19.03.10
A inserção dos direitos fundamentais no currículo estudantil
SERGIO CRISPIM
Atravessamos momento histórico no qual vale quase tudo para esquecer as escadarias e pegar o elevador até o andar que se vende como sendo o sucesso. Nestes tempos, é propícia a reflexão acerca da inclusão no ensino fundamental de elementos que venham a formar consciências mais críticas e sadias e com melhores condições para saber situar a importância de cada um na sociedade. O que proponho é a inserção gradativa dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição de 1988 como matéria obrigatória no currículo estudantil.
Não se trata apenas de ensinar quais são esses direitos, mas principalmente de buscar métodos que sejam capazes de criar nas nossas crianças e adolescentes o que é necessário para um mundo mais harmônico e melhor, mais próximo da equidade. Tenho a mais absoluta convicção de que a inserção da matéria na grade curricular do ensino fundamental será ferramenta de engrandecimento intelectual do povo brasileiro, principalmente das gerações de líderes que estamos formando hoje. Afinal de contas, a medida do que é sucesso não deve ser adquirida em embalagem “pronta para viagem”, mas deve ser desenvolvida de forma consciente por cada cidadão em proveito coletivo.
É necessária a formação da ideia de que o verdadeiro sucesso está no ganho social de conscientização das necessidades que o Estado deve atender. Sob fortes princípios de desenvolvimento social, o Estado foi criado para o bem estar do ser humano, e não o contrário. Desse modo, passadas épocas mais obscuras, nas quais as prioridades da atividade estatal se voltavam para os detentores do poder, a disseminação dos direitos fundamentais pode virar a página da história brasileira e de outros países para o entendimento pleno de que temos todos de ser atendidos na máxima plenitude de nossas necessidades.
O debate aqui proposto não é nenhuma novidade. O Ministério Educação em parceria com a Secretaria Especial de Direitos Humanos inaugurou recentemente o Programa Ética e Cidadania – Construindo Valores na Escola e na Sociedade, pelo qual se busca disseminar valores entre os jovens estudantes, “como o afeto, o respeito, a preservação do bem público”, nas palavras do Ministro Tarso Genro. Mas não é o bastante, é preciso inserir a história da luta pelos direitos fundamentais, o conhecimento desses direitos em si e, sobretudo, buscar a criação de uma consciência sobre direitos e respectivas obrigações e responsabilidades sociais para proporcionar às gerações vindouras o saborear daquilo que deve ser inerente à vida em busca da melhoria de nossas lideranças e da coletividade.
É comum ouvir nas ruas que o direito e a medicina deveriam fazer parte da grade curricular básica da rede de ensino. Por que não começar pelos fundamentos, pelos direitos que trazem dignidade ao ser humano justamente porque foram fruto de lutas históricas em busca de melhores condições de vida para todos os que habitam este planeta?
No exemplo brasileiro, é possível enxergar na Constituição de 1988 uma variedade de dispositivos que são fruto da experiência do ser humano em algum contexto histórico vivido por outros países, mas também ali encontramos peculiaridades que foram vivenciadas por nós brasileiros. Em um caso ou outro, o que realmente interessa é levar às nossas crianças o máximo da intensidade dessa experiência humana condensada em ditames que atualmente são considerados fundamentais pela nossa sociedade.
É possível considerar fundamentais, por exemplo, os comezinhos princípios de defesa ao contribuinte, insculpidos no artigo 150 da Constituição, de defesa do consumidor no mesmo contexto de proteção à livre concorrência, meio ambiente e a busca do pleno emprego, assim como o porquê da necessidade de se instaurar programas de redução das desigualdades sociais e regionais, na forma determinada pelo artigo 170 da nossa Carta. Isso para não mencionar as razões da importância de uma política urbana de distribuição de imóveis e desenvolvimento social que permita a todos melhores condições de vida. A política rural, a defesa do meio ambiente e os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que, após a Emenda Constitucional nº 45, de 8.12.2004, passaram a valer tanto quanto nossa Constituição, além de tantos outros pontos que interessam ao dia a dia das pessoas para que elas possam inclusive entender que uma condenação penal precisa realmente passar pela maturação das provas para que não vivamos no futuro o estado policialesco de hoje, em que graves afrontas ao devido processo legal e ao direito de defesa são diariamente perpetradas em nome da pirotecnia que vende notícias, o que pode, inclusive, levar a novas formas e modalidades de investigação que tornem mais simples, segura e eficaz a condenação daqueles que realmente devam ser reabilitados.
