14.05.16
O Supremo e as maiorias de ocasião
Por Oscar Vilhena Vieira
Há uma percepção generalizada de que o Supremo Tribunal Federal passou a ocupar uma posição de vanguarda na proteção dos direitos fundamentais na última década. Essa percepção decorre do fato de que o tribunal declarou constitucionais questões controvertidas como ação afirmativa, pesquisas com células-tronco, o controle de armas, além de ter se demonstrado simpático a diversas políticas distributivistas relacionadas à saúde e educação.
O fato, porém, é que na grande maioria desses casos o papel do Supremo foi o de ratificar constitucionalmente políticas majoritárias, gestadas pelo Executivo e aprovadas pelo Legislativo. Esses casos apenas chegaram ao tribunal porque minorias inconformadas com suas derrotas no campo político buscaram revertê-las na Justiça.
Há que se reconhecer também as situações em que o Supremo supriu a omissão do legislador, como no caso da regulamentação do direito de greve dos funcionários públicos ou no caso da união homoafetiva, em que reconheceu direitos de uma minoria insular e discriminada, que não teve suas pretensões acolhidas por um Congresso e um Executivo pouco dispostos a se contrapor às suas bases eleitorais.
Com a consolidação do poder de bancadas no Congresso que representam sobretudo o atraso, e, agora, a assunção ao Executivo de um gabinete claramente conservador, há fortes indícios de que os avanços conquistados ao longo das duas últimas décadas podem ser colocados em risco. Recentemente a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou um projeto de emenda constitucional, de relatoria do então senador Blairo Maggi (agora ministro), que simplesmente substitui a necessidade de licenciamento ambiental por um mero estudo de impacto ambiental. Também com o objetivo de atender aos interesses da bancada ruralista, encontram-se na pauta do Congresso projetos voltados a paralisar as demarcações das terras indígenas e a responsabilização dos que mantêm pessoas em condições análogas à escravidão.
No campo moral, em atendimento aos interesses da bancada de orientação religiosa, ganham força as discussões sobre o Estatuto da Família, que essencialmente busca reverter a decisão do Supremo que reconheceu a união homoafetiva, e o Estatuto do Nascituro, que tem por objetivo restringir ainda mais as hipóteses de aborto legal, hoje previstas no Código Penal. A mesma bancada apresentou uma emenda que, se aprovada, conferirá legitimidade às entidades religiosas para propor ações diretas de constitucionalidade perante o STF.
Por fim, a bancada da bala já se encontra engatilhada para fazer avançar a erosão do Estatuto do Desarmamento e mesmo o Estatuto da Criança e do Adolescente, em especial no que se refere à redução da idade penal. Isso sem falar num sem número de medidas que terão um forte impacto sobre o crescimento da população carcerária.
Nesse contexto de claro retrocesso da agenda emancipatória estabelecida pela Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal será certamente convocado para ocupar um novo papel na arena político-institucional brasileira: o de instância contramajoritária.
Ou seja, de uma instituição voltada a proteger os direitos fundamentais do ímpeto de maiorias de ocasião de fraudar nosso pacto constitucional.
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Oscar Vilhena Vieira formou-se em Direito pela PUC-SP, é doutor pela USP e pós-doutor pela Universidade de Oxford.
Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo, edição 14.05.2016.
Foto: A C Moraes/Flickr.
O texto do professor Oscar Vilhena Vieira é o que, nos dias atuais, considera-se “politicamente correto”, razão por que para lhe fazer qualquer reparo todo o cuidado é pouco e todo o descuido pode ser fatal. Assim, creio que, sem desmerecê-lo, seriam cabíveis as seguintes observações, recolhidas nalguns doutrinadores.
1.Para se exaltar o juiz não é preciso desqualificar o legislador, até porque, sem a atuação conformadora e atualizadora dos representantes do povo, escolhidos em eleições periódicas, os textos constitucionais correm o risco de, permanecendo estáticos e fora de sintonia com a vida social, virem a ser ultrapassados pela “realidade constitucional”.
2.Não existindo qualquer comprovação empírica de que o juiz seja melhor do que o legislador, e tampouco a sentença seja mais justa do que a lei, o que a exaltação do Estado judicial de direito propicia é, apenas, a substituição da ética social, visível no texto constitucional, pela moral do julgador, recolhida no âmago da sua consciência ou, no máximo, em uma insondável ou esotérica vontade geral.