9.09.13
Caso Donadon: A melhor leitura possível da Constituição
A Constituição Federal de 1988, ao tratar de direitos, deveres, atribuições e prerrogativas de deputados e senadores, estabelece que perderá o mandato o parlamentar que deixar de comparecer a um terço das sessões ou que ficar afastado do Congresso Nacional por mais de 120 dias ininterruptos. Nos dois casos, cabe à Mesa Diretora da Câmara ou do Senado declarar a perda do mandato parlamentar.
Está nos artigos 55, inciso III, e 56, inciso II. Vale a leitura: “Artigo 55. Perderá o mandato o deputado ou senador que: (…) III — deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada”.
Já o inciso II do artigo 56 fixa que não perderá o mandato o parlamentar “licenciado pela respectiva Casa por motivo de doença, ou para tratar, sem remuneração, de interesse particular, desde que, neste caso, o afastamento não ultrapasse cento e vinte dias por sessão legislativa”.
Foi a combinação desses dois mandamentos constitucionais que levou o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, a suspender os efeitos da decisão da Câmara dos Deputados que manteve o mandato do deputado federal Natan Donadon (RO), condenado a 13 anos, 4 meses e 10 dias de prisão pelos crimes de peculato e formação de quadrilha. O parlamentar, que foi expulso do PMDB depois da condenação, está preso desde 28 de junho no Presídio da Papuda, em Brasília.
Há 20 dias, o plenário da Câmara dos Deputados entendeu que a condenação não era suficiente para cassar o mandato de Donadon. Eram necessários 257 votos para declarar a perda do mandato. Mas apenas 233 deputados votaram pela cassação. Outros 131 votaram contra a perda do mandato e 41 parlamentares se abstiveram.
O líder do PSDB na Câmara, deputado federal Carlos Sampaio (PSDB-SP), entrou com pedido de liminar em mandado de segurança com o argumento de que a decisão sobre a perda do mandato parlamentar não está sujeita à deliberação do Plenário, mas se dá com a mera declaração da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. O ministro Luís Roberto Barroso concedeu a liminar suspendendo a sessão do Plenário da Câmara.
Para isso, bastou ler os dois dispositivos constitucionais, fazer as contas e usar a lógica. O regime inicial de prisão de Natan Donadon é fechado. Assim, ele ficará atrás das grades por mais de dois anos, já que a progressão de regime se dá após o cumprimento de um sexto da pena. Ou seja, ficará mais de 120 dias afastado e não comparecerá a um terço das sessões de seu mandato. E quando isso acontece, cabe à Mesa da Câmara declarar a perda de mandato. Simples assim.
Mas o próprio Barroso havia decidido, dias antes, no julgamento do senador Ivo Cassol (PP-RO), que cabe ao Plenário decidir sobre a perda de mandato. Teria ele mudado de ideia? Parafraseando o ministro Marco Aurélio, também do Supremo, a resposta é desenganadamente negativa.
Cassol foi condenado a quatro anos, oito meses e 26 dias de prisão pela acusação de fraudar licitações quando foi prefeito da cidade de Rolim de Moura, em Rondônia, entre 1998 e 2002. O Supremo estava dividido na ocasião, como reconhece o próprio Barroso. Uma corrente entende que no caso de condenação criminal transitada em julgado, a perda do mandato deve ser apenas declarada pela Mesa. Outra, que a cassação deve ser decidida pelo Congresso.
A contragosto, Barroso se somou à corrente que reconhece o poder da Câmara ou do Senado de decidir, efetivamente, sobre a cassação. O ministro acha a solução ruim, mas sabe que não cabe ao juiz reescrever o texto constitucional. Seu papel é interpretá-lo. E nos casos em que o texto é taxativo, não cabe sequer interpretação. “O Judiciário tem o dever de fazer a melhor leitura possível da Constituição, mas não pode ignorar o seu texto. No dia em que isso acontecer, o Direito se diluirá na política e os tribunais deixarão de ser árbitros confiáveis”, afirma o ministro.
O regime de Ivo Cassol será o semiaberto desde o começo. Para decidir sobre este caso, as variáveis são outras. No caso de Donadon, ele não poderá comparecer às sessões. Ficará afastado por força da lei. Por muito mais do que 120 dias. E é a Constituição que diz que, nestas hipóteses, a perda de mandato tem de ser declarada pela Mesa da Casa Legislativa.
Barroso deixou isso claro na liminar de 21 páginas em que determinou a suspensão dos efeitos da decisão da Câmara que manteve Natan Donadon no cargo. Ainda assim, muitos tentaram desqualificar sua decisão, contrapondo a liminar ao voto do ministro do caso de Ivo Cassol. A Constituição demonstra, contudo, que as hipóteses são diferentes.
Como o ministro Luís Roberto Barroso, por consideração à liturgia do cargo que hoje ocupa, se recusa a bater boca sobre decisões judiciais pela imprensa, vem prevalecendo a versão de que ele criou uma “jabuticaba jurídica”. Prova do que ele costuma dizer e repetiu, recentemente, quando cobrado por sua decisão: “As coisas simples, no Brasil, por vezes causam grande espanto”.
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Rodrigo Haidar é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Artigo publicado originalmente na revista ConJur, edição 9/9/2013, sob o título “Constituição embasa decisão de Barroso sobre Donadon”.
Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF.
Para o leigo, o ministro está a bater a cabeça. Os congressistas que tem interesses particulares em jogo fazem essa jogatina como se nada entendessem. Cabe aos letrados esclarecer as trevas da ignorância espalhada pelo Congresso que tem o ditame que povo burro é povo mais fácil de domar.