5.02.14
Segurança jurídica na chapa
Na sessão de 4.2.2014, o TSE rompeu o pressuposto (quase) inabalável da indivisibilidade de chapa, com fundamento na segurança jurídica e na boa-fé (art. 91 do CE e art. 77 da CR/88).
No caso, embora o registro de candidatura do prefeito tenha sido deferido, o registro do vice-prefeito foi negado, após a realização das eleições. O indeferimento decorreu da inelegibilidade prevista no art. 1, I, alínea “g” da LC 64/90, haja vista a rejeição das contas do vice, em razão do pagamento a maior de subsídios aos vereadores, incluindo ele próprio, em percentuais superiores aos previstos no artigo 29 da CR/88. Com fundamento na indivisibilidade da chapa, o juiz eleitoral acabou anulando o diploma já expedido ao prefeito eleito. Tal decisão, porém, foi combatida por mandado de segurança cuja ordem foi denegada pelo TRE/RJ. Os impetrantes sustentaram que, no momento da eleição, o prefeito esperava que o registro do vice fosse mantido, pois, a jurisprudência seria pacífica em seu favor. Após a realização das eleições, teria havido mudança abrupta da jurisprudência, frustrando suas legítimas expectativas. Os argumentos foram analisados pelo TSE, no julgamento do RMS 504-52, Rel. Min. João Otávio Noronha.
Ao longo dos debates que levaram ao provimento do recurso, os Ministros se esforçaram em afirmar que, apesar do resultado favorável ao recorrente, não haveria alteração da jurisprudência da Corte. Ponderaram que estariam, apenas, considerando as peculiaridades do caso concreto, qual seja: a boa-fé do então candidato a prefeito que, confiante na jurisprudência supostamente consolidada no TSE, teria alimentado a legítima expectativa de ver deferido o registro do seu vice.
Ao contrário do que afirmando no julgamento, todavia, vejo uma mudança significativa na jurisprudência: ainda que mantida a regra geral de que a chapa seria indivisível, passou-se a admitir sua flexibilização pela segurança jurídica. Significa dizer que, mesmo indeferido o registro do vice, o prefeito faria jus (ou manteria) seu diploma – isto é, o prefeito tomaria posse e exerceria o mandato sem o vice.
Fazer ceder a rigidez de uma regra posta e a inércia da jurisprudência sedimentada, com fundamento no princípio da segurança jurídica, não é mudança pouca.
É verdade que a Corte (inclusive o STF) tem admitido a incidência desse princípio mesmo em ações eleitorais, em casos de “virada jurisprudencial”, invocando o art. 16, CR/88. Mas é também verdade que a aplicação de tal princípio, assim como da boa-fé, não é tarefa das mais simples.
Embora tenha havido uma movimentação do TSE para se discutir a própria condição da chapa, acredito que valha a pena testar os requisitos da tese que vingou. De fato, apenas o pressuposto genérico de que a segurança jurídica deveria resguardar as expectativas legítimas daqueles que integram uma determinada chapa diz pouco ou quase nada. Parece-me, assim, ser necessário dar resposta a cinco questões que, efetivamente, permitiriam a aplicação do direito às peculiaridades dos casos concretos:
i) qual a uniformidade exigida para se afirmar que houve “alteração jurisprudencial” com consequente quebra de expectativa?
ii) no momento em que a “alteração jurisprudencial” ocorreu, a substituição da candidatura do vice-prefeito não era mais possível?
iii) a expectativa legítima deve proteger o vice-prefeito, o prefeito ou a chapa?
iv) a proteção deve assegurar a manutenção do registro do vice, do registro prefeito ou da chapa?
v) essa aferição deve ser feita no registro de cada qual, no de ambos ou no ato de expedição do diploma?
Devo dizer que o estudo da segurança jurídica e de seus instrumentos de concretização tomou parte significativa dos meus últimos anos. Mas, lamento frustrar as expectativas do leitor ao dizer que não responderei a essas questões – pelo menos nesse post. Por hora, sirvo-me de um postulado que me persegue: muitas vezes, formular as perguntas é tão importante quanto dar as respostas.
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Marilda de Paula Silveira é doutora em Direito e professora dos cursos de Pós-Graduação em Direito Administrativo e Direito Eleitoral do Instituto Brasiliense de Direito Público. É editora do blog Os Eleitoralistas.
Artigo publicado originalmente no blog Os Eleitoralistas, edição 5/2/2014.
Foto: Caucas’.
Leia mais: TSE decide que prefeito de Santa Maria Madalena (RJ) deve voltar ao cargo.
MUITO INTERESSANTE…
Dra Marilda; Inicialmente devo ressaltar a excelente redação que torna o texto leve e compreensível, bem como a importância do tema tratado. Trata-se de indagações postas que acabam me perturbando a ponto de não me sentir tão confiante nos mandamentos positivados, vez que a hipernormatividade de certos princípios torna tudo e todos sujeitos ao “caso concreto”. Não estou aqui negando a importância da principiologia, mas sim perquirindo se tudo pode em nome dos princípios (de todos e não somente da segurança). Parabéns pelo texto.