Por Marcelo Semer
30.05.13

Barroso e o ativismo no STF

 

Logo após a indicação para assumir uma vaga no Supremo Tribunal Federal, o advogado Luís Roberto Barroso afirmou em uma palestra que “decisão política deve ser tomada por quem tem votos”.

A declaração foi saudada por políticos e soou como uma crítica à recente intromissão do Supremo na área legislativa.

À primeira vista, pode até parecer contraditória, dita por quem tem sido um dos principais responsáveis por pautar o ativismo no Judiciário.

Afinal, decisões como o reconhecimento da união homoafetiva e a legalidade do aborto do feto anencéfalo, por exemplo, vieram de ações movidas de sua pena.

Foram essas sentenças, aliás, que motivaram a ira da bancada religiosa, justamente onde nasceu a PEC 33, que afirma pretender coibir o ativismo.

Não há, todavia, qualquer incoerência – antes uma correção de rumo que a chegada de Barroso pode ajudar a equilibrar, seja no STF, seja no Parlamento.

O ativismo judicial se justifica para fazer cumprir direitos fundamentais que, pela omissão do Congresso ou negligência das administrações, vinham sendo solenemente ignorados. Seja pela ausência de adequação legal aos princípios da Constituição, seja pela falta de políticas públicas que viabilizem o exercício destes direitos.

A postura tradicionalmente omissa do Judiciário nesse campo, resultava, enfim, em avalizar o que na prática correspondia à desconstitucionalização de certas garantias –transformando-as em letras mortas de pura poesia, ou normas programáticas com mero valor simbólico.

A perversão do dogmatismo jurídico representou por longos anos uma redução do horizonte interpretativo e convenceu juízes a entender que tinham competência para decidir todas as causas, menos as mais relevantes (que envolviam os demais Poderes) e que cumpriam todas as leis, menos as fundamentais (a Constituição).

O ativismo judicial do qual despertou o STF, em muitos casos a reboque das instâncias inferiores, inaugurou outro momento da vida judicial no país: a compreensão de que os princípios condicionam as regras (e não são apenas empregados nas lacunas, ou seja, na falta de lei) e que omissões de regulamentação não podiam impedir ou dificultar o exercício de direitos fundamentais.

Assim, o resgate da isonomia, regra basilar da democracia, e o prestígio da dignidade humana, objetivo primeiro da República, vêm sendo empregadas para redefinir conceitos legais, e impedir que uma legislação ainda anacrônica frustre a vigência por inteiro da Constituição.

São dessa lavra, as decisões que corretamente contextualizaram a isonomia na constituição de novas famílias ou que determinaram a realização de políticas públicas para cumprir obrigações estatais emanadas do direito à educação e saúde.

Mas este percurso não é nada fácil e a sedução do poder não pode ser desprezada, principalmente pela conformação do STF que saiu extremamente fortificado na reforma do Judiciário – com a ampliação de ações diretas e o indisfarçável direito a legislar nas súmulas vinculantes.

O tribunal já esteve à beira de condicionar a autorização do uso de células-tronco embrionárias a uma comissão que nem sequer existia na lei.

No caso Battisti, advogado pelo próprio Barroso, quase abandonou sua função de controle da legalidade na extradição para se substituir ao chefe de Estado na condução da política internacional.

No âmbito eleitoral, abonando o TSE, acabou por criar regras e prazos de fidelidade partidária que não constavam nem implicitamente da Constituição, além de disciplinar número de vereadores com base numa aplicação para lá de extensiva do princípio da proporcionalidade.

Mais recentemente, o STF vetou a análise de veto presidencial no caso dos royalties do Pré-Sal, pela inversão de ordem cronológica, e sustou andamento de projeto legislativo, supostamente pela pressa que indicaria casuísmo – ainda que o controle do tempo no próprio STF esteja cercado de pouco rigor, como processos julgados com extrema agilidade convivendo com outros que aguardam anos para uma decisão final (como, por exemplo, a legitimidade da investigação criminal pelo MP).

A indicação de Barroso pode ajudar a recolocar na pauta a ideia central que norteia o ativismo: sim à garantia de direitos fundamentais sonegados pela omissão dos demais poderes; não ao ativismo regressivo, que apenas invade e substitui a soberania popular, contraindo justamente os direitos que lhe incumbia tutelar.

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Marcelo Semer é escritor e juiz de Direito em São Paulo. Foi presidente da Associação Juízes para a Democracia. Autor do romance Certas Canções (7 Letras). É editor do Blog Sem Juízo.

Artigo publicado originariamente no Blog Sem Juízo, edição 29/5/2013.

Foto: Elza Fiúza/ABr



Um comentário

  1. Christine Oliveira Peter da Silva disse:

    Prezado Dr. Marcelo Semer, venho a público elogiar sua percuciente e precisa análise sobre o ativismo judicial. O seu texto é breve, mas mostra reflexão sob o olhar de um direito constitucional genuinamente brasileiro. O Estado de Direitos Fundamentais, legado do Constituinte de 1988, exige postura compartilhada das três funções de poder no exercício da missão intransigível e indelegável de concretizar tais direitos pela e para a sociedade brasileira, que além de tudo também tem sido parceira privilegiada de tal mister. Que a complexidade de nossa realidade e o ativismo do STF provoquem o ativismo do Legislativo e do Executivo. Sem ação (ativismo) não há concretização de direitos!!!! Oxalá essa seja a novidade que LRB vai levar ao STF. Parabéns!!!! Seu texto demonstra que compartilhamos horizontes… Christine Peter