11.08.11
A Constituição Federal e o Exame de Ordem
LUIZ OLAVO BAPTISTA
A Constituição Federal dispõe no seu artigo 5º Inciso XIII, que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
A liberdade de exercício do trabalho, na maioria dos países, em especial nos mais desenvolvidos, é limitada às pessoas qualificadas para isso. De um lado, preserva-se a possibilidade de acesso a toda e qualquer profissão, garantia constitucional ligada ao direito de trabalhar, de outro, as regras que delimitam a eficácia da norma constitucional, e visam à proteção ao público, impondo a aferição das qualificações profissionais.
No direito, como medicina, as faculdades (ou universidades) ensinam a disciplina, e depois, em cursos ou outro modo, aprende-se a profissão.
No Reino Unido, ao terminar um curso de direito, o estudante pode escolher entre preparar-se para ser um “barrister” ou um “solicitor”. Precisa fazer um curso e submeter-se a um exame, mesmo que tenha concluído uma faculdade. O mesmo ocorre na França e na Alemanha. Em Portugal, a Corte Constitucional impôs que o exame fosse estabelecido por lei. Nos Estados Unidos, não somente há a exigência do Exame de Ordem, como a do aperfeiçoamento constante dos advogados como condição para exercício da profissão. Na Espanha, a lei nº 34, de 2006, regula o acesso à profissão de advogado, impondo o ensino e aferição do aprendizado. E na Itália, há uma avaliação, similar ao Exame de Ordem, que deve ser feito pelos que tenham um diploma de direito, após um estágio de, no mínimo, dois anos, nos quais devem ter feito mais de 20 audiências, escrito quatro relatórios, entre outros requisitos. No Japão também se exige o Exame de Ordem e há pouco se aumentou o nível de exigência do mesmo.
Assim, por toda parte há uma clara distinção entre o diploma e a qualificação profissional. No Brasil, muito adequadamente, o Exame é exigido no artigo 8º, IV, da Lei nº 8.906, de 1994 e como ocorre nos países citados e, em muitos outros, para fazer o Exame de Ordem é preciso ter estudado direito. Contra a existência desse requisito legal, perfeitamente constitucional, ergueram-se vozes de candidatos fracassados nos exames e de grandes interesses econômicos. Tratam-se das numerosas faculdades privadas, que muitas vezes não cumprem o dever de ministrar um ensino eficiente de direito, e, ao invés, se concentram com vigor na cobrança de anuidades e outras taxas. É em auxilio à falácia propalada por esses interessados que um subprocurador federal opinou que “o diploma é, por excelência, o comprovante de habilitação que se exige para o exercício das profissões liberais. O bacharel em direito, após a conclusão do curso, deverá, ao menos em tese, estar preparado para o exercício da advocacia e o título de bacharel atesta tal condição”. Diz mais, que “não se pode admitir seja o Exame de Ordem instrumento de seleção dos melhores advogados (critério meritório). Se assim considerado, mais flagrante se tornam a indevida restrição à escolha profissional e o caminho para intolerável reserva de mercado”.
A afirmação de que o diploma de bacharel é um comprovante de atitude para o exercício da profissão de advogado não corresponde à realidade. A Constituição não diz que é livre o exercício de qualquer profissão a quem tenha um diploma. Ela diz claramente que o exercício dessa liberdade é condicionado ao preenchimento dos requisitos da lei para proteger o interesse público. Como em todo o mundo civilizado, hoje as faculdades dão apenas um certificado de que uma pessoa concluiu seu curso de direito. O exercício da profissão de advogado – que segundo a Constituição é indispensável à administração da Justiça – pode, pela lei, estar sujeito a um exame que comprove a possibilidade de prestar serviços ao público. O argumento da “intolerável reserva de mercado”, despido de qualquer valor jurídico, não se sustenta porque a Ordem não seleciona os melhores advogados nem limita o acesso à profissão. Ela examina os bacharéis para saber se eles têm as qualificações necessárias para serem advogados, ou seja, para exercer a profissão. A experiência mostra que a maioria dos que tem um diploma não o merecia, e nem tem a qualificação necessária para o exercício de uma profissão que deve servir para proteger os cidadãos e garantir-lhes direitos fundamentais. Trata-se do que Noberto Bobbio chama de função promocional do direito. O interesse público por essa promoção aparece em outras normas, como as do art. 4º da lei nº 8.904, e do artigo 307 do Código Penal.
A exigência de uma qualificação adequada em serviços de utilidade pública não existe para criar uma “reserva de mercado”, mas isto sim para proteger o público, em especial as pessoas de menores recursos da incompetência e da ignorância de alguns bacharéis. Causa, assim, certa preocupação que num momento em que se deveria discutir reformas no ensino jurídico para aprofundamento das habilidades relevantes à profissão, seja aventada a possibilidade de retrocesso, transferindo à sociedade o ônus de realizar a primeira triagem daqueles que hão de defender seus mais caros.
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LUIZ OLAVO BAPTISTA é sócio do L.O. Baptista Advogados, professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, foi membro e presidente do Órgão de Apelação da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Fonte: Valor Econômico, edição 11/08/2011.
É o que se espera do STF.
“A afirmação de que o diploma de bacharel é um comprovante de atitude para o exercício da profissão de advogado não corresponde à realidade. ”
Logo todos os bacharéis que formaram-se até o ano de 1994, não poderiam estar advogando, pois não provaram qualquer qualificação profissional, não servindo o seu diploma para tal, assim sendo nem o amigo que assina este texto não poderia estar advogando,pois se o faz, esta à por em risco o patrimonio, ou pior a liberdade de vossos clientes.
