Israel Nonato
1.04.12

Medidas cautelares em ADI, ADC e ADPF: questões atuais

 

Em artigo publicado no Observatório da Jurisdição Constitucional, o ministro Gilmar Mendes analisa questões atuais sobre as medidas cautelares no controle abstrato de constitucionalidade, algumas delas suscitadas em recentes decisões do Supremo Tribunal Federal. O texto foca os seguintes temas: (1) a reserva de plenário para decidir sobre medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade; (2) a conversão do julgamento da medida cautelar em julgamento definitivo de mérito; (3) a problemática atual quanto à (in)eficácia do rito do art. 12 da Lei 9.868/1999; (4) a fungibilidade entre os procedimentos das ações do controle abstrato de normas.

Confira aqui um trecho do artigo Questões atuais sobre as medidas cautelares no controle abstrato de constitucionalidade:

PROBLEMÁTICA ATUAL QUANTO À (IN)EFICÁCIA DO RITO DO ART. 12 DA LEI 9.868/99

Como se sabe, o art. 12 da Lei 9.868/99 dispõe que “havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, poderá, após a prestação das informações, no prazo de 10 (dez) dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de 5 (cinco) dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação”.

O dispositivo corresponde a uma inovação salutar trazida pela Lei 9.868/99 para permitir que matérias especialmente relevantes para a ordem social e a segurança jurídica sejam julgadas de forma célere e definitiva. Reduziu-se, portanto, o tempo de tramitação da ação, fixando-se prazos processuais mais curtos, com apenas 10 (dez) dias para as informações das autoridades das quais emanou o ato normativo impugnado, e 5 (cinco) dias de vista dos autos, sucessivamente, ao Advogado-Geral da União e ao Procurador-Geral da República. Tais prazos representam uma diminuição expressiva em relação àqueles próprios do rito ordinário fixado pelos artigos 6º e 8º da referida lei, que estabelecem 30 dias para as informações das autoridades legislativas, 15 dias para a manifestação do Advogado-Geral da União e mais 15 dias para o parecer do Procurador-Geral da República. Não chegam, por outro lado, a ser tão curtos como os do rito cautelar previsto no art. 10, caput e § 1º, fixados em 5 (cinco) dias para informações e 3 (três) dias (prazo comum) para o Advogado-Geral da União e para o Procurador-Geral da República. Estabeleceu o legislador, portanto, um rito mais célere do que o de tipo ordinário, porém mais alongado do que o de tipo eminentemente cautelar, fixando um denominador comum que conjuga a rapidez de trâmite processual com a possibilidade de cognição ampla e exauriente da matéria discutida na ação.

Como se vê, a teleologia do art. 12 é permitir ao Tribunal o julgamento definitivo de mérito de forma célere. Sua aplicação, portanto, deve estar condicionada ao efetivo cumprimento dessa finalidade exigida pela norma. Todos os que de alguma forma atuam e participam no processo (Ministro Relator, servidores do Supremo Tribunal Federal, advogados das partes, autoridades legislativas, a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República) devem estar constantemente empenhados no cumprimento dos prazos processuais.

A prática processual no âmbito das ações diretas de inconstitucionalidade, porém, tem demonstrado que a aplicação do artigo 12 nem sempre vem acompanhada desse necessário empenho ou desse fair trial que deve nortear a conduta de todos aqueles que de alguma forma participam do processo. As causas da ineficácia do art. 12 são variadas. A primeira, e talvez a principal, decorre da condução do processo que realiza o próprio Relator. Tem sido recorrente a aplicação do art. 12 para toda e qualquer matéria. Se a ação contém pedido de medida cautelar, o Relator tende a recorrer ao procedimento do art. 12, e o faz muitas vezes por dois motivos: a) em razão do já crônico congestionamento da pauta do Plenário, que torna muito difícil o julgamento célere de medidas cautelares pela via do rito do art. 10; b) quando constata que não há a especial urgência alegada pelo requerente da ação, mas, não podendo indeferir o pedido de medida cautelar de forma monocrática (devido à reserva absoluta de Plenário para indeferimentos), e ante a dificuldade de levar tal indeferimento ao Plenário, encontra no art. 12 a solução para fazer a instrução completa do processo e levá-lo a julgamento definitivo do mérito. Como, atualmente, a grande maioria das ações diretas de inconstitucionalidade contém pedido de medida cautelar – poder-se-ia dizer que, hoje, é muito raro o pedido inicial de tramitação pela via do rito ordinário do art. 6º e 8º –, independentemente da real necessidade da decisão liminar – mesmo porque é compreensível que o requerente tenda a crer que seu pedido sempre é urgente –, a aplicação do art. 12 tem se firmado como a solução (enviesada) para se determinar o julgamento definitivo do mérito da ação, sem a necessidade de se pronunciar liminarmente sobre o pedido de medida cautelar.

A segunda causa de ineficácia do art. 12 diz respeito, obviamente, ao descumprimento dos prazos nele estabelecidos. As informações muitas vezes não são prestadas em 10 (dez) dias e a vista dos autos à Advocacia-Geral da União e à Procuradoria-Geral da República raramente dura apenas 5 (cinco) dias. Assim, a instrução dos autos de acordo com o art. 12 comumente leva o mesmo tempo que a tramitação pelo rito ordinário. E, uma vez instruídos os autos, lançado o Relatório e incluído o processo na pauta, passa-se a enfrentar a longa fila de espera para o julgamento no Plenário.

Todos esses fatores tem ultimamente contribuído para o que se poderia denominar de “ordinarização” do procedimento do art. 12 nas ações diretas de inconstitucionalidade, um patente desvirtuamento de sua finalidade primordial. Medidas devem ser adotadas para a correção desse indesejado quadro de ineficácia da norma. Tais medidas, porém, não passam, de nenhuma maneira, pela atuação legislativa no sentido de se modificar um dispositivo que se mostra fundamental para o controle abstrato da constitucionalidade das leis no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Elas devem se concretizar na prática processual em torno do art. 12, mediante, principalmente, o efetivo cumprimento dos prazos nele estabelecidos.

Leia a íntegra do artigo.

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Artigo publicado em 26/3/2012 no Observatório da Jurisdição Constitucional.

O artigo contou com a colaboração de André Rufino do Vale.

Foto: Nelson Jr./SCO/STF.



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