1.12.11
Audiências públicas e o ativismo judicial do STF
Título original do artigo: A realização de audiências públicas e o ativismo judicial do STF – revisando a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição
MAURÍCIO GENTIL MONTEIRO
Sumário: 1. Peter Häberle e a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição; 2. As inovações na jurisdição constitucional brasileira – abertura procedimental; 3. As audiências públicas realizada pelo Supremo Tribunal Federal; 4. As audiências públicas do STF como instrumentos de participação democrática da sociedade na interpretação da Constituição; 5. O STF como monopolizador da agenda política nacional – os riscos da proliferação de audiências públicas no contexto do ativismo judicial; 6. Conclusões.
1. Peter Häberle e a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição
Um dos métodos de interpretação constitucional desenvolvido com inspiração na tópica foi o da “constituição aberta” de Peter Häberle, exposto em sua obra Hermenêutica Constitucional – A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição.[1]
Esse método tem o mérito inegável de propiciar a abertura da interpretação constitucional, que, nos métodos clássicos, restringe-se aos intérpretes oficiais, concentrando-se na atividade dos juízes e nos procedimentos formalizados, o que Häberle denominou de “sociedade fechada”.[2] Seu intento é, portanto, o de democratizar o processo constitucional, postura hermenêutica importante, tendo em vista que as normas constitucionais são normas jurídicas de natureza essencialmente política.
Segundo Häberle,
No processo de interpretação constitucional, estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado como numerus clausus de intérpretes da Constituição. […] A interpretação constitucional é, em realidade, mais um elenco da sociedade aberta. Todas as potências públicas, participantes materiais do processo social, estão nela envolvidas, sendo ela, a um só tempo, elemento resultante da sociedade aberta e um elemento formador ou constituinte dessa sociedade. Os critérios de interpretação constitucional hão de ser tanto mais abertos quanto mais pluralista for a sociedade.[3]
Assim, não se rejeita o importante papel dos intérpretes oficiais da Constituição, juízes e tribunais em geral, mas reconhece-se a importância da participação dos cidadãos ativos, de grupos sociais, da opinião pública de uma forma geral, da mídia, dos leitores dos jornais, dos partidos políticos, igrejas, teatros editoriais, escolas, entre outros[4]. Afinal, “[…] como não são apenas os intérpretes jurídicos da Constituição que vivem a norma, não detêm eles o monopólio da interpretação da Constituição”.[5]
Häberle aponta, por exemplo, que a Corte Constitucional da Alemanha define o conteúdo das normas do artigo 4°, números 1 e 2 (“Será inviolável a liberdade de crença, de consciência e de confissão religiosa ou filosófica”, “Será garantido o livre exercício da religião”), com o auxílio da concepção que têm sobre o tema a igreja, os organismos religiosos e da opinião pública[6]. Ou ainda, segundo seu pensamento, um cidadão que interpõe um recurso constitucional (que se pode comparar, guardadas as devidas reservas, ao recurso extraordinário na ordem constitucional brasileira) é um intérprete do conteúdo da Constituição[7], dando sua forte parcela de contribuição para a hermenêutica constitucional.
Tais considerações são efetuadas tendo em vista que, para Häberle, o processo político está intimamente ligado ao processo jurídico, dele sendo inclusive forte agente, responsável mesmo por variações interpretativas e mudanças de significado dos conteúdos normatizados. Ou seja, a sociedade, ao travar os seus embates políticos, acaba por influenciar a aplicação das normas jurídicas, principalmente das normas constitucionais, renovando o Direito sem necessidade de mudança legislativa.[8]
Um dado interessante é que Häberle fundamenta a sua tese de abertura da hermenêutica constitucional para uma sociedade aberta e pluralista, ampliando o rol dos intérpretes da Constituição, no próprio texto da Constituição alemã[9], que em seu artigo 5°, inciso III, assegura a liberdade artística, científica, de pesquisa e de ensino, uma vez que a Constituição, enquanto objeto de estudo, é objeto científico, sendo livre aos cidadãos a atividade científica que tem como meta a interpretação constitucional, a interpretação do conteúdo das normas constitucionais.
Semelhante fundamentação para esse método de interpretação constitucional pode ser encontrada na Constituição do Brasil, que prevê, em seu artigo 5°, inciso IX, que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” e coloca a “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber” como princípio do ensino (Art. 206, inciso II). Logo, o próprio texto constitucional brasileiro admite o método da “constituição aberta” de interpretação constitucional.[10]
Com esse amparo do próprio texto constitucional, a teoria de Peter Häberle foi utilizada – pela doutrina brasileira e pelo legislador – como fonte de inspiração das inovações por que passou a jurisdição constitucional brasileira nos últimos anos.
2. As inovações na jurisdição constitucional brasileira – abertura procedimental
Não se pode negar que o pensamento de Peter Habërle influenciou sobremaneira boa parte das importantes novidades introduzidas no modelo brasileiro de jurisdição constitucional nos últimos anos.