Anderson: na verdade, antes de 1994 não havia a exigência legal. Hoje há. A norma do inciso XIII do art. 5° da CF é de eficácia contida, pois já possuía todos os elementos para sua aplicação, podendo, todavia, ser restringida por outra norma (infraconstitucional), o que se deu com a Lei 8.906/94.
Caros colegas, caros bacharéis, caros juízes, caros Ministros, caros Desembargadores, caro Presidente da Ordem dos Advogados, caros legisladores, cara Presidente do Brasil, caros leitores deste desabafo.
De antemão já lhes aviso que não necessito de crítica, lhes aviso que este texto não tem o condão de tentar modificar a atual situação do Exame de Ordem, lhes aviso que este texto não tem nenhuma função de insurgência, lhes aviso que se trata somente de um desabafo. Então, por gentileza, quem é a favor deste tipo de violência, deste tipo de “Santa Inquisição Intelectual”, denominado EXAME DE ORDEM, não opine, apenas reflita.
Ontem fiz, pela primeira vez, a segunda fase do Exame de Ordem. Escolhi a prova prático-profissional na área do Direito do Trabalho. Confesso que a prova estava fácil, ou seja, não havia nada que eu não estivesse estudado. Digo estudado! A prova foi feita para quem havia estudado e decorado os artigos, súmulas, legislações especiais e demais jurisprudências e orientações. Quem só estudou talvez não tenha tido tempo suficiente para terminar a prova. Que não foi o meu caso.
Os minutos destinados para a confecção da prova, 247 minutos, e já lhes explica o motivo, não foram suficientes para a demonstração do meu conhecimento sobre o assunto e jamais seriam suficientes para traduzir o conhecimento de qualquer ser humano da face desta Terra, que levou cinco anos para adquiri-lo e agora, sob a égide da SANTA INQUISIÇÃO INTELECTUAL, tem 247 minutos para esboçar o que aprendeu, sob pena de arder na fogueira do desemprego, da humilhação, do gasto com cursinhos e demais mazelas de quem não conseguiu ser aprovado no EXAME DE ORDEM.
Vejamos caros doutores, caros colegas de profissão, caros leitores deste emaranhado, caros cidadãos que nem sequer ouviram falar desta prova. Adentramos à sala para fazer a prova por volta das 13h. O caderno de prova só foi entregue exatamente às 14h. O término da SANTA INQUISIÇÃO INTELECTUAL foi exatamente às 19h. Entende-se que são 5 (cinco) horas de prova. Porém é preciso levar em conta a seguinte situação;
(1º) 5h equivalem a 300 (trezentos) minutos;
(2º) Antes de começar a prova o instrutor deu as explicações em mais ou menos 5 minutos.
(3º) A colheita da identificação digital do candidato, mais 2 min.;
(4º) A assinatura e verificação dos dados da prova mais 1 min.;
(5º) Ir ao banheiro, ao menos uma vez 5min. Houve pessoas que foram mais de duas vezes;
(6º) A capa do caderno de prova tinha 37 linhas. Em usando apenas 10 (dez) segundos para leitura de cada linha perdeu-se mais ou menos 01 (um) minuto;
(7º) A problema da peça processual tinha 30 linhas. Isso! Eu disse trinta (30) linhas. Perdeu-se mais ou menos 10 (dez) minutos para a leitura. Isso para quem é exímio leitor. Eu tive que lê-lo três vezes;
(8º) A 1ª questão tinha um problema, um caso, de 12 linhas. Incluindo as duas perguntas a respeito da questão. São menos 5 minutos para leitura;
(9º) A 2ª questão 22 linhas. Menos 8 minutos para a leitura;
(10 ª) A 3ª questão 15 linhas. Menos 6 minutos para leitura;
(11º) A 4ª questão 13 linhas. Menos 3 minutos para a leitura.
Num primeiro momento tínhamos um total de 129 linhas para ler, atentamente. Para ser menos pessimista vamos supor que se leve 10 segundos para ler cada linha, haveria um prejuízo de 1.290 segundos, que equivalem a perda de 21 (vinte um) minutos e 50 (cinqüenta) segundos. Vinte e um minutos mais treze somam-se 34 minutos. Logo restou apenas 4 (quatro) horas e 26 minutos para:
(1º) Construir uma peça processual de no mínimo 100 (cem) linhas. Se fosse o caso de uma simples cópia 50 minutos seriam suficientes, mas como se trata de raciocínio jurídico, teve-se apenas 2 (duas) horas para a peça. E aqui vai a pergunta: Sabe que eu não entendo o motivo dos prazos processuais não serem de apenas um dia! Sabemos que se tem 8 dias, 5 dias, 24 horas, 15 dias. Cinco horas não tem! Duas muito menos! Se o Exame de Ordem dá ao bacharel apenas duas horas para fazer uma peça por que os prazos processuais ultrapassam as 24 (vinte e quatro) horas?
