22.11.12
O novo superego de um Brasil órfão
“Hey, Hey, Hey…, Joaquim Barbosa é o nosso rei!” – era o que dizia uma pichação imensa em tinta preta grafada no tapume ao redor da construção que sediará o Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), do governo do Estado do Rio de Janeiro, no bairro Cidade Nova. Sobre o “R” de rei havia o desenho de uma coroa real, símbolo da autoridade monárquica.
A frase mostra o estado de espírito de boa parte dos brasileiros por ocasião da posse do Ministro Joaquim Barbosa no assento da Presidência do Supremo Tribunal Federal.
Joaquim Benedito Barbosa Gomes assume o comando da Suprema Corte em circunstâncias inéditas em toda a história republicana. Nunca um brasileiro ascendeu a esse posto granjeando tamanha popularidade e envolto num universo de aparente deslumbramento cívico com as anunciadas maravilhas da democracia constitucional.
Na mesma semana da pichação na cidade do Rio de Janeiro, uma foto do Ministro Joaquim ao lado da cantora Marisa Monte circulou nas redes sociais. Seria possível supor que o Ministro quis mostrar o seu lado ‘tiete’ posando junto à grande artista. Não! Quem divulgou a foto foi a própria Marisa Monte por meio da hashtag “verdadeumailusão”, referência ao seu show. A foto recebeu mais de 780 comentários, foi compartilhada 1.070 vezes e foi “curtida” por mais de 14.000 pessoas.
Qual a razão do fenômeno Joaquim Barbosa? Por que um juiz conquistou a admiração dos brasileiros dessa forma? Qual o elo entre o Ministro e boa parte da população? Como o século XXI pode ser o grande século do Judiciário no Brasil?
A resposta não é fácil e certamente percorreria várias áreas da investigação científica. Todavia, essa “onda de esperança” depositada num líder do Poder Judiciário coloca o país num momento histórico, pois aponta, pela primeira vez, para a encarnação da liderança pública numa única pessoa detentora de um enorme poder, mas desprovida de mandato popular. O povo aclama aquele que, por definição, não está ali para representar o povo, uma vez que se trata de um juiz.
Como sabemos, cabe ao Presidente do Supremo Tribunal Federal estabelecer a agenda da Corte, ou seja, pautar os casos liberados para julgamento. Em tempos de consolidação de uma cultura de exigibilidade de direitos, a agenda do STF é tão impactante quanto a do Congresso Nacional e, possivelmente, mais do que a do Poder Executivo. A diferença é que, no Congresso, a responsabilidade da decisão é dividida com quase 600 brasileiros. No STF, 6 são suficientes, uma vez que esse é o número da maioria necessária para proferir decisão acerca de um caso concreto no Plenário da Casa.
Não seria uma ficção concluir que temos um brasileiro incrivelmente popular, dotado de grande poder, lançado ao topo do mais poderoso braço do Estado nesse início de século, o Judiciário.
A socióloga alemã Ingenborg Maus afirma que essa ascensão do Poder Judiciário como ‘terceiro poder’ traz consigo inúmeros “traços da imagem paterna clássica”. O paternalismo teria origem na derrubada das monarquias, que dirigiu o povo para os líderes não-monárquicos. A desesperança veio com a queda dos grandes ditadores. Aqui e acolá um presidente da República encarnou esse papel de pai da coletividade, a exemplo de Franklin Delano Roosevelt, nos Estados Unidos, mas sempre enfrentando crises de legitimidade em razão dos freios e contrapesos inerentes aos modelos democráticos.
Abandonadas e carentes da figura do “grande pai” enquanto encarnação da unidade política, as pessoas passaram a depositar suas crenças nas ações dos parlamentos. Todavia, percebeu-se que o processo decisório nas casas legislativas é demorado e tortuoso. Também ficou claro que a liderança num espaço tão amplo fica muito fragmentada, dificultando o aparecimento de líderes que representem aquela unidade política. Não sem razão o tempo colocou abaixo a ideia de soberania do Parlamento aparentemente imortalizada na Inglaterra e França.
Surge, nesse espaço vazio, o Judiciário, qualificado por Maus como “superego de uma sociedade órfã de pai”.
O Ministro Joaquim Barbosa, agora Presidente do órgão de cúpula do Poder Judiciário, seria, por essa perspectiva, aquele pai rigoroso e implacável que a sociedade brasileira deixou de ter há tempos, ou que talvez jamais tenha tido.
A liderança por ele exercida diante de temas negligenciados pelos líderes políticos atuais, como a corrupção – o maior deles – lhe conferiu um papel jamais visto no imaginário popular. O Brasil, por meio do Ministro Joaquim, teria encontrado uma voz que conta com ampla exposição pública para se manifestar contra a cultura do cambalacho e do odioso ar de escracho que envolveu nossa trajetória.
Esse viés já foi suprido outras vezes na história recente. Basta recordar que discursos seguidos de ações moralizadoras compuseram mais de uma vez o perfil de liderança daqueles alçados ao posto máximo do Executivo. Mas, no Judiciário, creio ser a primeira vez que isso ocorre.
