4.03.13
O paradoxo da liberdade de informação
Um quarto de século é tempo mais do que suficiente para que os princípios constitucionais tenham, em definitivo, passado a integrar o cotidiano e o consciente das pessoas. Trata-se de um quadro bom e de um caminho sem volta. Basta ver que qualquer cidadão, hoje em dia, é plenamente capaz de opinar sobre direitos e garantias fundamentais com a mesma desenvoltura com que comenta, em uma roda de amigos, uma partida de futebol.
Todos possuem, a esta altura do amadurecimento democrático, uma ideia bastante clara sobre o direito à vida, à liberdade, à igualdade e à inviolabilidade de sua intimidade, honra, vida privada e imagem, o que se menciona em caráter não exaustivo. E se tal panorama já não decorresse do aspecto atinente à maturidade da Carta, não é possível ignorar, em outra ponta, que a informação, como um todo, atualmente encontra-se disponibilizada em sua potência máxima a maciça parcela da população.
Nesta chamada Sociedade da Informação, qualquer pessoa pode ser o portador de uma mensagem. Mas continua sendo a Imprensa, em suas diversas formas e plataformas, o principal arauto da comunicação. E tamanha é sua importância e tão relevante o seu papel que a Constituição Federal cuidou de dedicar um capítulo inteiro a esta atividade, no qual se materializaram amplas garantias à liberdade de seu exercício, como se extrai do caput do art. 220 e dos dois primeiros parágrafos do dispositivo.
Infere-se dali que a censura não se sustenta em nenhuma circunstância e que a distribuição de conteúdo se dá sob os critérios do próprio veículo e sem nenhuma interferência estatal. Esta é, pois, a essência da normatização constitucional a propósito do tema e a qual consagra, de maneira abrangente, a liberdade da imprensa, que, por sua vez, encerra o direito de informar.
Se é louvável o posicionamento do legislador constituinte quanto à garantia do pleno direito de informar, há que se reconhecer que faltou a correspondente proteção ao destinatário deste vetor, na medida em que não se resguardou, com a mesma amplitude, o direito de ser informado, aqui entendido em sentido abrangente. A garantia de acesso à informação prevista no inciso XIV do art. 5º. não resolve este aspecto.
Embora não tenha cunhado o termo “marketplace of ideas”, John Stuart Mill, em sua famosa obra On Liberty, trouxe a questão a lume no longínquo ano de 1859. Seis décadas depois, a metáfora foi novamente invocada por Oliver Wendell Holmes (Abrahms v. United States, 1919), sendo certo que, apenas em 1969, por ocasião do famoso caso Red Lion Broadcasting Co v. FCC, a Suprema Corte Norte-Americana consolidou a concepção do “livre mercado de ideias”.
A imprensa livre é algo digno de orgulho. A blogueira cubana que o diga. Mas há que se pensar sobre o outro lado da questão de modo a indagar se a existência de interferência estatal é ocorrência nefasta ou atuação necessária para o correto equilíbrio das forças.
Há perguntas a serem respondidas. Em que medida a concentração da informação nas mãos de poderosos veículos de mídia é capaz de produzir um efeito silenciador sobre aqueles de menor expressão? É legítimo que os meios de comunicação tendam a priorizar certas pautas em detrimento de outras de modo a atender interesses pessoais, políticos ou econômicos? O viés de um determinado e importante agente de informação possui o poder de minimizar a diversidade de opiniões? A ausência de regulação estatal fomenta ou elimina o livre mercado de ideias? O consumidor da informação é capaz, por si só, de buscar e de encontrar a informação livre e não comprometida? A adoção da conhecida “fairness doctrine”, que demanda a distribuição obrigatória de pontos de vista contrastantes e de inserção de discussão de temas polêmicos, é aceitável em termos constitucionais?
Tais questões são complicadíssimas e não tenho a menor pretensão de respondê-las nestas breves linhas. Apenas trago à baila o fato de que, examinando-se a questão como um todo, há que se atrelar o “direito de informar” ao “direito de ser informado”, assim entendido o direito de ser ampla e corretamente informado. Porque se o direito de informar não for cumprido em consonância com este conceito maior, a liberdade do receptor da informação estará seriamente comprometida. E se esta liberdade mostrar-se comprometida, os parâmetros constitucionais não estarão sendo corretamente atendidos.
Meses atrás, li um artigo na internet que bem expressava o nó górdio da questão. O texto não estava assinado, de modo que fico impedida de fazer a referência a seu autor. De todo modo, pela adequação à discussão, reproduzo aqui um pequeno trecho, no idioma original: “Information is power. If you can control information, you can control people. If you can control people, they can’t be free”.
Ficam, portanto, o convite à reflexão e o desafio à solução deste impasse.
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VIVIANE NÓBREGA MALDONADO é juíza de Direito em São Paulo e mestranda em LLM – Master of Comparative Law pela Cumberland School of Law – Samford University (USA).
Foto: Jason Michael/Flickr.