(2º) Responder uma questão, com duas perguntas cada em apenas 30 (trinta) minutos. Quem decorou os artigos não levou mais que 10 minutos por questão. Porém, quem apenas estudou e quis responder as questões dentro de um raciocino jurídico não pode fazê-lo em virtude da falta de tempo;
(3º) Como são quatro questões, com duas perguntas cada uma, o candidato teve duas horas para responder as questões;
(4º) Sobraram então 26 minutos para o candidato pesquisar em toda a CLT, Constituição, CPC, Legislação Especial, Súmulas e Orientações Jurisprudenciais:
a) Fundamentação para a peça processual –(CPC e CLT);
b) Fundamentação para responder as sete (07) questões que envolviam a peça (CF, CLT, CPC
c) Fundamentação para mais seis (06) itens da peça/
d) Fundamentação para 8 (08) perguntas das questões.
(5º) Quantos minutos o candidato tinha para fazer cada questão?
O que muito me admira e me entristece é o seguinte. Para o bacharel ser advogado tem que passar pelo Exame de Ordem, caso contrário não se está apto para defender o seu cliente. Por que somente o bacharel em Direito tem que passar pela SANTA INQUISIÇÃO DO INTELECTUAL?
Por que não fazem um exame para os médicos? Vejamos, seria mais ou menos assim;
(A) Em cada sala um doente a espera de uma cirurgia, de alto risco, sob pena de o paciente morrer caso o examinando não consiga fazer a intervenção em duas horas. (é o tempo mínimo para fazer uma peça processual);
(b) Em outra sala mais quatro pacientes a espera dos cuidados, diagnóstico e medicação do mesmo examinando. Tempo? Duas horas para esta segunda etapa na outra sala. Assistente? Nenhum! Nem anestesista, nem UTI, nem assistentes, nem nada. Que tal? Não seria o correto?
Por outro lado sabemos que se um bacharel em Direito ajuizar uma ação e por algum acaso o seu cliente for condenado, por falta de saber jurídico do contratado basta que o cliente encontre outro advogado, que detém o saber jurídico para resolver o problema.
Agora vejamos o caso do médico. Se um médico erra no procedimento e o seu paciente morre. De onde virá outro médico, por mais saber científico que este tenha, para ressuscitar a pessoa que entrou em óbito?
Então? O mais correto não seria que o médico também fizesse um exame igual o de ordem?E o engenheiro que construiu aquele prédio que desabou, há dez anos, no Rio de Janeiro! Fez o exame de ordem?
Então, meus queridos! Ontem me senti violentado, intelectualmente falando. Senti-me frustrado, cansado, humilhado, ultrajado, subestimado, ofendido e muito mais que isso! Inquirido!
Apesar de ter quase certeza de que fui aprovada, ainda assim não concordo com este estupro intelectual do qual toda a sociedade é agente ativo, há omissão dos expectadores, ausência de tipo no CP, e a CF deixou-se levar pela arrogância dos que se dizem detentores do conhecimento jurídico. Fica aqui o meu protesto. Vocês podem continuar com a SANTA INQUISIÇÃO INTELECTUAL que nós, os sonhadores do mundo jurídico jamais desistiremos dos nossos sonhos por causa da reserva de mercado que vocês impuseram. Fica aqui o meu protesto.
Raimunda
A INCONSTITUCIONALIDADE DO EXAME DE ORDEM
Fernando Lima
Professor de Direito Constitucional
Os argumentos contrários à realização do Exame de Ordem da OAB.
1. Ensino superior e qualificação para o trabalho
A Constituição Federal é a lei fundamental e suprema do Estado brasileiro. É dela que deriva toda e qualquer autoridade, até mesmo a da OAB. Somente a Constituição Federal pode delegar poderes e competências políticas. A Constituição Federal consagra, no inciso XIII do art. 5º (cláusula pétrea), a liberdade de exercício profissional, que somente pode ser limitada por uma lei, que poderá exigir determinadas qualificações profissionais. Em diversos outros dispositivos, a Constituição Federal dispõe que a função de qualificar para o trabalho compete às instituições de ensino e que a avaliação e a fiscalização do ensino competem ao Estado, e não, evidentemente, à OAB. De acordo com o art. 205 da Constituição Federal, a educação tem como uma de suas finalidades a qualificação para o trabalho. O ensino é livre à iniciativa privada e cabem ao Poder Público a autorização para a abertura e o funcionamento dos cursos e a avaliação de sua qualidade.
Assim, o estudante dos cursos jurídicos é qualificado para o exercício da advocacia e tem essa qualificação certificada, de acordo com a legislação vigente, pelo reitor de cada universidade, através de um diploma. Nenhuma outra instituição tem competência para qualificar os bacharéis ao exercício de suas profissões, nem mesmo a Ordem dos Advogados do Brasil. Por expressa delegação do Estado brasileiro (art. 207 da Constituição Federal de 1.988 e Lei 9.394/96, art. 53, VI), somente os cursos jurídicos detêm a prerrogativa legal de outorgar ao aluno o diploma de Bacharel em Direito, que certifica a sua qualificação para o exercício da advocacia.
2. Inconstitucionalidade formal do Exame de Ordem
A Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Ordem), em seu art. 8º, exigiu, para a inscrição do bacharel na Ordem dos Advogados, a aprovação em Exame de Ordem. Disse, ainda, no §1º desse artigo, que o Exame de Ordem seria regulamentado pelo Conselho Federal da OAB. Esses dispositivos são inconstitucionais, tanto formal como materialmente.
