Por Carolina Brígido e Paulo Celso Pereira
4.03.18

Celso de Mello: ‘Se a Constituição diz trânsito em julgado, é trânsito em julgado, e não decisão de segundo grau’

 

“Se a Constituição ou a lei diz trânsito em julgado, é transito em julgado, e não decisão de segundo grau que ainda não transitou em julgado”, diz Celso de Mello em entrevista a Carolina Brígido e Paulo Celso Pereira. Para o decano do STF, a Constituição está sendo reescrita de uma maneira que vai restringir o direito básico de qualquer pessoa. O entrevistado afirma que a presidente do Supremo Tribunal Federal terá a sensibilidade de pautar as ADCs 43 e 44, que versam sobre a execução provisória da pena. Indagado sobre qual será o resultado do julgamento, Celso de Mello acredita que acabará prevalecendo a posição intermediária defendida pelo ministro Dias Toffoli, de execução da pena só depois de confirmada a condenação pelo Superior Tribunal de Justiça. Leia o trecho da entrevista, publicada no jornal O Globo:

O Globo: A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, deu indícios de que não quer pautar no plenário o julgamento das ações sobre prisões de condenados em segunda instância. Para o senhor, o tribunal deveria julgar o assunto novamente?

Celso de Mello: Entendo que a ministra Cármen Lúcia terá a sensibilidade para compreender a necessidade de pautar no plenário o julgamento das duas ações diretas de constitucionalidade. Porque nelas vamos julgar em tese, de forma abstrata, questão envolvendo o direito fundamental de qualquer pessoa de ser presumida inocente.

O Globo: O senhor mantém a convicção de que o réu tem direito a recorrer em liberdade até a última instância?

Celso de Mello: Eu ainda estou fiel à minha posição. É uma decisão que me preocupa como cidadão. A Constituição proclamou a presunção de inocência. Diz, no artigo 5º, que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. É um retrocesso que se impõe em matéria de direito fundamental (a prisão antecipada), porque a Constituição está sendo reescrita de uma maneira que vai restringir o direito básico de qualquer pessoa. A Constituição exige o trânsito em julgado. As leis ordinárias exigem o trânsito em julgado. E há um limite, que é o limite semântico. Se a Constituição ou a lei diz trânsito em julgado, é transito em julgado, e não decisão de segundo grau que ainda não transitou em julgado.

O Globo: Qual a vantagem que o senhor vê nesse modelo?

Celso de Mello: Tive aqui o processo de um réu de São Paulo que foi condenado em primeiro grau, recorreu ao Tribunal de Justiça e perdeu. O tribunal mandou executar a pena provisoriamente, com base nessa jurisprudência. Ele recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e foi absolvido. Mas ele cumpriu durante um certo período de tempo com rigor penitenciário essa pena. A mim me basta que um inocente seja submetido a essa esdrúxula execução provisória para que eu me mantenha fiel à minha posição.

O Globo: No que o senhor acredita que vai dar o julgamento?

Celso de Mello: Eu não sei se prevalece o trânsito em julgado, porque precisamos de seis votos. Meu palpite é que vai acabar prevalecendo a posição intermediária, da possibilidade de execução da pena com a sentença confirmada pelo STJ.

O Globo: Seria mais confortável para o STF ter decidido isso antes da condenação do ex-presidente Lula?

Celso de Mello: Sim, poderíamos ter decidido isso até 19 de dezembro do ano passado. De qualquer maneira, ainda é tempo. E acho importante que nós decidamos nas ações, porque foram ajuizadas antes que qualquer desses fatos notórios, dessas condenações que surgiram depois, tivessem ocorrido. Elas foram ajuizadas em relação a um princípio. A discussão é em abstrato, obrigatoriamente. É a tese, é o alcance do princípio constitucional.

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Publicada originalmente no jornal O Globo, edição 4.3.2018.

Foto: Nelson Jr./SCO/STF.



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