.
Como se não bastasse, a necessidade de se sobrepor o interesse público sobre o privado, há de se entender, ainda, que a inelegibilidade é apenas a impossibilidade de alguém participar como candidato nas eleições, justamente por ser considerado inelegível. Não significa, desta forma, que se está a condenar previamente o cidadão.
Apenas, em nome da moral e da probidade administrativa, está se evitando que a administração pública corra o risco de ser habitada por indivíduos alheios a estes princípios.
Não deixa dúvidas, pelo até aqui exposto, que a criação de norma prevendo a inelegibilidade causada pela existência de processo judicial ainda pendente de transitado em julgado da decisão não configura violação ao princípio da presunção de inocência.
Inexistindo inconstitucionalidade no Projeto de Lei Complementar nº 518/2009, resta verificar se sua redação realmente configura uma solução para a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 144.
O PLP 518/2009 está redigido nos seguintes termos:
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º – As alíneas “b”, “c”, “d” , “e” ,“f”, “g” e “h” do inciso I do art. 1º da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, passam a vigorar com a seguinte redação:
“ Art. “1º (…)
b) os membros do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas, da Câmara Legislativa e das Câmaras Municipais, que hajam perdido os respectivos mandatos por infringência do disposto nos incisos I e II do art. 55 da Constituição Federal, dos dispositivos equivalentes sobre perda de mandato das Constituições Estaduais e Leis Orgânicas dos Municípios e do Distrito Federal, ou cuja conduta tenha sido declarada incompatível com o decoro parlamentar, independentemente da aplicação da sanção de perda de mandato, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos oito anos subseqüentes ao término da legislatura;
c) o Governador e o Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal, o Prefeito e o Vice-Prefeito que perderem seus cargos eletivos por infringência a dispositivo da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente e nos 8 (oito) anos subseqüentes ao término do mandato para o qual tenham sido eleitos;
d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes;
e) os que forem condenados em primeira ou única instância ou tiverem contra si denúncia recebida por órgão judicial colegiado pela prática de crime descrito nos incisos XLII ou XLIII do art. 5º. Da Constituição Federal ou por crimes contra a economia popular, a fé pública, os costumes, a administração pública, o patrimônio público, o meio ambiente, a saúde pública, o mercado financeiro, pelo tráfico de entorpecentes e drogas afins, por crimes dolosos contra a vida, crimes de abuso de autoridade, por crimes eleitorais, por crime de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, pela exploração sexual de crianças e adolescentes e utilização de mão-de-obra em condições análogas à de escravo, por crime a que a lei comine pena não inferior a 10 (dez) anos, ou por houverem sido condenados em qualquer instância por ato de improbidade administrativa, desde a condenação ou o recebimento da denúncia, conforme o caso, até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena;
f) os que forem declarados indignos do oficialato, ou com ele incompatíveis, pelo prazo de 8 (oito) anos;
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão;
h) os detentores de cargo na administração pública direta, indireta ou fundacional, que beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político apurado em processo, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes”
Art. 2º – O art. 1º, inciso I, da Lei Complementar nº.64, de 18 de maio de 1990, passa a vigorar acrescido das seguintes disposições:
“j) os que tenham sido julgados e condenados pela Justiça Eleitoral por corrupção eleitoral ( art. 299 do Código Eleitoral), captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei nº 9.504/97), conduta vedada a agentes públicos em campanha eleitoral (arts. 73 a 77 da Lei nº 9.504/97) ou por captação ou gastos ilícitos de recursos (art. 30-A da Lei nº 9.504/97), pelo prazo de 8 (oito) anos a contar da realização da eleição;
l) o Presidente da República, o Governador de Estado e do Distrito Federal, o Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que renunciarem a seus mandatos após a apresentação de representação ou notícia formal capaz de autorizar a abertura de processo disciplinar por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subseqüentes ao término da legislatura”;
Art.3º – O inciso II do art. 1º. da Lei Complementar nº.64, de 18 de maio de 1990, fica acrescido da alínea “m”, com a seguinte redação:
“m) os que nos 4 (quatro) meses que antecedem ao pleito hajam exercido cargo ou função de direção, administração ou representação em entidade beneficiada por auxílio ou subvencionada pelos cofres públicos.”
Art. 4º. O art. 15 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 15. Publicada a decisão que declarar a inelegibilidade do candidato, ser-lhe-á negado registro, ou cancelado, se já tiver sido feito, ou declarado nulo o diploma, se já expedido”.
Art. 5º. O inciso XIV do art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação:
“XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subseqüentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico e pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e processo-crime, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar.”
Art. 6º – O inciso XV do art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam”.
Art. 7º – A presente lei entrará em vigor na data da sua publicação.
Como visto acima, o art. 1º, do PLP 518/09 altera a alínea “e” da LC 64/90 para declarar que são inelegíveis os candidatos “condenados em primeira ou única instância ou tiverem contra si denúncia recebida por órgão judicial colegiado pela prática de crime” de qualquer dos crimes ali mencionados.
