Rodrigo Lago
11.12.12

Mensalão, Celso de Mello e a perda dos mandatos parlamentares

 

O Supremo Tribunal Federal começou a debater na sessão de ontem, 10 de dezembro de 2012, as consequências da condenação criminal de três réus que atualmente exercem  mandatos de deputado federal: João Paulo Cunha, Valdemar Costa Neto e Pedro Henry. Além destes, o atual primeiro suplente de deputado federal José Genoíno poderá ser alcançado pela decisão, pois deverá ser empossado em breve, na vaga do deputado federal Carlinhos Almeida, eleito prefeito de São José dos Campos nas Eleições 2012. A discussão está em saber se a perda do mandato seria decidida pelo Plenário da Câmara dos Deputados, ou apenas declarada pela Mesa Diretora. Quando estava empatada a votação, e faltava apenas o voto do ministro Celso de Mello, o julgamento foi suspenso.

Votaram pela perda automática dos mandatos, circunstância que apenas deverá ser declarada pela Mesa Diretora, os ministros Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Marco Aurélio. Em sentido oposto, remetendo a perda dos mandatos para a futura decisão a ser tomada pela Câmara dos Deputados, e apenas se provocada a tanto, votaram os ministros Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Dias Toffoli e Cármen Lúcia. O julgamento será retomado na sessão de amanhã, quarta-feira, 12 de dezembro de 2012, com o único voto faltante, do ministro Celso de Mello.

A controvérsia estaria na interpretação dos artigos 15, III e 55, IV e VI, e seus §§2º e 3º, todos da Constituição da República. Duas soluções se apresentam com a condenação criminal dos congressistas, com a suspensão dos direitos políticos:

a) será aplicado o art. 55, IV, §3º da Constituição da República, que exige no caso de suspensão de direitos políticos, sendo consequência de condenação criminal ou não, que a perda do mandato seja apenas declarada pela Mesa Diretora, por ato vinculado, e não decidida no Plenário da Câmara;

b) será aplicado, pelo critério da especialidade, o art. 55, VI, §2° da Constituição da República, resguardando-se os mandatos dos parlamentares porque, embora suspensos os direitos políticos, a suspensão ocorreu como consequência de condenação criminal, e quando ocorre esta, é imprescindível decisão pelo Plenário da Câmara dos Deputados, apenas se provocado pela Mesa Diretora ou por partido político, após regular processo, garantido o contraditório, e mediante votação secreta, exigindo-se a exigir maioria absoluta dos membros da Casa para a decisão pela perda dos mandatos, à semelhança dos processos por quebra de decoro parlamentar.

As intervenções feitas pelo ministro Celso de Mello durante os debates sugerem que ele acompanhará o ministro relator, Joaquim Barbosa. Assim, a questão seria resolvida pela perda dos mandatos dos deputados federais, tão logo seja a condenação criminal alcançada pelo trânsito em julgado. A execução da decisão seria apenas declarada pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, mediante ato vinculado, como ocorre quando um parlamentar é cassado pela Justiça Eleitoral.

Ocorre que o ministro Celso de Mello já votou em sentido diametralmente oposto, em antigo precedente do Supremo Tribunal Federal. Naquela oportunidade, esse mesmo debate surgiu apenas de forma lateral, porque o Tribunal julgava no fundo um recurso extraordinário em registro de candidatura. A discussão travada no mencionado recurso extraordinário, portanto, não ocorreu nas exatas circunstâncias em que será decidida agora, na Ação Penal n° 470. Todavia, o ministro Celso de Mello foi enfático ao afirmar que os congressistas, ao serem condenados criminalmente, só perderiam o mandato mediante decisão da Câmara dos Deputados, como se lê da seguinte passagem do seu voto no RE 179.502/SP (RE 179502, Tribunal Pleno, julgado em 31/05/1995, DJ 08-09-1995):

(…)