Assim, o Exame de Ordem não foi criado por lei, mas por um Provimento do Conselho Federal da OAB. Evidentemente, apenas a Lei poderia estabelecer as qualificações necessárias ao exercício profissional, conforme previsto pela Constituição Federal, em seu art. 5º, XIII. Além disso, o Conselho Federal da OAB não tem competência para regulamentar as leis, como pode ser observado pela simples leitura do art. 84, IV, da Constituição Federal. De acordo com esse dispositivo, compete privativamente ao Presidente da República regulamentar as leis, para a sua fiel execução. Assim, a Lei nº 8.906/94 é também inconstitucional, neste ponto, porque não poderia atribuir ao Conselho Federal da OAB a competência para regulamentar o Exame de Ordem. Conseqüentemente, o Provimento nº 109/2.005, do Conselho Federal da OAB, que atualmente dispõe sobre o Exame de Ordem, é inconstitucional. Trata-se, no caso, especificamente, de uma inconstitucionalidade formal, porque não compete ao Conselho Federal da OAB o poder de regulamentar as leis federais. Ressalte-se que essa inconstitucionalidade, que prejudica os bacharéis reprovados no exame de ordem, atinge direito fundamental, constante do “catálogo” imutável (cláusula pétrea) do art. 5º da Constituição Federal, com fundamento, tão-somente, em um Provimento (ato administrativo), editado pelo Conselho Federal da OAB. Como se sabe, nem mesmo uma Emenda Constitucional poderia ser tendente a abolir uma cláusula pétrea (Constituição Federal, art. 60, §4º).
3. Inconstitucionalidade material do Exame de Ordem
Mas além dessa inconstitucionalidade formal, o Exame de Ordem é materialmente inconstitucional, contrariando diversos dispositivos constitucionais e atentando contra os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, do livre exercício das profissões e contra o próprio direito à vida.
3.1. O Exame de Ordem atenta contra o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, ao impedir o exercício da advocacia e o direito de trabalhar, aos bacharéis qualificados pelas instituições de ensino fiscalizadas pelo Estado, ferindo assim o disposto nos incisos III e IV do art. 1° da Constituição Federal, que consagram como fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
3.2. O Exame de Ordem atenta contra o princípio constitucional da igualdade, porque qualquer bacharel, no Brasil – exceto, naturalmente, o bacharel em Direito -, pode exercer a sua profissão (médicos, engenheiros, administradores, etc.), bastando para isso solicitar a inscrição no conselho correspondente. O bacharel em Direito é o único que está sujeito a um Exame de Ordem. Evidentemente, as funções desempenhadas pelo advogado são muito importantes, como costumam afirmar os dirigentes da OAB, porque o advogado defende a liberdade e o patrimônio de seus clientes. No entanto, apenas para exemplificar, ao médico compete salvar vidas, enquanto que o engenheiro incompetente poderia causar um enorme desastre, como a queda de um prédio, com a perda, também, de inúmeras vidas e de bens patrimoniais. Mesmo assim, não existe Exame de Ordem para médicos, nem para engenheiros. O Exame de Ordem da OAB viola, portanto, o princípio constitucional da igualdade, porque atinge apenas os bacharéis em Direito, sem que para isso exista qualquer justificativa. Ressalte-se, ainda, que o próprio Congresso Nacional, que aprovou o Estatuto da OAB, prevendo a realização do Exame de Ordem apenas para os bacharéis em Direito, tipificou como crime o exercício ilegal da profissão de médico, dentista ou farmacêutico (Código Penal, art. 282), mas considerou uma simples contravenção penal o exercício ilegal de qualquer outra profissão regulamentada, inclusive a advocacia (Lei das Contravenções Penais, art. 47). Reconheceu, portanto, indiretamente, para o exercício da medicina por alguém inabilitado, a maior possibilidade de dano ao interesse público, mas autorizou, apesar disso, a realização do Exame de Ordem apenas para os bacharéis em Direito, aprovando o anteprojeto do Estatuto da Ordem dos Advogados, elaborado pela própria OAB.
3.3. O Exame de Ordem atenta contra o princípio constitucional do livre exercício das profissões, consagrado no art. 5º, XIII, verbis: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.” De acordo com esse dispositivo, o profissional já qualificado, pelas instituições de ensino superior, não poderia ser obrigado a submeter-se ao Exame de Ordem da OAB, como condição para a inscrição no Conselho e para o exercício da advocacia. O texto constitucional, ressalte-se, utiliza a expressão qualificações profissionais que a lei estabelecer e não exames estabelecidos em lei. A qualificação profissional, como já foi dito, é feita pelas instituições de ensino jurídico, reconhecidas pelo Poder Público. De acordo com o art. 43 da Lei de Diretrizes de Bases da Educação (Lei 9.394/96), a educação superior tem a finalidade de formar “diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais”. Ressalte-se, ainda, que o art. 48 dessa mesma Lei dispõe que “Os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por seu titular”. Não resta dúvida, portanto, de que os bacharéis em Direito não poderiam ser impedidos de exercer a sua profissão, em decorrência da exigência inconstitucional da OAB. O Exame de Ordem, que pretende avaliar as qualificações profissionais dos bacharéis em Direito, é inconstitucional, portanto, porque invade a competência da Universidade, para qualificar, e a do Estado, através do MEC, para avaliar.
3.4. O Exame de Ordem atenta, finalmente, contra o princípio constitucional do direito à vida, porque esse direito não se refere, apenas, à possibilidade de continuar vivo, mas também à necessidade de prover a própria subsistência, através do exercício de sua profissão, para a qual o bacharel se qualificou, durante cinco anos, em um curso superior, autorizado, fiscalizado e avaliado pelo Estado. Assim, o Exame de Ordem, ao atentar contra a liberdade de exercício profissional, atenta, também, contra o próprio direito à vida, do bacharel em Direito.
