31.05.10
Um Ministério Público amordaçado e a inconstitucionalidade do projeto de lei do Maluf
RODRIGO PIRES FERREIRA LAGO
e RODRIGO FRANCELINO
Tramita na Câmara dos Deputados o PL n° 265/2007, de autoria do Deputado Federal Paulo Maluf (PP/SP), que, se aprovado, receberá o apelido de Lei da Mordaça ou Lei do Maluf. Pelo texto original do projeto, pretendia-se a alteração tópica de três leis essenciais à responsabilização dos agentes públicos. Demonstra-se aqui a inconstitucionalidade do texto original do projeto, bem como a da atual redação da proposta legislativa.
A ementa assenta como objeto da proposição “deixar expressa a responsabilidade” pelo manejo imprudente de ações populares, civis públicas ou civis por ato de improbidade administrativa. O projeto pode ser assim resumido:
a) modifica o artigo 13 da Lei n° 4.717/1965 (Lei da Ação Popular). Com a mudança, a condenação ao décuplo das custas, antes cominada apenas aos casos de lide manifestamente temerária, passaria a alcançar também os casos de “má-fé, intenção de promoção pessoal ou visando perseguição política”;
b) altera o artigo 18 da Lei n° 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública). Segundo a redação proposta, além das hipóteses de “comprovada má-fé”, a condenação do autor em “custas, emolumentos, despesas processuais, honorários periciais e advocatícios” alcancaria também os casos em que se demonstre a intenção de “promoção pessoal ou perseguição política”. E mais ainda, serviria a lei para expressar que também pode ser destinatário desta condenação o “membro do Ministério Público”, o que antes era apenas a “associação autora”;
c) substitui o tipo penal previsto no artigo 19 da Lei n° 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa). Seria considerado crime não apenas a denunciação caluniosa de ato de improbidade feita por particular, como também a propositura da ação, e ainda inserindo a propositura de lide temerária como núcleo do tipo. Também se busca dar novo texto ao parágrafo único do citado artigo, para deixar expresso que o membro do Ministério Público também pode incidir no tipo penal, e mais além, se sujeitar ao dever de indenizar a vítima da litigância de má-fé.
Consta da exposição de motivos do projeto de lei que frequentemente “ações civis públicas são propostas com denotada intenção política de ataque a determinado administrador ou gestão”, ou que “ações de improbidade são ajuizadas de maneira indiscriminada” para atender o “clamor de alguns agentes públicos que buscam mais holofotes”, em detrimento da verdade. Considera o autor da proposição que este abuso tem como intuito inviabilizar a Administração Pública ou causar “situações vexatórias” incontornáveis às autoridades acusadas.
Este projeto de lei, tal como proposto, especificamente quanto à responsabilização expressa, inclusive criminal, dos membros do Ministério Público, é inconstitucional.
A proposta legislativa ora em análise volta-se confessadamente contra o membro do Ministério Público no exercício do mister de manejo dos instrumentos constitucionalmente assegurados à proteção do patrimônio público (CR/88, art. 129, III).
A Constituição da República dispõe que a Administração Pública pode ser responsabilizada, objetivamente, pelos danos que cause a terceiros, ainda que se trate de atos lícitos (responsabilidade civil por ato lícito). Tal regra, com mais razão, se aplica também aos atos ilícitos. Ou seja, quando os danos são causados não pela execução da lei, mas exatamente pelo seu descumprimento.
Na hipótese de atos ilícitos, resguarda-se ao Estado o direito de regresso contra o agente público, caso comprovada a culpa (CF, art. 37, §6°). E essa regra se estende ao membro do Ministério Público, pois não haveria razões para assim não ser.
Além da responsabilidade civil, também este sujeita as suas condutas ao regramento disciplinar, quando age divorciado do interesse público, ou voltado à satisfação de um interesse mesquinho, particular. É exatamente a hipótese quando se comprova a sua atuação em nítida má-fé, ou quando há intuito pessoal de perseguição política.
