Folha de S. Paulo, editorial
28.09.12

Censura em rede

 

A maior ameaça à liberdade de expressão no Brasil, hoje, parte do Judiciário. Se alguém alimentava dúvida sobre essa situação espantosa, a detenção do diretor de um serviço de publicação de vídeos na rede mundial de computadores, por determinação da Justiça Eleitoral de Mato Grosso do Sul, se encarregou de desfazê-la.

O juiz eleitoral Flávio Saad Peron determinara a prisão porque não havia sido retirada do ar uma peça com ataques a um candidato a prefeito, exigência que se repete em dezenas de ações similares em 21 Estados. Como toda decisão judicial, era obrigatório cumpri-la, ainda que fosse imediatamente seguida de recurso à própria Justiça contra seu caráter abusivo.

No Amapá, a Justiça Eleitoral obrigou a empresa que edita o jornal “O Estado de S. Paulo” a suprimir comentário de blogueiro sobre um candidato local. Detalhe: sua nota informava que o postulante responde a várias ações penais.

E não é só na esfera eleitoral que o vezo censório se manifesta. Um juiz de São Paulo determinou que a mesma organização retire da rede em todo o Brasil o filmete que satiriza Maomé e provocou reações violentas em países muçulmanos.

Há outros episódios semelhantes, além de vetos quase sistemáticos à divulgação de pesquisas eleitorais que contrariem os interesses de algum candidato. E, já que se fala de Judiciário e censura, é oportuno lembrar que, devido a recorrentes proibições, biografias se tornaram um gênero literário ameaçado de extinção no país.

Admita-se: nem sempre é simples sopesar princípios constitucionais em choque e chegar a conclusões sobre casos concretos, missão mesma do Poder Judiciário. A julgar por uma série de decisões recentes, porém, muitos juízes parecem esquecidos de que a regra geral é a liberdade, e não o contrário.

É verdade que o problema não está só na Justiça, que adere a um movimento maior de intolerância e moralismo. Num lance quase humorístico, o deputado Protógenes Queiroz (PC do B-SP) queria elevar para 18 anos a classificação de um filme porque um urso de pelúcia aparece nele fumando maconha.

Até a Academia Brasileira de Letras, que deveria ser um bastião da liberdade de opinião, censurou há pouco a transmissão de uma palestra sobre história da arte e sexo.

É claro que a ABL, instituição privada, é livre para escolher o que vai exibir e parlamentares, para fazer de tudo a fim de aparecer -mas seria mais útil se usassem sua liberdade e seu poder para aprovar o Marco Civil da Internet, de maneira a clarificar de vez a questão da responsabilidade de veiculadores e autores nesse meio de difusão.

Quanto à Justiça, não pode haver dúvida: é imprescindível que magistrados, como guardiões da Constituição, adotem uma interpretação consistente das garantias da Carta para as liberdades de pensamento, expressão e imprensa e se abstenham definitivamente de qualquer forma de censura.

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Folha de S. Paulo, editorial, edição 28/9/2012.

Foto: cofano/Flickr.



3 Comentários

  1. Daniela disse:

    Acho que a questão não é tão simples.
    Qualquer pessoa pode se dirigir a uma lan house, criar um perfil anônimo e caluniar alguém impunemente – com a ofensa mantida no ar até o trânsito em julgado -, se adotada a postura defendida nesse artigo.
    É justamente essa armadura do anonimato que estimula o excesso, e nossa ordem constitucional, ao que se sabe, não o protege.
    É certo que nossos juízes e tribunais não tem uma noção muito clara da abrangência e do funcionamento das redes sociais, mas ordens judiciais devem ser cumpridas.

  2. Lucas disse:

    Acredito que a questão do anonimato pode ser resolvido com a imposição de que este seja proibido na internet. Ademais, existem mecanismos para rastreamento e formas de localizar os usuários da internet. Tudo que é feito na rede deixa vestígios. Qualquer técnico em computação possui habilidades para desvendar o local onde houve a manifestação. Entretanto, parece-me consistente a preocupação com a liberdade de expressão em nosso País, mormente porque o Estado-juiz anda agindo como um censor, uma postura altamente paternalista e que pode, a longo prazo, gerar um clima de insegurança jurídica e dificultar os debates que precisamos fazer. O STJ recentemente fixou precedentes importantíssimos sobre a responsabilidade dos provedores de informação, inclusive, o juiz paulista que censurou o filme que difama maomé usou a ratio decidendi destes precedentes para julgar improcedente o pedido de danos morais. No que tange à Justiça Eleitoral, esta passa, e demais, da conta na vedação às manifestações em época de campanha. É um ardor tão grande em querer “proteger” os cidadãos dos candidatos que se chega a estaparfúdias decisões como a tomada pelo magistrado do Amapá supramencionado.

  3. Tetsuo disse:

    Pois e9, quando li esse post fqeiui pensando na mesma palavra que a Monica disse: Responsabilidade. No primeiro ano da faculdade, numa das primeiras aulas, aprendi o que era o Pauteiro fqeiui um pouco assustada pensando, quem e9 esse cara para dizer o que passa e o que ne3o passa pelo filtro? Um pouco braba, um pouco indignada, ne3o percebi o quanto ele facilitava a minha vida, a responsabilidade que tirava de mim. Quando passei a ler na internet e abandonei o jornal e as revistas, percebi que agora a decise3o era minha, e que decise3o chata! Como decidir entre o que eu gosto de ler e o que e9 importante saber independente dos meus gostos? Sere1 que estou lendo sobre aquilo que todos ve3o falar amanhe3? Ne3o e9 sf3 a quantidade de notedcia que incomoda, mas saber responder: Sere1 que estou escolhendo as notedcias certas? Sere1 que existem notedcias certas e erradas? Tento ne3o me preocupar com isso, mas que a angfastia existe, a existe!!!