Com efeito, diversas previsões inovadoras da Lei n° 9.868/99 e 9.882/99 vão na linha de abertura do procedimento de interpretação constitucional, no intuito de modificar o processo de interpretação constitucional “fechada” e adstrita aos órgãos oficiais da jurisdição: a) possibilidade de o relator das ações de controle abstrato de constitucionalidade, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, admitir a manifestação de outros órgãos ou entidades (§ 2° do art. 7° da Lei n° 9.868/99), institucionalizando-se a figura do “amicus curiae”; b) extensão dessa mesma possibilidade (admissão do “amicus curiae”) aos relatores de processos subjetivos em apreciação nos tribunais (§ 3° do Art. 482 do Código de Processo Civil, incluído pela Lei n° 9.868/99); c) possibilidade de os legitimados à propositura de ação direta de inconstitucionalidade se manifestarem, por escrito, sobre a questão constitucional objeto de apreciação pelo órgão especial ou pelo tribunal, assegurado o direito de apresentar memoriais ou de pedir a juntada de documentos, tudo isso em processos subjetivos (§ 2° do art. 482 do Código de Processo Civil, incluído pela Lei n° 9.868/99); d) possibilidade de manifestação de terceiros, nos termos do regimento interno do Supremo Tribunal Federal, nos procedimentos de edição, revisão ou cancelamento de enunciado da súmula vinculante (§ 2° do art. 3° da Lei n° 11.417/2006); e) possibilidade de o relator admitir, na análise da repercussão geral das questões constitucionais discutidas em recurso extraordinário, a manifestação de terceiros, nos termos do regimento interno do STF (§ 6° do Art. 543-A do CPC, introduzido pela Lei n° 11.418/2006); f) possibilidade de o relator das ações de controle abstrato de constitucionalidade, em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou situação de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, requisitar informações adicionais (§ 1° do art. 9° da Lei n° 9.868/99 e § 1° do art. 6° da Lei n° 9.882/99); g) possibilidade de o relator das ações de controle abstrato de constitucionalidade, em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou situação de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão (§ 1° do art. 9° da Lei n° 9.868/99 e § 1° do art. 6° da Lei n° 9.882/99); h) finalmente, a possibilidade de o relator das ações de controle abstrato de constitucionalidade, em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou situação de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria (§ 1° do art. 9° da Lei n° 9.868/99 e § 1° do art. 6° da Lei n° 9.882/99).
Essas novidades legislativas foram bem recebidas na doutrina. Cite-se o depoimento intelectual de Gilmar Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco:
O legislador afastou-se de uma leitura radical do modelo hermenêutico clássico, a qual sugere que o controle de normas há de se fazer com o simples contraste entre a norma questionada e a norma superior. Essa abordagem simplificadora tinha levado o STF a afirmar, às vezes, que fatos controvertidos ou que demandam alguma dilação probatória não poderiam ser apreciados em ação direta de inconstitucionalidade.
Essa abordagem conferia, equivocadamente, maior importância a uma pré-compreensão do instrumento processual do que à própria decisão do constituinte de lhe atribuir competência para dirimir a controvérsia constitucional.
[…]
Resta demonstrado então que até mesmo no chamado controle abstrato de normas não se procede a um simples contraste entre a disposição do direito ordinário e os preceitos constitucionais. Ao revés, também aqui fica evidente que se aprecia a relação entre lei e o problema que se lhe apresenta em face do parâmetro constitucional.
Em outros termos, a aferição dos chamados fatos legislativos constitui parte essencial do controle de constitucionalidade, de modo que a verificação desses fatos relaciona-se íntima e indissociavelmente com o exercício do controle pelo Tribunal.
Tem-se, assim, que os dispositivos legais acima citados geram um novo instituto que, se devidamente explorado pelo STF, servirá para modernizar e racionalizar o processo constitucional brasileiro.[11]
Impossível não situar tais inovações no contexto maior da mudança de paradigma teórico pela qual o direito brasileiro passou nos últimos anos, com evidente reflexo nas práticas processuais da jurisdição constitucional. A superação do paradigma positivista e a adoção do paradigma “pós-positivista” – cujo reflexo no direito constitucional é conhecido como “neoconstitucionalismo” – também servem para a melhor compreensão da introdução desses novos mecanismos de abertura procedimental. Nesse sentido Daniel Sarmento bem assinala:
[…] esta mudança de paradigma se reflete vividamente na jurisprudência do STF. São exemplos eloqüentes a alteração da posição da Corte em relação aos direitos sociais, antes tratados como “normas programáticas”, e hoje submetidos a uma intensa proteção judicial, o reconhecimento da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, a mutação do entendimento do Tribunal em relação às potencialidades do mandado de injunção e a progressiva superação da visão clássica kelseniana da jurisdição constitucional, que a equiparava ao “legislador negativo” com a admissão de técnicas decisórias mais heterodoxas, como as declarações de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade e as sentenças aditivas. E para completar o quadro, devem-se acionar as mudanças acarretadas por algumas inovações processuais recentes na nossa jurisdição constitucional, que permitiram a participação dos amici curiae, bem como a realização de audiências públicas, no âmbito do processo constitucional, ampliando a possibilidade de atuação da sociedade civil organizada no STF. (grifou-se).[12]
Todas essas inovações passaram a ser constantemente utilizadas na jurisdição constitucional pátria. A esse respeito merece registro especial a admissão, em diversas ações diretas de inconstitucionalidade, ações declaratórias de constitucionalidade e argüições de descumprimento de preceito fundamental, de órgãos ou entidades, dada a sua representatividade e a importância da matéria em discussão (a tal ponto que, atualmente, é muito difícil haver alguma ação de controle abstrato de constitucionalidade sem que haja a participação de alguns “amici curiae”).
Nesse mesmo contexto é que se inserem as audiências públicas que passaram a ser realizadas pelo STF, com amparo nas inovações legais e com suporte teórico no pensamento de Peter Häberle.
3. As audiências públicas realizadas pelo Supremo Tribunal Federal
Não obstante a possibilidade de designação de audiências públicas como mecanismos de abertura procedimental dos processos de controle abstrato de constitucionalidade remontar a novembro e dezembro de 1999 (Leis n° 9.868 e 9.882), o fato é que o Supremo Tribunal Federal somente realizou a primeira delas no ano de 2007.