Ainda há a possibilidade de responsabilização do membro do Ministério Público na esfera penal. Isso ocorrerá quando se comprovar que a propositura da ação serviu-se puramente a perseguições políticas ou interesses pessoais. É o caso de abuso de poder. A sua conduta poderá amoldar-se, exemplificativamente, ao tipo do crime de prevaricação, previsto no artigo 319 do Código Penal: “Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.
Feitas essas considerações, surge o questionamento: por que a proposta de alteração legislativa? O que pretende o projeto é exatamente a execração do membro do Ministério Público que patrocinar uma ação civil pública ou uma ação por ato de improbidade. Em certa parte, se aprovado o projeto, funcionará como uma legislação simbólica, mas de efeito negativo. É que apenas coloca expressamente a sujeição do membro do Ministério Público a alguma pena por usar do cargo para a perseguição política. Serviria como uma espécie de intimidação.
O Ministério Público é uma das mais importantes instituições do País. A ele foi conferido pela Constituição da República amplos poderes em defesa dos interesses difusos, especialmente o meio ambiente, a ordem jurídica e o patrimônio publico. As modificações legislativas propostas pelo Deputado Paulo Maluf apenas servirão a inibir os membros do Ministério Público na propositura de ações em defesa do patrimônio do povo. Ficarão os promotores e procuradores receosos da interpretação que venha a ser dada à sua conduta. Bastará que impliquem à estes a pecha de litigante de má-fé para torná-los criminosos e devedores de multa processual.
Não se defende a ausência de responsabilização, ou a incontrolabilidade, dos atos praticados por membros do Ministério Público. Eles devem ser punidos quando usarem dos seus cargos para perseguição política ou para mera promoção pessoal. Essas hipóteses configuram o desvio de finalidade. E não se pode comungar com essas práticas, que, infelizmente, ainda ocorrem.
Mas essas condutas já são alcançadas pela lei vigente, quer como crime de prevaricação (CP, art. 319), quer como infração disciplinar (LC 75/93, art. 236). Também merece destaque a criação do Conselho Nacional do Ministério Público (CR/88, art. 130-A, §2°), apesar de ainda ser tímida a sua atuação. Mas não é o caso de se criar novas normas, mas sim de fazer cumprir as já existentes.
Também não se recusa a possibilidade do membro do Ministério Público de ser acionado em regresso para ressarcir os cofres públicos (CR/88, art. 37, §6°), em casos extremos.
Como previsto na redação original do projeto de lei, aumenta-se o campo de tipificação penal, apesar de se reduzir a pena máxima em relação à do crime de prevaricação. Posto apenas isso, já não se vê razoabilidade na proposta legislativa.
Mais que isso, não é aceitável a intimidação expressa e confessada dos membros do Ministério Público, que relevantes serviços prestam à nossa República. O texto original do projeto de lei fere o artigo 127, §1°, da Constituição da República exatamente quando acaba por mitigar a independência da Instituição e de seus membros.
Comentando o artigo 128 da Constituição, PAULO GUSTAVO GONET BRANCO acentua que a “relevância da sua atividade para o regime republicano democrático indica a necessidade de preservar o membro do Ministério Público de temores e de perseguições que lhe inibam o exercício funcional desassombrado”. [1]
No direito penal, é princípio implícito que se deve intervir minimamente. Só é razoável tipificar alguma conduta como crime quando extremamente necessário. E não se vislumbra a necessidade de maior intervenção estatal específica no caso, máxime quando já existem outros instrumentos para a punição de membros do Ministério Público. Seja assim no campo disciplinar, seja mesmo nos campos cível e penal.
Em obra dedicada ao tema do direito penal mínimo, ANA CLAUDIA PINHO sustenta que o poder de punir não é ilimitado. A autora ressalta que a criminalização das condutas deva ser feita racionalmente, sobretudo quando se tem em nossa República o princípio da dignidade humana como um de seus alicerces (CR/88, art. 1°, III). [2]
E por que só o membro do Ministério Público merece ter expressa ou reforçada a sua responsabilidade? Por que não se incluiu também o membro do Poder Judiciário, quando aja em consórcio com este? Por qual razão o tratamento entre ambos, promotor e juiz, seria distinto?
