18.03.11
O segundo sexo, registro de candidatura e a subrepresentação política nas eleições de 2010
SAMIRA MERCÊS DOS SANTOS
Especial para Os Constitucionalistas
em homenagem ao Dia Internacional da Mulher
Dia 8 de março comemora-se o Dia Internacional da Mulher. Mais que apenas celebrar, é o momento de rememorar as batalhas e as conquistas e refletir sobre as lutas que hão de ser travadas no sentido de que o chamado “sexo frágil” alcance a plena igualdade de gênero.
Mais que um princípio, mais que um axioma a ficar no “mundo das idéias”, na práxis o que se vivencia é que a condição feminina sofre o influxo de sua sociedade, estratificada e masculina em sua excelência.
O patriarcado deixou a herança da mulher enquanto bem do homem bom. E superar essa condição é o desafio diário e permanente, celebrado neste dia 08 de março.
Em números as mulheres são a maioria da população brasileira[i], chefiam e garantem o sustento de seus familiares. Vem ao longo dos anos conquistando postos de destaque no mercado de trabalho, alcançam cargos políticos historicamente ocupados por homens.
Entretanto, a cada 2 minutos, 5 mulheres são espancadas no país[ii], mulheres são maioria entre jovens fora da escola e do mercado de trabalho[iii], das 450 maiores empresas brasileiras, apenas 3% possuem mulheres em posições de chefia[iv], a maioria das mortes por AIDS atingem mulheres de 15 a 49 anos[v], uma em cada sete mulheres brasileiras já realizou interrupção da gravidez[vi] e o aborto responde por 10% das mortes maternas[vii]
Na participação e representação política, não tem sido ínfimas as conquistas femininas. Desde a elegibilidade conquistada na Constituição brasileira de 1934, cresceu o número de mulheres ocupantes de cargos eletivos, graças a imposição legislativa, prevista na Lei n° 9.504/1997, que impôs aos partidos políticos que efetivem o princípio da igualdade de gênero[viii]. Contudo, no último pleito, restou demonstrado a grande dificuldade que os partidos submetem as mulheres no exercício de sua capacidade eleitoral passiva.[ix]
O ponto de partida extraí-se de breve análise do pronunciamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a consulta formulada pelo Grupo de Trabalho do Sistema de Candidaturas e Propaganda Eleitoral[x], acerca dos impactos das modificações trazidas pela Lei 12.034/09 ao sistema de candidaturas, para as eleições de 2010, especialmente quanto aos parâmetros para garantia da regra contida no artigo 10, §3°, da Lei n° 9.504/97.
Nesta consulta de relatoria do Ministro Arnaldo Versiani ficou deliberado que o Sistema CANDex deveria gerar as mídias atinentes aos pedidos de registro, bem como avisar ao partido ou coligação – no momento do preenchimento desses pedidos -, quanto ao não atendimento dos percentuais mínimo e máximo estabelecidos na referida disposição legal. Esta ocorrência viria indicada em relatório a ser oportunamente examinado no processo de registro, mais especificamente no processo principal alusivo ao Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP), bem como firmar a competência dos Tribunais Regionais Eleitorais para analise e decisão sobre a obrigatoriedade da regra legal atinente aos percentuais.
Mas foi quanto à discussão das consequências advindas do descumprimento do preceito legal que o Tribunal Superior Eleitoral perdeu o momento oportuno para deixar claro aos partidos e coligações que não seria tolerado conduta tendente a burlar a regra.
Após a relatoria, os Ministros que se manifestaram naquela Corte, todos do sexo masculino, demonstraram assombro quanto às decisões que causassem um generalizado indeferimento de candidaturas. A transcrição das falas dos Ministros e do Presidente do TSE demonstra que, pela ausência legal de sanção, o cumprimento do artigo 10, § 3°, da Lei 9.504/97 situava-se no campo da moral e que melhor observância a regra pelos partidos e coligações existiria se estivessem na Suíça.
Foi assim que os homens do Tribunal Superior Eleitoral decidiram.
Os Tribunais Regionais Eleitorais optaram por uma interpretação não literal da regra contida no artigo 10 da Lei n° 9.504/97, criando um novo §3° mitigado e sem qualquer sanção face ao descumprimento.
E esta distorção, não foi superada pela Jurisdição especializada. Ao contrário, permitiu que a muitas mulheres fosse negado o exercício da capacidade eleitoral passiva. A Justiça Eleitoral permitiu atos administrativos e decisões que não obrigaram os partidos políticos a observar a cota destinada a cada sexo.
No Tribunal Regional do Pará, só para exemplificar, a mitigação do preceito contido no artigo 10, §3°, da Lei n° 9.504/97 ocorreu através de normativa instrutória daquele tribunal:
RESOLUÇÃO N° 4.901 – INSTRUÇÃO Nº 1449-48.2010.6.14.0000 – PARÁ (Belém)
Relator: Desembargador RICARDO FERREIRA NUNES
Ementa: Lei nº 9.504/97, art. 10, § 3º. Percentual de 30% e 70% para cada sexo. Base de cálculo. Número de candidaturas possíveis.
Os percentuais de 30% (trinta por cento) e 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo (§ 3º do art. 10 da Lei nº 9.504/97) são calculados sobre o número de candidaturas possíveis. DJE de 28.7.2010 [grifei]
Apesar do controle realizado pelo Ministério Público Eleitoral, tal esforço não foi, no âmbito dos Tribunais Regionais Eleitorais, suficiente a garantir o aumento da representação feminina na política.