Importante mencionar o contexto que levou à sua realização, a partir da propositura, pelo então Procurador-Geral da República, Cláudio Fonteles, da ação direta de inconstitucionalidade n° 3510, na qual pedia a declaração de inconstitucionalidade do art. 5° e parágrafos da Lei n° 11.105/2005, conhecida como Lei da Biossegurança Como bem explica Fabrício Medeiros:
No dia 30 de maio de 2005, o então Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Lemos Fontes, ajuizou, perante o Supremo Tribunal Federal, a ADI 3510, na qual buscava a declaração de inconstitucionalidade do art. 5° e parágrafos da Lei n° 11.105, de 24 de março de 2005 (Lei de Biossegurança).
Como explicitado pelo próprio autor da referida ação direta de inconstitucionalidade, a tese central da impugnação dirigida ao Supremo Tribunal era a de que “a vida humana acontece na, e a partir da, fecundação” (fls. 02 da petição inicial). Ademais, apoiando-se no testemunho de Damián Garcia-Olmo, Professor Titular de Cirurgia da Universidade Autônoma de Madri, o requerente noticiava que havia “avanços muito mais promissores da pesquisa científica com células-tronco adultas, do que com as embrionárias” (fls. 06 da petição inicial). Daí arrematar o acionante que os dispositivos impugnados eram atentatórios aos postulados constitucionais que asseguram a dignidade pessoa humana e a inviolabilidade do direito à vida (inciso III do art. 1° e art. 5° da CF/88).
De sua parte, em sede de informações, o Presidente da República — na condição de requerido – defendeu o ponto de vista segundo o qual a permissão para utilização de material embrionário, em vias de descarte, para fins de pesquisa e terapia, encontra fundamento em dois valores amparados constitucionalmente: o direito à saúde e o direito de livre expressão da atividade científica. Ponto de vista, esse, que, em linhas gerias, coincide com a manifestação do segundo requerido, a Mesa do Congresso Nacional.
Daqui se infere, pois, que o tema de fundo da impugnação formulada pelo Procurador-Geral da República suscitava inúmeras indagações a respeito da proteção constitucional do direito à vida. Exatamente por esse motivo, o Min. Carlos Ayres Britto atendeu a solicitação do autor da ADI 3510 e designou a realização de audiência pública para o esclarecimento das questões de fato subjacentes ao questionamento da validade constitucional do art. 5º e parágrafos da Lei nº 11.105/05 (§ 1° do art. 9° da Lei n° 9.868/99).[13]
Designada, a referida audiência pública foi realizada na data de 20 de abril de 2007. Dela participaram diversos especialistas, dentre biólogos, pesquisadores e outras autoridades cientificamente reconhecidas na matéria, indicados pelo proponente, pelos requeridos e pelos amici curiae.[14] Foi a primeira audiência pública da história do Supremo Tribunal Federal.
Uma vez realizada a primeira, logo em seguida o STF passou a realizar diversas outras audiências públicas, designadas pelos Ministros relatores de ações de controle abstrato de constitucionalidade e também pelo Presidente da Corte[15]:
a) ADPF n° 101 – Relatora Ministra Carmem Lúcia – discussão sobre importação de pneus usados pelo Brasil. A audiência foi realizada na data de 27 de junho de 2008, e foi a segunda audiência pública da história do STF;
b) ADPF n° 54 – Relator Ministro Marco Aurélio – discussão sobre antecipação terapêutica de parto de fetos portadores de anencefalia. A audiência foi realizada nas datas de 26 e 28 de agosto e 04, 16 de setembro de 2008;
c) Saúde Pública e Sistema Único de Saúde (SUS) – Presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes – discussão sobre saúde pública e o SUS. A audiência foi realizada nas datas de 27, 28 e 29 de abril e 04, 05, 06 e 07 de maio de 2009;
d) ADPF n° 186 e RE 597285 – Relator Ministro Ricardo Lewandowski – discussão sobre sistema de reserva de vagas em universidades federais por critérios raciais e para egressos de escolas públicas. A audiência foi realizada nas datas de 03 a 05 de março de 2010.
Pode-se afirmar, portanto, que o STF assimilou bem o novo instrumento legal, incorporando-o à sua prática institucional.
4. As audiências públicas do STF como instrumentos de participação democrática da sociedade na interpretação da Constituição
Os Ministros do STF que já determinaram a realização de audiências públicas o fizeram sempre levando em conta não apenas a autorização legal, mas também o fundamento axiológico, qual seja, a necessidade de que a interpretação constitucional seja aquela decorrente da maior abertura possível aos mais diversos pontos de vista e plurais opiniões existentes no seio da sociedade, de modo a melhor legitimar a decisão final a ser tomada.