Maus adverte que essa ascensão confere ao Judiciário uma compreensão por parte da população com traços de veneração religiosa. Seria a “Teologia da Constituição”. Ou a “Teologia da Lei Fundamental”.
De fato, o discurso constitucional atual assume, em alguns momentos, perspectivas messiânicas. A Constituição é alçada ao patamar de documento sacrossanto e, evidentemente, quem tem competência para interpretá-la e aplicá-la – os juízes – assume postos sagrados.
Um exemplo da autoridade também retórica que a Constituição passa a assumir em debates acirrados é a resposta que o Ministro-Revisor, Ricardo Lewandowski, deu ao Ministro Joaquim Barbosa, por ocasião da dosimetria das penas aplicadas aos condenados na AP 470 (caso Mensalão). Na oportunidade, o Ministro Joaquim afirmou: “A minha lógica não é a de Vossa Excelência”, no que ouviu do Ministro-Revisor: “A minha lógica é a da Constituição”. Esse tom de arremate do debate quando se invoca o nome “Constituição” tem sido visto com frequência no STF.
O jurista Erich Kaufmann, em referência à realidade alemã pretérita, deixou um registro curioso: “com a supressão da monarquia, perdeu-se um símbolo de unidade importante para o povo alemão e, como substitutivo, oferecem-se os direitos fundamentais da nova Constituição – e seus intérpretes, os juízes”.
A popularidade do Ministro Joaquim Barbosa, portanto, pode ser explicada à luz da sociologia, bem como diante de olhares comparativos com realidades estrangeiras.
Esse fenômeno, no Brasil, assume um novo viés e possibilita, agora, que a análise do comportamento do Judiciário não se dê mais somente por meio dos estudos de decisões ou mesmo da análise da lei ou da Constituição. O que passa a ocorrer é a deferência cada vez maior aos “Olympians of the Law” que, por meio de suas biografias, passam a influenciar os rumos da nação, mesmo sem mandatos populares.
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SAUL TOURINHO LEAL é pesquisador-visitante na Universidade Georgetown, EUA. Atuou como ‘Expert Internacional’ junto a Comissão de Implementação da Constituição do Quênia, África. Doutorando em Direito Constitucional na PUC/SP.
Fotos: Agência Brasil e Secretaria de Comunicação do Supremo Tribunal Federal.
Excelente artigo!
É tão absurdo assim considerar um ministro como representante do povo, ainda que ele não tenha sido eleito? Abs.
O Joaquim Barbosa é um exemplo de honestidade e caráter que há muito falta no Brasil. Os exemplos que temos dos membros dos poderes legislativo, executivo e judiciário são os piores que poderíamos ter em um país tão grandioso como é o Brasil.
Agora só basta torcemos para que o Ministro instaure um novo tempo de transparência e eficiência no judiciário corporativista e antiquado brasileiro.
Como sabemos, cabe ao Presidente do Supremo Tribunal Federal estabelecer a agenda da Corte, ou seja, pautar os casos liberados para julgamento. Em tempos de consolidação de uma cultura de exigibilidade de direitos, a agenda do STF é tão impactante quanto a do Congresso Nacional e, possivelmente, mais do que a do Poder “Executivo. A diferença é que, no Congresso, a responsabilidade da decisão é dividida com quase 600 brasileiros. No STF, 6 são suficientes, uma vez que esse é o número da maioria necessária para proferir decisão acerca de um caso concreto no Plenário da Casa.”
A história brasileira demonstra que 600 incapazes podem muito bem ser substituídos pelos Ministros do Supremo.
Eu poderia citar dezenas de decisões do legislativo que demonstram a total incapacidade dessas pessoas em exercer suas atribuições.
Com a devida vênia, essa comparação apresentada pelo autor foi no mínimo infeliz. Ela pode ser até válida no mundo do ser, mas no Brasil ela é ABSOLUTAMENTE errada.
Prezados,
O Ilustre Ministro Joaquim Barbosa, foi eleito pelos seus pares e é mérito pessoal dele, pois temos um Ministro que vai ao encontro com o anseio da sociedade.
Não devemos ter em qualquer escalão seja no Executivo, Legislativo ou Judiciário, pessoas que maculam em benefício próprio. Isto deve ser banido custe o que custar o Brasil tem que passar por estas mudanças necessárias e urgentes.
A resposta das últimas decisões no STF foram para dar a sociedade o mínimo de respeito que merecemos. Aliás, sociedade esta como eterna contribuinte.
E vale destacar o discurso de posse do Ministro Joaquim:
“Nem todos os brasileiros são tratados com igual consideração quando buscam a Justiça.” isto é a mais lídima verdade.
Desta forma, tenho certeza que a gestão do Ministro Joaquim Barbosa, será sem sofismo.
Boa Sorte!
A população brasileira está carente de ‘super-heróis’, e o destemperamento do Joaquim Barbosa está suprindo essa carência. Logo será lançado um longa tipo “O homem que mudou a Suprema Corte”.