4. As justificativas da OAB
Demonstrada, assim, sobejamente, a inconstitucionalidade do Exame de Ordem, formal e material, não se entende por que a OAB, que nos termos do art. 44 de seu Estatuto (Lei 8.906/94), tem a missão de defender a Constituição e a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, continua defendendo, ao contrário, intransigentemente, o Exame de Ordem, como necessário e indispensável, para a avaliação da capacidade profissional de todos os bacharéis em Direito.
Em suas manifestações, até esta data, os dirigentes da OAB não têm conseguido justificar, juridicamente, a existência do Exame de Ordem. Dizem eles, apenas, essencialmente, que: (a) ocorreu uma enorme proliferação de cursos jurídicos, no Brasil, o que é a mais absoluta verdade; (b) o ensino jurídico, em muitos casos, é extremamente deficiente, o que também é verdade; (c) a OAB tem competência para avaliar os cursos jurídicos, o que é falso, porque a avaliação da qualidade do ensino compete ao Poder Público, nos termos do art. 209, II, da Constituição Federal; (d) a OAB tem a obrigação de afastar os maus profissionais, o que também é verdade, mas apenas na fiscalização do exercício da advocacia, o que envolverá também as questões éticas, ou seja, a deontologia profissional.
Portanto, se o MEC não fiscaliza corretamente os cursos superiores, como costumam alegar os dirigentes da OAB, isso não justifica, juridicamente, a transferência de sua competência para a OAB, através do Exame de Ordem e, também, através do veto à abertura de novos cursos jurídicos, e isso é tão evidente que dispensa qualquer tipo de comprovação.
Afinal de contas, os dirigentes da OAB não aceitariam que algum outro órgão pudesse fiscalizar o exercício profissional dos advogados, alegando que a OAB não está desempenhando corretamente as suas atribuições. Da mesma forma, é evidente, também, que as atribuições do Judiciário não poderiam ser desempenhadas por um outro poder, ou pela própria OAB, para que se pudesse evitar a procrastinação dos feitos. O absurdo é tão gritante, que custa crer que os dirigentes da OAB, até esta data, ainda afirmem que o Exame de Ordem é indispensável, porque o MEC não fiscaliza corretamente os cursos jurídicos.
Outra alegação que costuma ser feita, pelos defensores do Exame de Ordem, é a de que os cursos jurídicos “formam bacharéis e que o Exame de Ordem forma advogados”. No entanto, essa afirmação não tem cabimento, também, porque, de acordo com os diversos dispositivos constitucionais, e os da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, já citados, é evidente que a qualificação para o trabalho, em qualquer área, decorre da formação profissional, adquirida através do ensino, em uma instituição de nível superior e que somente o ensino qualifica para o trabalho, e não o Exame de Ordem da OAB. A ela, cabe apenas a fiscalização do exercício profissional, e não a seleção dos bacharéis formados em nossos cursos jurídicos.
Na mesma linha da alegação anterior, há quem afirme, também, que o Exame de Ordem é um concurso público, tendo em vista que o advogado exerce “função pública”, sendo indispensável à administração da Justiça, nos termos da Constituição. Nada mais falso, evidentemente, porque o advogado exerce uma profissão liberal e a exigência de um concurso público somente teria cabimento quando se tratasse do provimento de cargos ou empregos públicos. Assim, se o Exame de Ordem fosse um concurso público, o bacharel em Direito, uma vez aprovado pela OAB, nesse exame, passaria a exercer um cargo público, ou um emprego público, remunerado pelos cofres públicos. Afinal, é para isso que servem os concursos públicos.
Há quem diga, finalmente, que ainda não houve uma decisão judicial declarando a inconstitucionalidade do Exame de Ordem e que, por esse motivo, ele é válido e constitucional. Esse é outro argumento absurdo, porque a propositura da ação não tem nada a ver com o debate jurídico. Mesmo que o STF, por pressão da OAB, talvez, julgasse improcedente uma ADIN nesse sentido e dissesse que o Exame de Ordem é constitucional, poderíamos continuar discutindo o assunto e dizendo que o Exame é inconstitucional. Felizmente, a opinião doutrinária, neste país, ainda é livre. Ainda não inventaram, para isso, uma súmula vinculante, que possa nos impedir de pensar e de manifestar a nossa opinião.
5. A Ordem dos Advogados deveria defender a Constituição
A Ordem dos Advogados, tendo natureza pública, precisa ser transparente, em sua atuação, e precisa responder, honestamente, às críticas que recebe, tentando, ao menos, justificar juridicamente o seu Exame de Ordem. É o mínimo, que dela se pode esperar. É impossível, mesmo para a Ordem dos Advogados, impor, arbitrariamente, as suas decisões, prejudicando milhares de advogados, de bacharéis, ou a própria sociedade, sem que para isso exista plausível fundamentação jurídica.
A Ordem, que sempre foi um baluarte em defesa da democracia, não pode ser titular de um poder absoluto, que não admita qualquer necessidade de justificação e que não aceite qualquer controle. Se a Ordem não for capaz de justificar juridicamente as suas decisões e o seu Exame de Ordem, ela perderá, cada vez mais, a sua credibilidade e a sua razão de ser, mesmo que a mídia a auxilie, de maneira extremamente eficaz, divulgando as suas manifestações e impedindo a divulgação das críticas.