O objetivo do PLP 518/09, com a atual redação que propõe, é dar máxima efetividade aos princípios constitucionais previstos nos arts. 14, § 9º e 37, da CF/88, quais sejam, a moralidade e a probidade administrativa.
A única ressalva que deve ser feita ao artigo em comento é a necessidade de previsão de que a condenação apta a declarar a inelegibilidade deve ser aquela condenação imposta com o fim do julgamento nas vias ordinárias, em que a matéria fático-probatória é exaurida.
Dito de outro modo, deve ser considerado inelegível aquele político cujo processo já tenha sido julgado nas vias ordinárias e a condenação seja imposta. Nestes casos, toda a análise da matéria fático-probatória já foi feita, repousando a discussão apenas quanto à matéria de direito.
4. CONCLUSÃO
Diante do aqui exposto, conclui-se que a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF 144 criou uma verdadeira brecha constitucional em favor da imoralidade e da improbidade administrativa.
Com o objetivo de sanar o erro cometido pela Suprema Corte, o Legislativo deve aprovar o Projeto de Lei Complementar 518/2009 para criar como critério de inelegibilidade a desnecessidade de transito em julgado da sentença penal condenatória ou da ação de improbidade administrativa.
A criação de norma desta natureza não ofende o princípio da presunção de inocência, pois a inelegibilidade é apenas a declaração de que o candidato, em nome da moral e da probidade administrativa, não possui condições de assumir determinado cargo eletivo. Portanto, o candidato tido como inelegível, neste caso, não estará sendo previamente condenado.
O que está garantindo, na verdade, é que em nome da moral e da probidade administrativa, a administração pública corra o risco de ser habitada por indivíduos alheios aos princípios da moralidade e da probidade administrativa.
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CORUJA, Carlos Fernando Agustini. SOUTO, Humberto Guimarães. A constitucionalidade do Projeto de Lei Complementar nº 518 de 2009. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13712. Acesso em 18 de novembro de 2009.
Em trecho do seu voto condutor, o relator da ADPF 144, Min. Celso de Mello, afirma que “Tenho para mim que a pretensão deduzida pela Associação dos Magistrados Brasileiros, considerados todos os fundamentos expostos, pelos eminentes Ministros MARCO AURÉLIO, CEZAR PELUSO e EROS GRAU, nos já mencionados julgamentos realizados pelo E. Tribunal Superior Eleitoral, revela-se inacolhível, porque desautorizada, não só pelo postulado da reserva constitucional de lei complementar (CF, art. 14, § 9º, c/c o art. 2º), mas, também, por cláusulas instituídas pela própria Constituição da República e que consagram, em favor da pessoa, o direito fundamental à presunção de inocência (CF, art. 5º, LVII) e que lhe asseguram, nas hipóteses de imposição de medidas restritivas de quaisquer direitos, a garantia essencial do devido processo (CF, art. 5º, LIV). ADPF 144-7, Rel. Celso de Mello, Dj de 06/08/2008.
O inciso LVII, do art. 5º, da Constituição Federal de 1988, preceitua que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
AMARAL, José de Campos. Diretos e Garantias Fundamentais: doutrina e jurisprudência. Brasília: Brasília Jurídica, 2007. p. 121.
O Tribunal Superior Eleitoral, desde 1994, editou a Súmula nº13 que afirma não ser auto-aplicável o § 9º, art. 14, da Constituição, com a redação da Emenda Constitucional de Revisão no 4/94.
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: (…)§ 9º. Lei Complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
Sobre a universalidade dos direitos fundamentais, Paulo Gustavo Gonet Branco afirma que “não é imprórpio afirmar que todas as pessoas são titulares de direitos fundamentais e que a qualidade de ser humano constitui condição suficiente a titularidade de tantos desses direitos.” MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2 ed.rev. e atual.- São Paulo: Saraiva, 2008. p. 240.
Sobre a diferenciação entre direitos políticos e inelegibilidade os deputados federais Carlos Fernando Agustini Coruja e Humberto Guimarães Souto explicam que “As inelegibilidades são situações fático/jurídicas que apenas impedem a obtenção do registro de candidatura. Havendo alguma inelegibilidade, falece àquela pessoa o denominado ius honorum, ou seja, o direito de ser votado. A inelegibilidade só retira do cidadão o direito de ser candidato a um cargo público eletivo. Mas não lhe retira a própria cidadania, pois o significado constitucional de cidadania está relacionado ao pleno exercício dos direitos políticos. Quando há privação (perda ou suspensão) dos direitos políticos, na forma prevista no art. 15 da Constituição Federal, as consequências jurídicas são bem mais amplas. Embora neste caso também exista um impedimento para a obtenção de registro de candidatura a qualquer cargo eletivo – pois o pleno exercício dos direitos políticos é uma das condições de elegibilidade – a perda ou suspensão dos direitos políticos tem implicações na vida da pessoa que vão bem além da impossibilidade de se candidatar”. CORUJA, Carlos Fernando Agustini. SOUTO, Humberto Guimarães. A constitucionalidade do Projeto de Lei Complementar nº 518 de 2009. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13712 . Acesso em 18 de novembro de 2009. ,
GOMES, Luiz Flávio. Candidatos “fichas-sujas”: Supremo afasta o risco da hipermoralização do direito. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11931. Acesso em 20 de novembro de 2009.