O vínculo de incongruência normativa entre o art. 15, III, e o art. 55, §2°, ambos da Constituição, ressaltado no debate desta causa, subsume-se, no caso, ao conceito teórico das antinomias solúveis ou aparentes, na medida em que a alegada situação de antagonismo é facilmente dirimível pela aplicação do critério da especialidade, resolvendo-se o aparente conflito, desse modo – e tal como acentuado pelo Relator – em favor da própria independência do exercício, pelo parlamentar federal, de seu ofício legislativo. É que o congressista, enquanto perdurar o seu mandato, só poderá ser deste excepcionalmente privado, em ocorrendo condenação penal transitada em julgado, por efeito exclusivo de deliberação tomada pelo voto secreto e pela maioria absoluta dos membros de sua própria Casa Legislativa.

A norma inscrita no art. 55, §2°, da Carta Federal, enquanto preceito de direito singular, encerra uma importante garantia constitucional destinada a preservar, salvo deliberação em contrário da própria instituição parlamentar, a intangibilidade do mandato titularizado pelo membro do Congresso Nacional, impedindo, desse modo, que uma decisão emanada de outro Poder (o Poder Judiciário) implique, como consequência virtual dela emergente, a suspensão dos direitos políticos e a própria perda do mandato parlamentar.

Não se pode perder de perspectiva, na análise da norma inscrita no art. 55, §2°, da Constituição Federal, que esse preceito acha-se vocacionado a dispensar efetiva tutela ao exercício do mandato parlamentar, inviabilizando qualquer ensaio de ingerência de outro Poder na esfera de atuação institucional do Legislativo.

(…)

Como se observa, o ministro Celso de Mello foi enfático no precedente acima citado. A perda dos mandatos dos congressistas condenados criminalmente só ocorrerá mediante decisão da maioria absoluta do Plenário da Câmara dos Deputados, e por votação secreta. Certo é que, por diversos fatores, cada ministro pode mudar o entendimento que já tenha expressado em votos anteriormente proferidos em outros julgamentos. E isso ocorre por vários fatores, seja pela mutação constitucional, seja porque simplesmente melhor analisou a questão debatida à luz de novos argumentos, alcançando conclusão diversa. Todavia, caso o ministro Celso de Mello profira voto acompanhando o ministro relator, pela perda dos mandatos dos congressistas, terá ele um duplo ônus, não apenas de fundamentar a correção de sua interpretação, como também de justificar a mudança de posicionamento, enfrentando os fundamentos do voto que proferiu no RE 179.502.

Leia aqui o voto do ministro Celso de Mello no acórdão do RE 179.502, a partir da página 56.

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RODRIGO LAGO é advogado, conselheiro seccional e presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/MA. É membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), fundador e articulista do Os Constitucionalistas. Siga o autor no Twitter e no Facebook.

Foto: José Cruz/ABr (com filtro).



3 Comentários

  1. Inez disse:

    Fábio de Oliveira Ribeiro disse:
    2012-12-11 07:50:41
    A “soberania popular” é o fundamento da Lei, é origem dos mandatos dos deputados e um princípio constitucional fundamental que não pode ser ignorado por um poder cujos membros não são eleitos pelo povo. Quem quer que o Judiciário esteja acima da Lei, coloca-se também à margem da “soberania popular” e defende uma outra fonte de poder: como o dinheiro (que compra decisões judiciárias), a força bruta (que silencia o povo) ou, o berço (a aristocracia foi abolida com a proclamação da República). Quem não defende a “soberania popular” é inimigo da democracia. E se quiser impor sua visão de mundo ao povo, justificará a reação violenta do mesmo.

  2. “[C]abe à Constituição impor ao cenário político um conjunto de decisões valorativas que se consideram essenciais e consensuais.” (BARCELLOS, Ana Paula. NEOCONSTITUCIONALISMO, DIREITOS FUNDAMENTAIS E CONTROLE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, n. 15, 2007. Disponível em . Acesso em: 11 dezembro 2012

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