Se os dirigentes da OAB não forem capazes de justificar juridicamente o Exame de Ordem, contestando, uma a uma, as razões acima enumeradas, deveriam, evidentemente, mudar de opinião, reconhecer a sua inconstitucionalidade e cessar esse atentado contra a liberdade de exercício profissional da advocacia. Dessa maneira, estariam cumprindo a disposição do art. 44 de nosso Estatuto, já referida, porque incumbe à OAB a defesa da Constituição. O próprio advogado, em seu juramento (art. 20 do Regulamento Geral da Advocacia e da OAB, de 16.11.94), promete defender a Constituição.
Ressalte-se, ainda, que a insistência na defesa do Exame de Ordem, apesar de sua inconstitucionalidade, não estaria em consonância com as disposições do art. 2º de nosso Código de Ética, que foi instituído pelo próprio Conselho Federal da OAB e que reconheceu, em seu prêambulo, como um de seus princípios básicos, que o advogado deve lutar pelo cumprimento da Constituição e pelo respeito à Lei, fazendo com que esta seja interpretada com retidão, em perfeita sintonia com os fins sociais a que se dirige e às exigências do bem comum; ser fiel à verdade para poder servir à Justiça como um de seus elementos essenciais, etc.
A Ordem dos Advogados deveria, portanto, defender a Constituição, intransigentemente, sempre, mesmo que para isso fosse preciso sacrificar, eventualmente, alguns interesses corporativos. Em nenhuma hipótese, poderiam os dirigentes da Ordem dos Advogados elaborar anteprojetos de lei que contrariam a Constituição Federal, ou defender, no Legislativo e no Judiciário, interesses corporativos, em detrimento do respeito devido à Constituição Federal.
6. A necessidade de transparência
Mesmo que fosse constitucional o Exame de Ordem, ele não poderia ser aplicado sem a necessária TRANSPARÊNCIA e sem qualquer controle externo. Não se sabe, até hoje, quais são os critérios adotados, se é que eles existem, e a Ordem está pretendendo unificar esse exame, nacionalmente, com certeza para evitar as enormes disparidades que têm ocorrido, com reprovações maciças em alguns Estados e altos índices de aprovação, em outros.
Chega a ser ridículo que a Ordem dos Advogados fiscalize todo e qualquer concurso jurídico; que ela participe, com dois advogados, por ela própria escolhidos, do Conselho Nacional de Justiça, que controla a magistratura; que, da mesma forma, ela participe do Conselho Nacional do Ministério Público, que controla os membros do “parquet”; e, no entanto, ninguém possa controlar o seu Exame de Ordem, que é capaz de afastar, anualmente, do exercício da advocacia, cerca de 80.000 bacharéis, que concluíram o seu curso jurídico em instituições reconhecidas e credenciadas pelo Poder Público, pelo Estado brasileiro, através do MEC.
Aliás, por mais absurdo que possa parecer, de acordo com o art. 3º do Provimento nº 109/2.005, as Comissões do Exame de Ordem, das diversas seccionais da OAB, podem ser integradas por advogados que nunca tiveram qualquer experiência didática. Esse dispositivo, que dispensa comentários, exige que os membros dessas Comissões, que avaliam todos os bacharéis em Direito formados no Brasil, e que impedem o exercício da advocacia pelos candidatos reprovados, ou seja, mais de 80% do total, tenham cinco anos de inscrição na OAB e, preferencialmente – preferencialmente, apenas -, experiência didática.
7. Considerações finais.
Em suma: o Exame de Ordem é inconstitucional, porque contraria as disposições dos arts. 1º, II, III e IV, 3º, I, II, III e IV, 5º, II, XIII, 84, IV, 170, 193, 205, 207, 209, II e 214, IV e V, todos da Constituição Federal. Além disso, conflita com o disposto no art. 44, I da própria Lei da Advocacia (Lei n° 8.906/94). E, finalmente, descumpre, também, disposições contidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n° 9.394/96), em especial, as constantes dos arts. 1º, 2º, 43, I e II, 48 e 53, VI.
Não resta dúvida de que o ensino, no Brasil, é deficiente, e de que existe uma verdadeira proliferação de cursos jurídicos – e de tantos outros – sem o mínimo de condições para a formação de bons profissionais.
No entanto, isso não autoriza a OAB a fiscalizar os cursos universitários, nem a fazer um exame, para supostamente avaliar os bacharéis, e para impedir o exercício profissional dos candidatos reprovados.
Não cabe à OAB aferir os conhecimentos jurídicos dos bacharéis. Isso é função exclusiva das universidades, que deveriam ser fiscalizadas, com todo o rigor, pelo MEC, para que não se pudesse dizer, depois de concluído o curso, que a formação dos bacharéis é deficiente.
Ressalte-se, mais uma vez, que não se pretende defender, aqui, a proliferação desordenada de cursos jurídicos de baixa qualidade, mas não resta dúvida de que a Constituição e a lei atribuíram ao Estado, através do MEC, a fiscalização e a avaliação da qualidade desses cursos, e não à OAB, ou a qualquer outra corporação profissional.
O Exame de Ordem não é capaz de avaliar se os candidatos têm, realmente, condições de exercer a advocacia, o que envolve uma série de fatores, e não, apenas, o conhecimento da legislação, que é cobrado, preferencialmente, em provas mal elaboradas, que costumam privilegiar a capacidade de memorização, em vez do entendimento, da crítica e da síntese. Observa-se, também, que, na segunda etapa, costumam ser cobradas questões práticas, tão específicas e raras, que inúmeros advogados militantes, com largo tirocínio, seriam incapazes de resolvê-las, no período da prova e sem o acesso a qualquer material de consulta.