Coadunando com o exposto, afirma que o princípio da presunção de inocência “possui, assim, forte carga protetiva, a impedir que da atribuição de culpa derivem conseqüências jurídico-penais, senão após alcançada a imutabilidade do julgado. É esse o seu substrato: conferir segurança máxima aos acusados a fim de que não se lhes imponham medidas de conteúdo repressivo antes do momento constitucionalmente definido”.REIS, Marlón Jacinto. Inelegibilidade e Vida Pregressa. questões constitucionais. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12481. Acesso em 20 de novembro de 2009.
dada a situação atual da política brasileira, este entendimento pode parecer utópico, mas, diante das imperfeições da sociedade, deve o direito surgir como elemento orientador desta mesma sociedade em busca deste ideais de justiça, ética e moral.
REIS, Marlón Jacinto. Inelegibilidade e Vida Pregressa. questões constitucionais. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12481. Acesso em 20 de novembro de 2009.
Em sentido contrário ao aqui defendido, Rodrigo Pires Ferreira Lago conclui pela inconstitucionalidade do projeto de Lei Complementar apresentado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral – MCCE, pois “mesmo que prevista em lei complementar, a causa de inelegibilidade permanecerá em afronta ao texto constitucional, por ofensa ao princípio da presunção de inocência (CR/88, 5º, LVII). A pretensão do MCCE, embora se louve a iniciativa, deverá ser rechaçada pelo STF, se vier a ser aprovada pelo Congresso Nacional”. LAGO, Rodrigo Pires Ferreira. A Inconstitucionalidade do Projeto de Lei “Ficha Limpa” – o país da hipocrisia – parte II. http://www.rodrigolago.com.br/2009/10/inconstitucionalidade-do-projeto-de-lei.html. Acesso em 22 de novembro de 2009.
Disponível no sítio da Câmara dos Deputados na internet: http://www2.camara.gov.br/proposicoes. Acesso em 22 de novembro de 2009.
Não sou do ramo jurídico mas consegui compreender o teor o artigo. Excelente!!!!
O que desejamos é um país bem governado, isento de interesses individuais. Qualquer pessoa que deva por crimes e favores pessoais corre o risco de se envolver na corrupção (in)/voluntariamente. Ademais, é febre no país as ações de reparação de danos morais que, quem se sentir injustiçado após o transitado em julgado, poderá recorrer. Parabéns Sr. Júlio.
Sou a favor de restringir o acesso de pessoas inidôneas aos cargos eletivos. Entrementes, devemos ter cuidado para não se cometer injustiças. Parece que a redação do projeto é viciada por inconstitucionalidade. Se alterada a redação, é uma medida salutar para a República. Da forma como foi proposto, o projeto original padece de inconstitucionalidade.
Ao se descobrir o Arruda, o Azeredo e o Dirceu, com os respectivos mensalões, e todos respondendo a processos, sem falar dos escândalos do PMDB de Sarney, Renan e Cia, não acredito que o Congresso Nacional aprove uma lei dessa. Na hora "H" esses parlamentares que estão gritando pela aprovação irão desaparecer, ou fazer corpo mole.
O texto está excelente! Será que alguém poderia mandar para os emails dos Deputados e Senadores?
Muito bom… Se for aprovado 99,99% dos politicos da Brasil não poderão se candidatar.
Meus cumprimentos a todos Vocês. O tema dos "fichas sujas" é de relevância gritante e, por isso, deve ser mantido em pauta. Creio que uma condenação em 2ª instância já estaria de bom tamanho para se considerar inelegíveis os postulantes a cargos eletivos, pois isso afastaria o risco das perseguições combinadas, que existem, entre juizes e promotores, sobretudo nas comarcas de pequeno porte, onde a dupla convive tão proximamente que chega a assumir, de fato, o poder político, embora desprovida de mandato para tamanho protagonismo. Estender a garantia constitucional-penal da presunção de inocência ao tema das inelegibilidades é perder de vista a singularidade da cena eleitoral, permitindo um vale-tudo em busca de mandatos que mais servem para cobrir os seus detentores do que para legitimá-los ao exercício da representação política. O ficha suja condenado em 2ª instância com observância do devido processo legal até essa fase judicial, é um sujeito reconhecido como de maus antecedentes por decisão judicial recorrível, mas não suspeita, o que basta, pela relevância da matéria – probidade para fins eleitorais – para não receber mandato de representação coletiva .Bem, já "falei" demais. Um grande e forte abraço a todo vocês, meus constitucionalistas do coração.
Inocêncio Mártires Coelho*
reproduzido de email enviado pelo Prof. Inocêncio
O projeto 518/2009 é tão democrático quanto a lei que proíbe um candidato a cargo na Polícia Federal de tomar posse caso ele esteja, além de outras coisas, com o nome sujo no SPC, SERASA, cartórios, …
Por que um candidato a policial tem que ter a ficha limpa e um representante do povo não?