4.11.09
Canotilho e seu filho mais novo
POR RODRIGO PIRES FERREIRA LAGO
Ainda sobre o bate-papo “interjusdescontraído” com o Prof. Dr. J. J. Gomes Canotilho, após a sua palestra com o tema “A interjusfundamentalidade”. É necessário explicar o porque da pergunta sobre mais um filho que estaria ganhando a maioridade.
O Prof. Dr. Gomes Canotilho, em sua tese de doutoramento em 1982, pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, redigiu a clássica obra Constituição dirigente e vinculação do legislador, que serviu a influenciar o pensamento constitucional no mundo, inclusive no Brasil. Em 2001, o autor publicou a 2a edição da referida obra, e surpreendeu a todos ao escrever no prefácio que “a Constituição dirigente está morta”. Houve grande polêmica no mundo acadêmico, querendo todos saber do autor se ele estava renegando a sua própria tese. Um seminário foi convocado pela UFPR, reunindo grandes constitucionalistas brasileiros, justamente a debater o sentido dessa afirmação e as suas conseqüências. Conseguiram, então, em contato com o Prof. Dr. Canotilho, que ele participasse do seminário, direto de Coimbra, por videoconferência. E todos esses grandes constitucionalistas o indagaram sobre a sua colocação, realizando um debate de elevado nível, que resultou até na publicação de uma obra.
O ministro Eros Roberto Grau, no intróito desta obra, assina a “Resenha do Prefácio da 2a edição” (Canotilho e a constituição dirigente. Organizador Jacinto Nelson de Miranda Coutinho: participantes Agostinho Ramalho Marques Neto…(et al). 2a Ed. – Rio de Janeiro, Renovar, 2005), de onde se destaca:
[…] CANOTILHO [2001:v] abre o prefácio à segunda edição de sua tese de doutoramento de 1982 observando que “o texto e o contexto são indissociáveis” e que, muitos tomando essa sua obra como um filho enjeitado pelo seu progenitor, é necessário afirmar-se que “Os filhos não se enjeitam. Crescem, reproduzem-se e morrem como qualquer mortal”. E coetaneamente a esse movimento – CANOTILHO não o disse, mas eu o digo agora – com o passar do tempo amadurece também o progenitor. […]
A tão aclamada constituição dirigente era declarada morta pelo seu próprio genitor, o Prof. Dr. Canotilho. Para explicitar essa sentença de morte afirmou o constitucionalista que ela seria como um filho, jamais enjeitado, mas que cresceu, reproduziu-se e morreu. O Prof. Dr. Eros Grau, hoje ministro do STF, foi audaz, emendando a afirmativa para concluir que o progenitor também amadurece, no sentido de que também o Prof. Dr. Canotilho enriquecera o debate sobre a interpretação constitucional, evoluindo nas suas posições.
Na palestra ministrada no IDP, em Brasília-DF, no dia 23/10/2009, o constitucionalista português afirmou que estava escrevendo uma obra, que na verdade era a obra antiga, mas que ele a estaria desconstruindo, sofrendo influência do neoconstitucionalismo e da doutrina brasileira. Foi exatamente nesse contexto, vendo mais uma evolução de seu pensamento, que eu formulei, em tom descontraído, durante o memorável bate-papo com o constitucionalista português, se não seria mais um filho que crescia e amadurecia – referindo-me a obra que ele dizia estar desconstruindo. O Prof. Dr. Canotilho deu uma sonora gargalhada, entendendo a brincadeira, mas preferiu não criar nova polêmica, dizendo que apenas estava substituindo alguns termos. Continuo acreditando que é bem mais que isso, mas vale aguardar a publicação da nova edição de sua obra Direito Constitucional e teoria da Constituição, quando ele deve tratar da interjusfundamentalidade, certamente referindo-se ao transconstitucionalismo e a rede de interconstitucionalidade, em especial quanto aos direitos fundamentais.
Leia a postagem Canotilho, a “interjusfundamentalidade” e um bate-papo interjusdescontraído, publicada originariamente neste blog em 26/10/2009.
* Legenda da foto – autoria: Fernanda Lohn; na foto Rodrigo Lago ao lado do Prof. Dr. Canotilho.