Além disso, a correção das provas – que não admite qualquer fiscalização externa, como também não existe a fiscalização, em sua elaboração -, deixa margem a um alto grau de subjetividade, o que permite a prática de inúmeras injustiças, reprovando os mais competentes e aprovando os incapazes, ou aqueles que se presume que seriam incapazes, para o exercício da advocacia.
O Exame de Ordem tem sido usado, pela OAB, como instrumento para aumentar o seu poder e para impedir o ingresso de novos advogados no mercado de trabalho, que se alega já estar saturado.
Nenhum conselho de fiscalização profissional poderia pretender restringir o direito ao trabalho dos novos bacharéis, sob a alegação de que o mercado já está saturado. Esse é um outro problema, que não pode ser resolvido dessa maneira, por um motivo muito simples, de estatura constitucional, o de que todos são iguais perante a lei. Não se pode restringir o exercício profissional dos novos advogados, para resguardar o mercado de trabalho dos advogados antigos.
Está sendo fundada, em São Paulo, a Associação Brasileira de Bacharéis em Direito, destinada a combater, entre outras coisas, o Exame de Ordem da OAB.
Os direitos do povo são mais importantes do que os lucros dos legisladores, dos governantes, dos políticos, dos juízes e dos advogados. São mais importantes, também, do que qualquer interesse corporativo. O Governo, as Casas Legislativas, os Tribunais e a própria Ordem dos Advogados do Brasil existem, na verdade, apenas para servir o povo, e não para atender aos interesses egoístas de qualquer minoria privilegiada. Ou, pelo menos, assim deveria ser, se a Constituição fosse respeitada.
o exame de ordem não é qualificação profissional, e que as instituições de ensino, e não a OAB, são aptas a declarar a aptidão para a inserção no mercado profissional. Cabe ao Poder Público, e a mais ninguém, autorizar e avaliar o ensino. Até pelo fato de que a OAB não é parte da Administração Pública, mas apenas um Conselho a quem cumpre fiscalizar o exercício profissional, e não a aptidão para tal exercício.
Aliás, a própria expressão “exame de ordem” demonstra que um exame não pode ser confundido com a qualificação. Um exame visa apenas avaliar se a qualificação existe ou não. Ocorre que a Constituição, e a própria LDB que é lei posterior à lei 8.906/94, atribuíram tal avaliação às próprias instituições de ensino, fiscalizadas e avaliadas pelo Poder Público, e não aos conselhos de exercício profissional.
A prevalecer a vontade da OAB, somos obrigados a deduzir que as Faculdades de Direito, que são autorizadas por lei e que assim admite os alunos e lhes cobra pesado ônus financeiro, além de tolher-lhes tantos anos de seu precioso tempo, estariam cometendo verdadeiro estelionato, estariam vendendo um produto, recebendo o respectivo pagamento sem entregar o resultado final, como assim ?
Sendo assim, se o exame de ordem não é qualificação profissional, e se também não é apto para declarar a existência ou não da qualificação profissional, conclui-se que é inconstitucional que o legislador ordinário tenha o instituído como um instrumento destinado a restringir o exercício profissional, quando a Constituição Federal assegurou a liberdade restrita apenas à existência de qualificação, e não a outros requisitos.
De acordo com o art. 44 do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei 8.906, de 04.07.1994), a Ordem dos Advogados do Brasil possui personalidade jurídica de direito público e desempenha atividades de enorme importância em nossa ordem jurídico-constitucional, tais como a defesa da Constituição, da ordem democrática, dos direitos humanos e da justiça social, ao mesmo tempo em que deve cuidar, com exclusividade, da fiscalização do exercício profissional dos advogados, que a Constituição Federal considera (art. 133) “indispensáveis à administração da Justiça”.
De acordo com a Constituição Federal (art. 205), a EDUCAÇÃO tem como uma de suas finalidades a QUALIFICAÇÃO PARA O TRABALHO. Diz ainda a Constituição que o ensino é livre à iniciativa privada e que cabe ao PODER PÚBLICO a AUTORIZAÇÃO (portanto, para a abertura e o funcionamento dos cursos) e a AVALIAÇÃO DE QUALIDADE (ou seja, o que a OAB pretende fazer, através do “RANKING” dos cursos jurídicos, que publica, e através do EXAME DE ORDEM).
Ainda de acordo com a Constituição Federal, em seu catálogo de direitos e garantias – CLÁUSULAS PÉTREAS (art. 5º, XIII), é LIVRE o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, ATENDIDAS AS QUALIFICAÇÕES PROFISSIONAIS QUE A LEI ESTABELECER. Evidentemente, as qualificações profissionais seriam aquelas obtidas na Universidade, que QUALIFICA PARA O TRABALHO. A LEI não poderia estabelecer um EXAME DE ORDEM, como o da OAB, para a verificação dessas qualificações profissionais, porque estaria invadindo a competência da Universidade (para QUALIFICAR) e a do Estado, do poder público, do MEC (para AVALIAR).
Seria, assim, uma LEI INCONSTITUCIONAL, a que criasse esse EXAME DE ORDEM. Seria materialmente inconstitucional. Seria uma inconstitucionalidade material, de fundo, porque essa LEI atentaria contra os diversos dispositivos constitucionais, já citados.
