25.12.09
Um Estado Constitucional aberto
O direito constitucional internacional e o direito internacional constitucional
RODRIGO PIRES FERREIRA LAGO
Peter Häberle afirma que “(…) hoje o Estado Constitucional e o Direito Internacional transformam-se em conjunto. O Direito constitucional não começa onde cessa o Direito Internacional”. E continua sustentando também o “contrário, ou seja, o Direito Internacional não termina onde começa o Direito Constitucional.” (HÄBERLE, Peter. Estado constitucional cooperativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. pp. 11 e 12)
A firme sentença do constitucionalista alemão reflete o atual momento vivido pelo direito constitucional e pelo direito internacional. Há cada vez mais pontos de interseção entre os dois ramos do direito, já não se podendo separar em absoluto um do outro.
O mundo vivencia a constante redução, ou mesmo o gradativo desaparecimento, das fronteiras entre as nações. O termo globalização vem sendo modernamente invocado para justificar o processo pelo qual os países começam a ceder em suas soberanias, na compreensão de que não vivem sem o mundo externo. É premente a necessidade mundial de que se encontre padronização a tudo, porque todo o planeta está conectado através de grandes redes, seja de computadores, seja de mídias eletrônicas, das mais antigas, como o telefone, o rádio e a televisão, às mais modernas, como a internet. E, porque não, uma rede de ordenamentos jurídicos que se cruzam, se entrelaçam, dialogam e se comunicam: uma rede de textos constitucionais.
A economia mundial já compreendeu essa necessidade, tanto que os mercados vão se adaptando a esse diálogo internacional, bem assim as indústrias. Chegou-se a ponto tal que um produto eletrônico hoje, p.e., é montado em um país, mas seus componentes são importados das mais diversas partes do mundo. É puro reflexo da globalização.
O fenômeno não ocorre apenas hoje, nem mesmo é exclusivamente contemporâneo. Tudo começou ainda no Século XV, timidamente, com as expedições mercantis, e desde então apenas evoluiu, com raras exceções de períodos de conflitos. E mesmo esses períodos horrorosos da história humana vem servindo mais para aproximar os povos, que para separá-los. Isso porque, sempre após a superação de momentos de tensão, geralmente localizados em algum território objeto de disputa, nasce a percepção da proclamação de direitos fundamentais, ou de outros regramentos, a evitar que o mal se repita. E esse reconhecimento, em regra, não ocorre apenas no âmbito local, mas se irradia aos demais ordenamentos jurídicos.
A questão do Estado Constitucional Cooperativo é mais recente, porquanto outrora cada Estado importava ao seu ordenamento determinados direitos contemplados em outros ordenamentos. Por este novo Estado Constitucional, aqui tido por aberto, começam a surgir comunidades e organismos internacionais. A Europa é o grande exemplo desse novo Estado Constitucional Cooperativo. Paulatinamente, os Estados promovem a abertura de seus ordenamentos constitucionais, transferindo a organismos internacionais parte de suas soberanias, formando espécies de confederação. Essa é a tendência, e essa tendência é necessária e inevitável. Outrora seria impensável reunir em torno de um ordenamento jurídico diversos Estados soberanos, desenvolvidos, como os europeus. Hoje, porém, isso é uma realidade.
Cada vez mais o direito interno, nos Estados, passa a ser ditado pelos tratados internacionais, lato sensu. Mesmo nas relações internas, é necessário compreender as normas internacionais às quais se vincula aquele Estado. Começa o diálogo normativo, compreendendo-se no direito interno as normas internacionais. Essa intersecção é cada vez mais presente.
Os Estados que se recusam a admitir esse processo de abertura constitucional, de cooperação, acabam ficando marginalizados e começam a sofrer enormes revezes, principalmente no âmbito do comércio e da economia externas. Esses revezes, é certo, repercutem internamente. Isso faz com que surja pressão interna para a abertura constitucional, e por isso se sustenta a inevitabilidade.
O Estado Constitucional Cooperativo, defendido por Peter Häberle, é inevitável, e cada vez mais constante. Pode ser interpretado como uma positiva relativização da soberania dos estados, em favor da cooperação entre os povos. Esse novo modelo de Estado Constitucional nasceu a partir da percepção da necessidade de diálogo entre ordenamentos jurídicos, criando-se uma rede de textos constitucionais, como conseqüência da globalização da economia mundial.
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RODRIGO PIRES FERREIRA LAGO é advogado, Conselheiro Seccional da OAB/MA, Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/MA, e fundador do site Os Constitucionalistas (www.osconstitucionalistas.com.br). Siga o autor no Twitter @rodlago e no Facebook.
O artigo está muito bom. Uma rede de textos constitucionais! É exatamente isso que já ocorre na Europa e deve ocorrer no resto do mundo em breve.