No despacho em que determinou a realização da primeira audiência pública da história do STF, o Ministro Carlos Britto pontuou:
[…] a matéria veiculada nesta ação se orna de saliente importância, por suscitar numerosos questionamentos e múltiplos entendimentos a respeito da tutela do direito à vida. Tudo a justificar a realização de audiência pública, a teor do § 1º do artigo 9º da Lei nº 9.868/99. Audiência que, além de subsidiar os Ministros deste Supremo Tribunal Federal, também possibilitará u’a maior participação da sociedade civil no enfrentamento da controvérsia constitucional, o que certamente legitimará ainda mais a decisão a ser tomada pelo Plenário desta nossa colenda Corte (grifou-se).[16]
Do mesmo modo a sua entusiasmada manifestação quando do encerramento da audiência pública, oportunidade em que afirmou que a audiência “foi um exercício da democracia direta, com a possibilidade do segmento organizado contribuir para a formatação do julgamento que repercutirá na vida da população”.[17]
No despacho em que determinou a realização de audiência pública instrumental à ADPF n° 54 (em discussão a antecipação terapêutica de parto de fetos portadores de anencefalia), o Ministro Marco Aurélio também consignou:
Encontrando-se saneado o processo, devem ocorrer audiências públicas para ouvir entidades e técnicos não só quanto à matéria de fundo, mas também no tocante a conhecimentos específicos a extravasarem os limites do próprio Direito. Antes mesmo de a Procuradoria Geral da República vir a preconizar a realização, havia consignado, na decisão de 28 de setembro de 2004, a conveniência de implementá-las. Eis o trecho respectivo (folha 241): Então, tenho como oportuno ouvir, em audiência pública, não só as entidades que requereram a admissão no processo como amicus curiae, a saber: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Católicas pelo Direito de Decidir, Associação Nacional Pró-vida e Pró-família e Associação de Desenvolvimento da Família, como também as seguintes entidades: Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, Sociedade Brasileira de Genética Clínica, Sociedade Brasileira de Medicina Fetal, Conselho Federal de Medicina, Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sociais e Direitos Representativos, Escola de Gente, Igreja Universal, Instituto de Biotécnica, Direitos Humanos e Gênero bem como o hoje deputado federal José Aristodemo Pinotti, este último em razão da especialização em pediatria, ginecologia, cirurgia e obstetrícia e na qualidade de ex-Reitor da Unicamp, onde fundou e presidiu o Centro de Pesquisas Materno-Infantis de Campinas – CEMICAMP. Já agora incluo, no rol de entidades, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC. Visando à racionalização dos trabalhos, delimito o tempo de quinze minutos para cada exposição – viabilizada a juntada de memoriais – e designo as seguintes datas das audiências públicas, que serão realizadas no horário matutino, a partir das 9h […].[18]
Com esse mesmo enfoque, o Ministro Ricardo Lewandowski fundamentou a convocação de audiência pública instrumental à ADPF n° 186 e RE 597285 (em discussão os sistemas de reserva de vagas em universidades federais por critérios raciais e para egressos de escolas públicas):
O debate em questão consubstancia-se na constitucionalidade do sistema de reserva de vagas, baseado em critérios raciais, como forma de ação afirmativa de inclusão no ensino superior.
A questão constitucional apresenta relevância do ponto de vista jurídico, uma vez que a interpretação a ser firmada por esta Corte poderá autorizar, ou não, o uso de critérios raciais nos programas de admissão das universidades brasileiras.
Além disso, evidencia-se a repercussão social, porquanto a solução da controvérsia em análise poderá ensejar relevante impacto sobre políticas públicas que objetivam, por meio de ações afirmativas, a redução de desigualdades para o acesso ao ensino superior.
Ficam, assim, designados os dias de 3 a 5 de março de 2010, das 9h às 12h, para a realização da audiência pública, nas dependências do Supremo Tribunal Federal.[19]
Na mesma toada foram as declarações do então Presidente da Suprema Corte, Ministro Gilmar Mendes, por ocasião das audiências públicas por ele designadas para discussão sobre saúde pública e o SUS:
Os senhores sabem que essa é uma das questões mais sensíveis hoje afetas à decisão, não só do STF, mas de todo o Judiciário brasileiro. Saber como decidir essas questões de fornecimento de medicamentos, de determinação sobre vagas em UTI, fila de transplante. Nós temos, inclusive, na presidência do STF muitos casos que aqui chegam e que os estados ou os municípios se rebelam contra essas decisões judiciais, daí a necessidade desses subsídios. Estamos tendo uma participação ampla, das várias esferas de governo, das várias esferas da sociedade e dos segmentos técnicos para que possamos ter um juízo seguro sobre o assunto.
[…]
A audiência serve também para legitimar, para fortalecer o nosso entendimento do ponto de vista técnico, mas ela serve, antes de tudo, para fortalecer, para que nós possamos entender a complexidade desse sistema. Quando um juiz dá uma liminar num determinado caso, ele tem aquele caso, mas isso reflete depois em milhares de casos, e muitas vezes isso pode provocar alguma desorganização no sistema, de modo que nós temos que olhar isso como um todo. E veja, todos nós estamos interessados, membros do Ministério Público, membros da sociedade civil e os próprios juízes.[20]
Na doutrina, não é diferente a visão otimista dessa abertura procedimental via audiências públicas realizadas pelo STF. Fabrício Medeiros afirma que
É indiscutível que a realização, pelo Supremo Tribunal Federal, da primeira audiência pública de sua história representou mais um sinal de abertura do procedimento de interpretação constitucional, dado que, mediante a participação dos experts indicados pelo autor, pelos requeridos e pelos amici curiae, a Corte Constitucional brasileira assegurou a efetiva participação da sociedade organizada no processo de fiscalização da higidez constitucional do artigo 5º e parágrafos da Lei de Biossegurança.
[….]
O desenrolar dos trabalhos durou um dia inteiro e, ao final da sessão, percebeu-se que o objetivo da audiência foi integralmente atingido: por intermédio dos especialistas ali ouvidos, a sociedade civil organizada teve a possibilidade de influir na decisão a ser tomada pelo Supremo Tribunal Federal. Além disso, o debate público que se instaurou pôde ser assistido por aproximadamente trezentas pessoas que estiveram presentes à sessão pública. Isso sem considerar aqueles que acompanharam a as discussões travadas na audiência pública pela cobertura ao vivo da TV Justiça e da Rádio Justiça (grifou-se).[21]
Mais adiante, o mesmo autor conclui, otimista:
A realização da audiência pública para a instrução da ADI 3510 é um marco na história do controle de constitucionalidade no Brasil. É que, além de haver sido a primeira sessão pública para oitiva de especialistas da história do Supremo Tribunal Federal, ela teve a virtude de explicitar um processo evolutivo que, ainda que timidamente, já se fazia notar: a mais alta Corte do país caminha, a passos firmes e largos, para uma maior abertura do processo de interpretação constitucional.
