31.03.12
STF pretere caso das gestantes de anencéfalos
Segundo informações da assessoria do STF, em abril, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, que discute a viabilidade de aborto em caso de anencefalia, deve entrar em pauta. Em março de 2011 – portanto, há um ano –, o ministro Marco Aurélio, relator do caso desde o início, concluiu seu voto e liberou o processo para julgamento[1], depois de analisá-lo por aproximadamente seis anos, uma vez que o processo ingressou no STF em 2004.
Os doze meses que se seguiram entre a data de liberação do processo para julgamento até os dias de hoje foram mais do que suficientes para o desenvolvimento de inúmeras gestações, algumas delas com diagnóstico de anencefalia. Porém, a depender do STF, as mulheres que se viram diante de tal situação não poderiam recorrer ao Estado-juiz para resguardar aquele que é o princípio mais importante de nossa Constituição: a dignidade da pessoa humana. A liminar que autorizava a antecipação terapêutica do parto, concedida monocraticamente em 2004 ante a presença incontestido periculum in mora e do fumus boni iuris, foi revogada pelo Plenário meses depois.
Não obstante, enquanto o STF silencia, o restante do Judiciário tem colecionado decisões, posteriores à revogação da liminar, no sentido de garantir a antecipação do parto sem que se consigne o aborto, a exemplo da recente decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro[2]. No último dia 26, matéria da Folha de São Paulo anunciou que existem hoje no STF cerca de 7,5 mil processos que há mais de dois anos ainda não tiveram nenhuma decisão[3]. Portanto, esperar mais do que o razoável não é prerrogativa das gestantes de feto anencefálico, embora nestes casos fiquem evidentes as consequências da lentidão.
Mas nem tudo é morosidade. As ações que envolviam a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa (ADC 29, ADC 30 e ADI 4578), por exemplo, ingressaram no Supremo entre março e maio de 2011, tendo sido proferida decisão final em fevereiro de 2012, um lapso temporal que pode ser considerado exemplar para ações de controle abstrato. Houve pressão de diversos setores da sociedade para que o caso fosse posto em pauta o quanto antes, afinal, a indefinição sobre os critérios de inelegibilidade poderiam trazer consequências significativas para as próximas eleições, em 2012. Mas se não se pode impedir o fluxo normal das eleições, o que dizer de uma gestação? O que faz da Ficha Limpa mais urgente ou mais prioritária do que o caso da anencefalia? Por que colocar um e não outro em julgamento? Quais os critérios utilizados pelo tribunal para incluir ou não em pauta um processo já liberado pelo relator?
É bem verdade que a Lei da Ficha Limpa envolvia tão somente questões jurídicas, sendo bem menos complexa do que as inúmeras variáveis que serão enfrentadas no Caso da Anencefalia. Portanto, com os exemplos aqui trazidos não se pretende limitar a questão aos dois casos comparados, mas apresentar um problema que precisa ser rediscutido[4], uma vez que ainda não foi solucionado, qual seja, a excessiva discricionariedade do STF para definição de sua pauta. A considerar a pretensão democrática de nossa Corte Constitucional, evidencia-se a urgente necessidade de parâmetros mais claros para a inclusão de um feito em pauta, que retirem a excessiva discricionariedade com que hoje é feita e permitam à sociedade a certeza de que os problemas que lhes são urgentes serão, de fato, julgados o quanto antes, pois na medida em que as decisões do Supremo repercutem cada vez mais na vida do cidadão comum é necessário que, assim como nas eleições, fiquem claros os critérios pelos quais um ou outro caso são escolhidos para o processo de votação.
A recém-criada área de estatística no site do STF, que materializa as diretrizes da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011), deixa à mostra algumas dimensões do problema, como o esvaziamento das decisões colegiadas na medida em que se ampliam as decisões monocráticas e a quantidade de processos distribuídos em cada gabinete. As questões estão postas (ou expostas). Resta-nos pensar alternativas que viabilizem o funcionamento adequado do Poder Judiciário e nos retirem da situação em que nos encontramos, sob pena de retrocesso na consolidação do país como um Estado Democrático de Direito.
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JOSÉ RIBAS VIEIRA é professor da UFRJ, da PUC-Rio e da Ibmec-RJ.
FLÁVIA MARTINS DE CARVALHO é pesquisadora do Observatório da Justiça Brasileira, professora de Direito Constitucional da Universidade Cândido Mendes e mestre em Direito pela UFRJ.
Publicado originalmente na revista Consultor Jurídico (ConJur), edição 31/3/2012.
Foto: Dorivan Marinho/SCO/STF.
Notas:
[1] CARVALHO, Flávia. Audiência Pública tenta legitimar decisão sobre aborto. Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2011-mai-17/audiencia-publica-tenta-democratizar-decisao-aborto-anencefalo>. Acesso em: 17 mai 2011.
[2] Saúde Pública: TJ do Rio autoriza interrupção de gravidez. Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-mar-13/tj-rio-autoriza-interrupcao-gravidez-feto-anencefalo>. Acesso em: 14 mar 2012.
[3] SELIGMAN, Felipe; FERRAZ, Lucas. 10% dos casos no Supremo estão parados há mais de 2 anos. Folha.com. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/1067091-10-dos-casos-no-supremo-estao-parados-ha-mais-de-2-anos.shtml>. Acesso em: 27 mar 2012.
[4] DIMOULIS, Dimoulis; LUNARDI, Soraya Regina Gasparetto. Definição da pauta no Supremo Tribunal Federal e (auto)criação do processo objetivo. Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/brasilia/07_194.pdf>. Acesso em: 28 mar 2012.