Destaque-se a manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, nos autos do Acórdão n° 39.249 (Registro de Candidatura n° 793-53.2010.6.19.0000), chamando atenção dos magistrados daquele Tribunal Regional para a burla ao dispositivo legal:
MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL PROCURADORA REGIONAL ELEITORAL SILVANA BATINI CÉSAR GÓES:
Senhor Presidente, Egrégia Corte, Senhores Advogados, gostaria de me manifestar somente para chamar a atenção de que as 18 mulheres anunciadas se referem àqueles requerimentos de registros de candidatura que foram por mim mencionados na primeira Sessão de julgamento de pedidos de registros.
No Partido Democrático Trabalhista – PDT, para um registro de candidatura masculino indeferido por falta de documentação temos 18 pedidos de registros de candidaturas femininas, que terão de ser rejeitados porque não possuem nenhum documento. Foram esses números que me impactaram bastante. A questão do DRAP do PDT já está superada, mas sinto-me na obrigação chamar a atenção.[grifei]
O Tribunal Superior Eleitoral, por mais de uma vez, pôde corrigir as distorções detectadas e que em sede de apelo recursal chegaram ao conhecimento de seus julgadores. No entanto, ultrapassados os prazos legais de filiação partidária, convenções e registro de candidatura, prevaleceu a irregularidade e a mitigação do princípio constitucional da igualdade de homens e mulheres no aspecto da representação política:
CANDIDATURAS – GÊNERO – PROPORCIONALIDADE. Deixando o partido político de esgotar as possibilidades de indicação de candidatos – artigo 10, cabeça, da Lei nº 9.504/1997 -, irrelevante é o fato de, na proporcionalidade entre homens e mulheres, surgir fração, ainda que superior a 0,5%, em relação a qualquer dos gêneros.
(Recurso Especial Eleitoral nº 64228, Acórdão de 08/09/2010, Relator(a) Min. MARCO AURÉLIO MENDES DE FARIAS MELLO, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 09/09/2010 )
Os julgados destacados indicam que há uma grande sub-representação feminina na política. É o que demonstrou a reportagem do Correio Brasiliense, que nas eleições de 2010, em “nove das 27 Unidades da Federação nenhum partido ou coligação conseguiu atingir o percentual mínimo de candidatas. Em outras quatro, só um partido apresentou 30% de candidaturas de mulheres. No total de coligações registradas, 22% obedeceram a regra, fazendo com que o déficit de candidatas em todo o país tenha chegado a 537”[xi].
Aguarda-se, contudo, que a ascensão da primeira mulher a presidência do Brasil estimule um ingresso maior de mulheres na política a fim de reverter o atual hiato de gênero na representatividade feminina e o nosso alcance da cidadania plena, completa em gênero, número e grau.
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SAMIRA MERCÊS DOS SANTOS é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais e Promotora de Justiça do Estado do Maranhão.
NOTAS
[i] Dados do CENSO 2010 do IBGE. Em números absolutos, somos 190.732.694 brasileiros, destes 97.342.162 são mulheres e 93.390.532 são homens. (http://www.censo2010.ibge.gov.br/primeiros_dados_divulgados/index.php).
[ii]http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1386:21022011-a-cada-2-minutos-5-mulheres-sao-espancadas-no-brasil&catid=43:noticias
[iii]http://agenciabrasil.ebc.com.br/ultimasnoticias?p_p_id=56&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-1&p_p_col_count=1&_56_groupId=19523&_56_articleId=3179069
[iv]http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/images/stories/PDF/noticias2011/not_deolho/folhasp30012011_ainda_poucas_editorial.pdf
[v]http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/images/stories/PDF/noticias/not_hiv/bbcbrasil030310.pdf
[vi] http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/images/stories/PDF/noticias/not_aborto/folhasp220510.pdf
[vii]http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/images/stories/PDF/noticias/not_aborto/correio06092010_obitos_maternos_aborto.pdf
[viii] Art. 10. Cada partido poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais, até cento e cinqüenta por cento do número de lugares a preencher.
§ 1º No caso de coligação para as eleições proporcionais, independentemente do número de partidos que a integrem, poderão ser registrados candidatos até o dobro do número de lugares a preencher.
§ 2º Nas unidades da Federação em que o número de lugares a preencher para a Câmara dos Deputados não exceder de vinte, cada partido poderá registrar candidatos a Deputado Federal e a Deputado Estadual ou Distrital até o dobro das respectivas vagas; havendo coligação, estes números poderão ser acrescidos de até mais cinqüenta por cento.
§ 3o Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)
§ 4º Em todos os cálculos, será sempre desprezada a fração, se inferior a meio, e igualada a um, se igual ou superior.
[ix]http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/images/stories/PDF/noticias/not_politica/correio110810_suficienteparaencher.pdf
[x] Para consultar o inteiro teor, trata-se do processo administrativo 1198-20.2010.6.00.0000 no Tribunal Superior Eleitoral(TSE),
[xi]http://www.feminismo.org.br/livre/index.php?option=com_content&view=article&id=1990:30-de-cota-para-generos-e-para-valer&catid=58:violencia&Itemid=386