Ao permitir que a sociedade civil organizada participasse ativamente do processo de controle abstrato de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal terminou por ampliar a base de legitimação da sua futura decisão acerca da validade constitucional do art. 5° e parágrafos da Lei de Biossegurança. Sim, porque, tendo assegurado a participação qualitativa de segmentos da sociedade civil, a decisão final a ser tomada pelo Tribunal já não poderá mais ser encarada como um ato isolado dos seus integrantes, porquanto do processo de elaboração desse ato decisório participaram os especialistas ouvidos na tantas vezes referida audiência pública.
À derradeira, impende reconhecer que a realização da audiência pública para o esclarecimento das questões de fato subjacentes à impugnação do artigo 5° e parágrafos da Lei n° 11.105/05 homenageou a democracia direta, a qual, nos dizeres do relator da ADI 3510, “significa tirar o povo da platéia e colocá-lo no palco das decisões que lhe digam respeito. O povo deixando de ser passivo espectador para ser um ativo condutor do seu próprio destino”.[22]
5. O STF como monopolizador da agenda política nacional – os riscos da proliferação de audiências públicas no contexto do ativismo judicial
Não há como negar que a realização de audiências públicas, para discussão de temas constitucionais da mais alta relevância – cujo deslinde pelo STF repercute significativamente no cotidiano da sociedade – é prática que prestigia a transparência, a publicidade, a participação democrática, a cidadania.
Mais ainda, com Peter Häberle, é reconhecer a importância da participação dos cidadãos ativos, de grupos sociais, da opinião pública de uma forma geral, da mídia, dos leitores dos jornais, dos partidos políticos, igrejas, teatros editoriais, escolas, entre outros, na interpretação constitucional. E se essa participação legitima uma atuação mais firme do STF na proteção e efetivação dos direitos fundamentais, notadamente em caso de omissão dos outros Poderes, não pode ser desconsiderada como novidade alvissareira na jurisdição constitucional brasileira.
A análise crítica, porém, se impõe, como medida de reflexão. Após a realização de cinco audiências públicas, é preciso examinar o contexto político em que se inseriram.
Isso porque, coincidência ou não, é exatamente a partir do ano de 2007 (ano em que se realizou a primeira audiência pública da história do STF) que começam a se tornar mais intensas e agudas as manifestações de ativismo judicial[23] da Suprema Corte.
Desde então, o STF tem se posicionado enfaticamente sobre temais mais diversos, muitas vezes suprindo omissões dos Poderes Legislativo e Executivo, recebendo, no mais das vezes, o aplauso da sociedade, incomodada com a inércia e com sucessivos escândalos de moralidade pública que se sucedem no palco da política. Assim, atuação firme do STF em temas tão variados como fidelidade partidária, direito de greve dos servidores públicos, proibição do nepotismo, demarcação de terras indígenas, pesquisas científicas em células-tronco embrionárias, aborto em fetos anencéfalos, uniões homoafetivas, uso de algemas em operações policiais, controle de políticas públicas, em especial de saúde e educação, dentre tantos outros, tornaram-se uma constante, integrando-se ao cotidiano social. Toda essa atuação em temas tão diversos se fez acompanhada da mudança de jurisprudência quanto aos métodos de interpretação constitucional e também quanto aos efeitos de diversas decisões processuais, como por exemplo no caso dos efeitos concretos para o mandado de injunção ou ainda da assinalação de prazo para o suprimento de omissão legislativa em ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
Um outro capítulo desse ativismo judicial da Suprema Corte é a edição, como política institucional, de súmulas vinculantes, mesmo em casos nos quais a jurisprudência sobre a matéria ainda não está inteiramente consolidada ou quando a controvérsia constitucional não é atual.[24]
Some-se a tudo isso a maior exposição midiática do STF, sobretudo a partir da própria transmissão ao vivo, pela TV Justiça, dos julgamentos ocorridos em sessão plenária, algo que também já se incorporou à vida nacional. Acompanha-se hoje em dia a atuação do STF e de seus Ministros como antes somente se acompanhava a atuação do Poder Legislativo e do Poder Executivo. Embora seja louvável a maior aproximação social e transparência do Poder Judiciário, a partir da Suprema Corte, o fato é que essa ampla exposição leva a um natural engajamento de seus Ministros em discussões e polêmicas políticas travadas pela mídia, muitas vezes em matérias que ainda serão objeto de apreciação.[25]
Sem deixar de efetuar o registro da importância de certo ativismo judicial na concretização de direitos fundamentais, Daniel Sarmento critica o ativismo judicial excessivo:
[…] uma ênfase excessiva no espaço judicial pode levar ao esquecimento de outras arenas importantes para a concretização da Constituição e realização de direitos, gerando um resfriamento da mobilização cívica do cidadão. É verdade que o ativismo judicial pode, em certos contextos, atuar em sinergia com a mobilização social na esfera pública. Isto ocorreu, por exemplo, no movimento dos direitos civis nos Estados Unidos dos anos 50 e 60, que foi aquecido pelas respostas positivas obtidas na Suprema Corte, no período da Corte de Warren. Mas nem sempre é assim. A ênfase judicialista pode afastar do cenário de disputa por direitos as pessoas e movimentos que não pertençam nem tenham proximidade com as corporações jurídicas.