No artigo 6º da Constituição da República estão descritos os direitos sociais, dentre eles a educação, ferramenta indispensável para nutrir as cabecinhas de nossos filhos e netos, enfim, das gerações vindouras não apenas com o que se ensina rotineiramente nas escolas. É preciso formar cidadãos que pensam e agem, dar a eles boas armas para combater a iniquidade e os erros que impedem a concretização da elevação dos seres humanos à condição que merecem. Que faça com que sejam cientes da importância de seus atos e que sua vinda ao mundo é importante e que, por isso, se deve respeitar e ser respeitado socialmente não como alguém que venceu na vida a qualquer custo, mas como um ser vivo que é fruto de conquistas e derramamentos de sangue ao longo de toda a história da existência da humanidade e que justamente por nascer nos dias de hoje é que é possível viver de forma mais digna do que os antepassados viveram, mas que, nem por isso, se arrefece a luta diária para a construção de um estado que volte mais os olhos para que a existência na Terra passe a ser menos dolorosa e mais prazerosa para uma maioria cada vez maior de seres vivos.
O Congresso Nacional não tem evoluído muito nas questões educacionais. Fala-se muito dos professores sem reconhecimento, mas se notam poucas propostas legislativas que insiram no currículo escolar disciplinas que ensinem desde os primeiros anos noções básicas de cidadania. O custo disso não deve ser pequeno, mas não ensinar o brasileiro a pensar que sua existência é fruto de uma gigantesca onda de histórias e lutas que desaguaram na compilação dos direitos hoje garantidos na Constituição, que cada cidadão tem o direito de exigir daqueles a quem deposita a confiança do voto a implementação de cada palavra escrita no texto constitucional, tem um preço muito maior e que gera um ciclo vicioso de interesseiros de plantão dominando outros, o que, convenhamos, não tem sido nada producente.
A inserção da discussão pode vir a ser medida importante para mudança de rumos que todos precisamos, inclusive porque os meios de comunicação transmitem a sensação de que o mundo está a navegar em um limbo sem rumos, em busca da riqueza cada vez maior, enquanto o valor maior está no elemento sócio-cultural de modo a produzir mentes que busquem a solução para problemas que atualmente se agigantam e desesperam milhões de pessoas. Não deixemos o anseio por dias melhores se transformar mais e mais em ansiedade improdutiva, mas busquemos melhorar o mundo em que vivemos e nossos filhos viverão com a utilização do ferramental que a experiência humana conseguiu produzir em seu próprio benefício.
Sinceramente, para haver estudo dos Direitos Humanos seria de extrema necessidade o estudo prévio de sociologia e noçoes básicas de Direito Constitucional, pois de nada irá adiantar inserir tal matérias sem um certo preparo. É como jogar carne a Leões bebês.
Sérgio Crispim, concordo plenamente com você. Devemos ressaltar os princípios para que, em princípio, tenhamos uma base mínima do porquê da criação do Estado e saibamos acioná-lo com maior propriedade.
Boa proposta, mas para inserção no ensino médio.
Concordo com a ótima proposta mas que seja iniciada no ensino médio junto com sociologia e filosofia.
A proposta é interessante, mas a meu ver, inaplicável, pois ainda insistimos que a escola é a responsável pela formação moral e cívica de nossas crianças, quando isso na verdade é de total responsabilidade da família.
Excelente preocupação Sérgio. E ouso a discordar dos colegas pois acredito que é plenamente possível a inserção desses conhecimentos já no ensino fundamental. Os educadores certamente encontrarão uma linguagem apropriada que alcance as crianças. E ainda acrescento uma outra sugestão, que já está sendo praticada em algumas escolas do Brasil e do mundo, que é a da inserção da educação fiscal desde a infância. Um país que deseja um desenvolvimento qualitativo não pode esmorecer diante desses desafios. Parabéns Sérgio!
Concordo plenamente com você Sérgio, na minha opnião o que mais faz desse país um mar de corrupção e fraudes é a falta de conhecimento dos próprios direitos; e creio sim, que a materia pode já ser inserida na grade curricular desde o ensino fundamental, pois apresentará os direitos fundamentais de cada brasileiro no momento em que a criança está começando a formar sua ideologia, e se tivermos apenas mentes futuras que lutam mais por justiça, certamente melhoraremos a situação do nosso país.
A diferença entre inserir a matéria dos direitos fundamentais no Ensino Fundamental e no Ensino médio é meramente inerente à metodologia pedagógica.
Parabéns pelo texto.
Ludmila.