No entanto, essa LEI NEM AO MENOS EXISTE, porque o EXAME DE ORDEM da OAB foi criado, na verdade, POR UM PROVIMENTO, editado pelo Conselho Federal da OAB. Vejam o absurdo: um direito fundamental (art. 5º, XIII, da CF) sendo limitado, não por uma lei, mas por um simples PROVIMENTO de um Conselho Profissional. Isso ocorre porque a Lei nº 8.906 (ESTATUTO DA ORDEM), impõe, como requisito para a inscrição como advogado, A APROVAÇÃO EM EXAME DE ORDEM (art. 8º, IV). Nada mais. Diz, apenas, que O EXAME DE ORDEM SERÁ REGULAMENTADO EM PROVIMENTO DO CONSELHO FEDERAL DA OAB (art. 8º, §1º).
Portanto, o Exame de Ordem NÃO FOI CRIADO POR LEI do Congresso, porque o Estatuto da OAB nada disse a seu respeito, nem foi REGULAMENTADO PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, como deveria ter sido (Constituição Federal, art. 84, IV, in fine). A norma é inconstitucional, porque a competência de REGULAMENTAR AS LEIS É PRIVATIVA do Presidente da República.
Verifica-se, desse modo, que o Exame de Ordem é, também, FORMALMENTE INCONSTITUCIONAL, porque foi criado por um órgão que não tinha a necessária competência para tanto. SOMENTE A LEI DO CONGRESSO, REGULAMENTADA PELO PRESIDENTE, poderia restringir o DIREITO FUNDAMENTAL AO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO (CF, art. 5º, XIII).
Pois bem: a Ordem dos Advogados, tendo natureza pública – porque ela não é um “Clube dos advogados” -, precisa ser transparente, em sua atuação, e precisa responder, honestamente, às críticas que recebe, tentando, ao menos, justificar juridicamente as suas decisões. É o mínimo, que dela se pode esperar. É impossível, no Brasil, hoje, estabelecer restrições à livre manifestação do pensamento, mesmo para a Ordem dos Advogados, com todo o poder e prestígio de que ela dispõe. É impossível, mesmo para a Ordem dos Advogados, impor, arbitrariamente, as suas decisões, como no caso do exame de ordem, prejudicando milhares de advogados, de bacharéis, ou a própria sociedade, sem que para isso exista plausível fundamentação jurídica.
PORTANTO, o EXAME DE ORDEM é DUPLAMENTE INCONSTITUCIONAL: MATERIALMENTE, porque atenta contra diversos dispositivos constitucionais, que atribuem competência às Universidades e ao poder público, em relação à qualificação para o trabalho e à avaliação da qualidade do ensino; e FORMALMENTE, porque não foi criado por lei e regulamentado pelo Presidente da República, mas sim pelo Conselho Federal da OAB, através de um Provimento.
Mas, além disso, MESMO QUE FOSSE CONSTITUCIONAL O EXAME DE ORDEM, ele não poderia ser aplicado sem a necessária TRANSPARÊNCIA e sem qualquer controle externo. Não se sabe, até hoje, quais são os critérios adotados pelo Exame de Ordem, se é que eles existem. Chega a ser ridículo que a Ordem dos Advogados fiscalize todo e qualquer concurso jurídico; que ela participe, com dois advogados, por ela escolhidos, do Conselho Nacional de Justiça, que controla a magistratura; que, da mesma forma, ela participe do Conselho Nacional do Ministério Público, que controla os membros do “parquet”; e, no entanto, ninguém possa controlar o seu exame de ordem, que é capaz de afastar, anualmente, do exercício da advocacia, cerca de 40.000 bacharéis, que concluíram o seu curso jurídico em instituições reconhecidas e credenciadas pelo poder público, através do MEC. Ressalte-se, uma vez mais, que essa restrição, que atinge os bacharéis reprovados no exame de ordem, atinge DIREITO FUNDAMENTAL, constante do “catálogo” imutável (cláusula pétrea) do art. 5º da Constituição Federal, com fundamento, tão-somente, em um PROVIMENTO editado pelo Conselho Federal da OAB. Como se sabe, nem mesmo uma EMENDA CONSTITUCIONAL poderia ser TENDENTE A ABOLIR UMA CLÁUSULA PÉTREA (CF, art. 60, §4º).
O Regulamento Geral da Ordem dos Advogados do Brasil, aprovado há quase dez anos, em novembro de 1994, pelo seu Conselho Federal, é inteiramente inconstitucional. São 158 artigos nulos, que de acordo com a melhor doutrina nunca existiram, e que tratam dos mais diversos assuntos, desde o exercício da advocacia, as prerrogativas e os direitos dos advogados, a inscrição na OAB, o estágio, a cobrança das anuidades e taxas, até a fiscalização dos cursos jurídicos, o exame de ordem e as eleições para os conselhos dessa autarquia corporativa, PROFESSOR FERNANDO LIMA.
“Quando o Estado é fraco e os governos débeis, triunfam os poderes fáticos e os grupos de interesses corporativos. Sempre sob invocação da autonomia da “sociedade civil”, bem entendido. Invocação despropositada neste caso, visto que se trata de entes com estatuto público e com poderes públicos delegados. Como disse uma vez um autor clássico, as corporações são o meio pelo qual a sociedade civil ambiciona transformar-se em Estado. Mais precisamente, elas são o meio pelo qual os interesses de grupo se sobrepõem ao interesse público geral, que só os órgãos do Estado podem representar e promover.”
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