Ademais, esta obsessão com a interpretação judicial da Constituição tende a obscurecer o papel central de outras instâncias na definição do sentido da Constituição – como o Legislativo, o Executivo, e a própria esfera pública informal.[26]
Mais adiante, o mesmo autor revela a sua visão de que, em muitos campos, a postura de autocontenção judicial seria mais recomendável:
[…] em outros campos, pode ser mais recomendável uma postura de autocontenção judicial, seja por respeito às deliberações majoritárias adotadas no espaço político, seja pelo reconhecimento da falta de expertise do Judiciário para tomar decisões que promovam eficientemente os valores constitucionais em jogo, em áreas que demandem profundos conhecimentos técnicos fora do direito – como Economia, políticas públicas e regulação. Nestes casos, deve-se reconhecer que outros órgãos do Estado estão mais habilitados para assumir uma posição de protagonismo na implementação da vontade constitucional.[27]
Encontrar o ponto de equilíbrio deve ser a meta a alcançar, tarefa tão difícil quanto necessária, como bem aponta Luís Roberto Barroso:
O papel do Judiciário e, especialmente, das cortes constitucionais e supremos tribunais deve ser resguardar o processo democrático e promover os valores constitucionais, superando o déficit de legitimidade dos demais Poderes, quando seja o caso; sem, contudo, desqualificar sua própria atuação, exercendo preferências políticas de modo voluntarista em lugar de realizar os princípios constitucionais. Além disso, em países de tradição democrática menos enraizada, cabe ao tribunal constitucional funcionar como garantidor da estabilidade institucional, arbitrando conflitos entre Poderes ou entre estes e a sociedade civil. Estes os seus grandes papéis: resguardar os valores fundamentais e os procedimentos democráticos, assim como assegurar a estabilidade institucional.
No Brasil, só mais recentemente se começam a produzir estudos acerca do ponto de equilíbrio entre supremacia da Constituição, interpretação constitucional pelo Judiciário e processo político majoritário. O texto prolixo da Constituição, a disfuncionalidade do Judiciário e a crise de legitimidade que envolve o Executivo e o Legislativo tornam a tarefa complexa. (grifou-se).[28]
É nesse novo contexto de ativismo judicial tão recente quanto intenso que as audiências públicas devem ser melhor estudadas. Isso porque, pode-se afirmar a essa altura, a sua institucionalização e prática incorporada ao cotidiano do STF convertem-nas, voluntária ou involuntariamente, em mais um instrumento do protagonismo político da Suprema Corte.
A interpretação constitucional é, também, uma interpretação política, dada a natureza essencialmente política das normas constitucionais. Por isso mesmo, os temas examinados pelo STF são temas de marcada conotação política. Quando o STF realiza uma audiência pública, concentra todas as atenções da sociedade na discussão política do tema objeto de sua realização.
Diferentes atores sociais passam a investir na sua participação na audiência pública como instância de manifestação dos seus pontos de vista, de suas opiniões. O STF se torna, para aquele tema em discussão, um palco de mobilizações antagônicas e plurais, depositário das expectativas mais diversas e legítimas.
Esse grau de movimentação política que a realização de audiências públicas pelo STF proporciona é tão agudo que até mesmo parlamentares – membros do Poder no qual audiências públicas, com outra finalidade, são mais tradicionais e adequadas – são motivados a solicitar, ainda que informalmente, que o STF convoque audiências públicas, tal como ocorreu no caso da discussão sobre importação de pneus usados (STF, 2008).
Ocorre que o STF, como o Poder Judiciário de um modo geral, não é a arena mais apropriada para a concentração do debate político nacional.
Com efeito, o risco que decorre da adoção de audiências públicas como prática institucionalizada e generalizada é o mesmo risco do ativismo judicial como um todo: o de tornar a Suprema Corte a depositária de todas as esperanças e anseios da sociedade.[29] Já que os demais poderes, em especial o Legislativo, vêm falhando seriamente no atendimento das demandas coletivas, que o Poder Judiciário e em especial o STF assuma esse papel, em nome do implemento de boa vontade das determinações constitucionais. Desse modo, os grandes temas nacionais, que deveriam necessariamente passar por amplo debate democrático em toda a sociedade e nos locais mais adequados para o exercício da representação política dessa mesma sociedade (Poder Legislativo e Poder Executivo), passam a ser objeto de monopolização pelo Poder Judiciário (leia-se STF).[30]
Desnecessário lembrar que quando os atores sociais se mobilizam para participar do debate público e exercer pressões legítimas sobre o Congresso Nacional, o resultado é a sensibilização política para a concretização de uma vontade que pode ser materializada em lei, aprovada pelos representantes do povo eleitos diretamente. No caso da mobilização dos atores sociais para levar a sua interpretação sobre os temas constitucionais ao Poder Judiciário e em especial ao STF, tal mobilização não necessariamente traduzirá resultado que espelhe uma vontade política majoritária da sociedade, pois a decisão, aqui, é jurídica, não devendo refletir obrigatoriamente a vontade popular majoritária.
Noutras palavras, a legitimação que decorre da sociedade aberta dos intérpretes da constituição é uma legitimação procedimental e não material.
Ao adotar como política institucional a realização de audiências públicas, nesse contexto de intenso ativismo judicial, o STF não está a usurpar o espaço de atuação constitucional e institucional dos demais poderes? É no Poder Legislativo e no Poder Executivo que a sociedade se encontra democraticamente representada, eis que seus membros são eleitos pelo povo. Ninguém elege, porém, os Ministros da Suprema Corte. Tem o STF legitimidade para pautar todo o debate político nacional?
É a pergunta que se impõe, como medida de reflexão. O risco da utilização (ainda que involuntária) excessiva das audiências públicas como mais um capítulo do protagonismo político do STF deve ser melhor examinado pela doutrina e pelos próprios Ministros da Suprema Corte.
6. Conclusões
A introdução da audiência pública como mais um dos mecanismos da abertura procedimental na jurisdição constitucional brasileira é novidade que merece aplausos, tendo em vista proporcionar a abertura da interpretação constitucional a todos os atores sociais que podem ser atingidos pela decisão final a ser proferida.
Nesse diapasão, é louvável que a legislação brasileira (Lei n° 9.868/99, Lei n° 9.882/99, Regimento Interno do STF) tenha, com amparo na justificação teórica da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição (Peter Häberle), incorporado esse novo mecanismo com instrumento da interpretação constitucional oficial.
Trata-se de assegurar a maior legitimação democrática possível às decisões constitucionais da Suprema Corte.
Contudo, realizadas cinco audiências públicas, é chegada a hora de revisar o seu significado a partir do contexto social e político em que se inseriram.
Em momento de ativismo judicial tão recente quanto intenso, por meio do qual o Supremo Tribunal Federal tem exercido um protagonismo político exagerado e comprometedor do equilíbrio democrático, a realização de audiências públicas pode significar mais um capítulo desse fenômeno.
O risco da utilização (ainda que involuntária) excessiva das audiências públicas como mais um capítulo do protagonismo político do STF deve ser melhor examinado pela doutrina e pelos próprios Ministros da Suprema Corte, sob pena de comprometer as louváveis virtudes que o novo mecanismo processual comporta.
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MAURÍCIO GENTIL MONTEIRO é mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará, professor de Direito Constitucional nos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Tiradentes (SE) e advogado militante em Direito Público.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009.
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
BRASIL. Lei n° 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9868.htm>. Acesso em 14/06/2010.
BRASIL. Lei n° 9.882, de 03 de dezembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1° do Art. 102 da Constituição Federal. 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9882.htm. Acesso em 14/06/2010.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em 14/06/2010.
HABËRLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição (Tradução de Gilmar Ferreira Mendes). Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1997.
MEDEIROS, Fabrício Juliano Mendes. O Supremo Tribunal Federal e a primeira audiência pública de sua história. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_84/Artigos/PDF/FabricioJuliano_rev84.pdf. Acesso em 14/06/2010.
MONTEIRO, Maurício Gentil. O direito de resistência na ordem jurídica constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
SARMENTO, Daniel. “O neoconstitucionalismo no Brasil”, in Direitos Fundamentais e Estado Constitucional – estudos em homenagem a J.J. Gomes Canotilho (organizado por George Salomão Leite e Ingo Wolfgang Sarlet). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
NOTAS:
[1] HABËRLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição (Tradução de Gilmar Ferreira Mendes). Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1997
[2] Op. cit., p. 12.
[3] Op. cit., p. 13.
[4] HABËRLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição (Tradução de Gilmar Ferreira Mendes). Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1997, p. 22-23.
[5] Idem, ibidem, p. 15.
[6] Idem, Ibidem, p. 15.
[7] Idem, ibidem, p. 23.
[8] Idem, ibidem, p. 27.
[9] Idem, ibidem, p. 35.
[10] MONTEIRO, Maurício Gentil. O direito de resistência na ordem jurídica constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 172.
[11] BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 1126-1127.
[12] SARMENTO, Daniel. “O neoconstitucionalismo no Brasil”, in Direitos Fundamentais e Estado Constitucional – estudos em homenagem a J.J. Gomes Canotilho (organizado por George Salomão Leite e Ingo Wolfgang Sarlet). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 30.
[13] MEDEIROS, Fabrício Juliano Mendes. O Supremo Tribunal Federal e a primeira audiência pública de sua história. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_84/Artigos/PDF/FabricioJuliano_rev84.pdf. Acesso em 14/06/2010, p. 41-42.
[14] MEDEIROS, Fabrício Juliano Mendes, op. cit., p. 44.
[15] O Regimento Interno do STF foi alterado para incluir, dentre as atribuições do seu Presidente, a de “convocar audiência pública para ouvir o depoimento de pessoas com experiência e autoridade em determinada matéria, sempre que entender necessário o esclarecimento de questões ou circunstâncias de fato, com repercussão geral e de interesse público relevante, debatidas no âmbito do Tribunal” (art. 13, inciso XVII, atualizado com a emenda regimental n° 29/2009).
[16] Apud MEDEIROS, Fabrício Juliano Mendes, op. cit., p. 42.
[17] Supremo Tribunal Federal. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=69705&caixaBusca=N, acesso em 14/06/2010.
[18] Supremo Tribunal Federal. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2226954, acesso em 14/06/2010.
[19] Supremo Tribunal Federal. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2226954, acesso em 14/06/2010.
[20] Supremo Tribunal Federal. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=106881&caixaBusca=N, acesso em 14/06/2010.
[21] Op. cit., p. 46.
[22] Op. cit, p. 47.
[23] “A idéia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas” (BARROSO, 2009, p. 284).
[24] O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Habeas Corpus nº 91.952 (Relator Ministro Marco Aurélio), decidiu que o uso de algemas em cidadão durante todo o seu julgamento pelo Tribunal do Júri traduziu abuso de poder e ilegalidade (julgamento efetuado na sessão de 07/08/2008). Isso com base na compreensão de que a utilização de algemas deve ser efetuada apenas em caráter excepcional. No caso, não teria havido fundamentação aceitável para a utilização de algemas, e que tal circunstância, perante os jurados, gerou influência negativa, na medida em que tiveram a suposição de que se tratava de uma pessoa perigosa e, portanto, provavelmente culpada, antes mesmo de apreciar as provas e os argumentos de defesa.
Naquela mesma sessão, também se decidiu que era o caso de ser aprovado o enunciado de mais uma súmula de efeito vinculante, ficando o Ministro Marco Aurélio encarregado de elaborar uma proposta de redação.
Na sessão de 13/08/2008, o STF aprovou o enunciado da Súmula Vinculante mencionada, com a seguinte redação: “SÚMULA VINCULANTE N° 11 – Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.”.
A autorização constitucional para o STF editar súmula com efeito vinculante está, porém, submetida a certos pressupostos. Um deles: a edição da súmula vinculante pode ser feita “após reiteradas decisões sobre matéria constitucional”. Ora, não houve reiteradas decisões do STF sobre a controvérsia constitucional que envolve o uso de algemas. Houve uma decisão, e mesmo assim adstrita ao uso de algemas por réu em Tribunal do Júri. No caso do HC n° 91.952, não esteve em julgamento a utilização de algemas quando da realização de prisões (seja em flagrante delito, seja por ordem judicial), ainda que os Ministros tenham debatido a causa também sob essa ótica.
É bem verdade que houve, no julgamento, menção a um precedente da própria Suprema Corte. Contudo, esse precedente apontado era da Relatoria do Ministro Francisco Rezek. Ora, o Ministro Francisco Rezek deixou a Corte em 1997. O precedente citado é muito antigo, e a Constituição exige que a controvérsia autorizadora da edição de Súmula Vinculante seja atual (Art. 103-A, § 1°).
Mais ainda: a “controvérsia atual” autorizadora da edição de súmula vinculante deve ocorrer entre órgãos judiciários ou entre esses e a Administração Pública. Não foi o que ocorreu, no caso. Não houve controvérsias envolvendo julgamentos com entendimentos diversos por órgãos judiciários, nem tampouco envolvendo atos concretos da Administração Pública. A controvérsia sobre o uso de algemas envolveu debate público, com participação legítima nesse debate do Presidente do STF, do Ministro da Justiça, além de diversas entidades (por exemplo, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Associações de Delegados, Associações de Magistrados, Associações de Membros do Ministério Público) e autoridades (por exemplo, o Procurador-Geral da República), em decorrência de recentes (à época do julgamento do HC nº 91.952) prisões efetuadas por ordem judicial, com utilização de algemas, em imagens exibidas pela televisão em rede nacional.
[25] Registre-se algumas dessas intervenções polêmicas do então Presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes, no debate público: a) opinião contundente contra o que seria a ilegalidade contumaz de práticas do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) e, em conseqüência, a ilegalidade de repasse de recursos públicos a essa entidade; o Presidente da República disse que o Presidente do STF teria falado enquanto cidadão, no que foi imediatamente rebatido pelo Ministro Gilmar Mendes, que disse ter falado enquanto Presidente de um Poder, “Chefe do Poder Judiciário”; b) manifestação rotunda no sentido de que a concessão de refúgio ao italiano Cesare Battisti pelo Ministro da Justiça, Tarso Genro, poderia ser questionada e até mesmo revista pelo STF; c) prévia condenação pública da Agência Brasileira de Inteligência (ABI) – órgão vinculado ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República – pela realização de gravação clandestina de conversa telefônica sua mantida com Senador da República; d) reiteradas e sucessivas críticas públicas ao comportamento de magistrados de primeira instância, em especial do Juiz Federal atuante no inquérito policial resultado da “Operação Satiagraha”, assim como ao Delegado inicialmente atuante no caso.
[26] SARMENTO, Daniel. “O neoconstitucionalismo no Brasil”, in Direitos Fundamentais e Estado Constitucional – estudos em homenagem a J.J. Gomes Canotilho (organizado por George Salomão Leite e Ingo Wolfgang Sarlet). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 36.
[27] Idem, ibidem, p. 38-39.
[28] BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 390-391.
[29] Expectativas que, muitas vezes, não poderão ser atendidas de forma satisfatória (SARMENTO, Daniel. “O neoconstitucionalismo no Brasil”, in Direitos Fundamentais e Estado Constitucional – estudos em homenagem a J.J. Gomes Canotilho (organizado por George Salomão Leite e Ingo Wolfgang Sarlet). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.).
[30] Como bem aponta Daniel Sarmento, “um dos efeitos colaterais desse fenômeno é a disseminação de um discurso, que reputo muito perigoso, de que voto e política não são importantes, pois relevante mesmo é a interpretação dos princípios constitucionais realizada pelo STF. Daí a dizer que o povo não sabe votar é um pulo, e a ditadura de toga pode não ser muito melhor do que a ditadura de farda …” (op. cit., p. 40). Esse ativismo judicial aparece tão perigoso quando se percebe a apatia com que se desenrolou a campanha eleitoral para os cargos eletivos municipais em todo o país no ano de 2008. Algo como se o eleitor tivesse a percepção de que seu voto não vale muito, afinal, os grandes assuntos de relevância social estarão agendados, definidos e decididos mesmo em outras esferas de poder, cujos membros não se submetem a processo de escolha popular. E esse é um caminho muito perigoso para a democracia brasileira, que ainda busca consolidação após vinte anos do apogeu da redemocratização.