Não é razoável a diferença de regime jurídico entre estes agentes públicos. Se é certo que há maus promotores, também há maus juízes.
A violação ao princípio da isonomia é ainda mais acentuada quando confrontada a hipótese com a de uma ação proposta por quaisquer dos outros legitimados (Lei n° 8.429/92, art. 17). Nesses últimos casos, a mesma conduta seria atípica. O advogado ou o procurador (advocacia pública) que subscrevesse a petição inicial, quando não proposta pelo Ministério Público, não seriam alcançados pelo tipo penal.
Por qual razão atinge-se o membro do Ministério Público e não se tipifica a conduta do advogado? O que diferenciaria esses dois personagens do processo judicial a justificar um tratamento diferenciado?
Dito tudo isso, a proposta de modificação legislativa viola também o princípio da isonomia (CR/88, art. 5°).
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, porém, suprimiu o artigo 4° do Projeto de Lei n° 265/2007. Era exatamente esse dispositivo que alterava a Lei n° 8.429/92 para tornar crime a conduta do membro do Ministério Público.
Por 28 votos contra 14, foi aprovado um destaque de autoria do Deputado Federal Flávio Dino (PC do B/MA), de forma que pela redação atual do projeto já não consta qualquer alteração à Lei de Improbidade Administrativa. Estaria afastada, ao menos essa, a ofensa ao texto da Constituição.
Entretanto, não se descarta a possibilidade dos parlamentares de reavivarem o artigo 4° do texto original do projeto de lei. Isso pode ocorrer nas fases seguintes do processo legislativo. Nem sempre algum deputado socorrerá os interesses republicanos.
Ressalte-se, porém, que outras ofensas ao texto constitucional permanecem. É o caso da pretensa modificação ao texto da Lei n° 7.347/85, que trata da ação civil pública. Nesse ponto, pretende-se a extensão ao membro do Ministério Público das penas processuais de “pagamento de custas, emolumentos, despesas processuais, honorários periciais e advocatícios” quando “a ação for temerária ou for comprovada má-fé, finalidade de promoção pessoal ou perseguição política”. Essa pretensão também ofende a Constituição da República.
Quando a ação for proposta por um particular, como no caso das associações (Lei n° 7.347/85, art. 5°, V), é aceitável impor a pena à parte no próprio curso do processo. É que, enquanto parte na causa, terá ele acesso às instâncias recursais. E nestas será possível exercer o contraditório ao se impugnar a sentença. Entretanto, não se pode afirmar o mesmo quando a ação é proposta pelo Ministério Público. Em geral, quando da sentença, não é mais o mesmo membro do Ministério Público quem oficiará perante o juízo originário. Dessa forma, não será deferido a este o direito de recorrer da decisão que o condena nos ônus da sucumbência.
O impedimento ao acesso às vias recursais será ainda mais flagrante quando a causa já estiver na segunda instância. Nesse caso não terá ele legitimidade de recorrer, menos ainda de sustentar oralmente as razões de recurso.
A alteração da lei, se aprovada, diminuirá a independência do Ministério Público. Este passará a ser indevidamente tolhido em suas atribuições, sujeitando-se a um controle desnecessário, e por forma equivocada. Basta ver que, de uma forma geral, os servidores públicos só respondem por danos causados quando comprovada a culpa no bojo de um processo em que garantidos a ampla defesa e o contraditório (CR/88, art. 5°, LIV e LV). E estas garantias não são atendidas em um processo que tem como fim a verificação do próprio ato de improbidade, em que a parte será o Ministério Público, e não o seu membro.
De outro lado, se outorgaria a um juiz a autoridade de disciplinar um membro do Ministério Público. Essa possibilidade é de toda descabida, diante do papel constitucional desta importante Instituição da República, desvinculada do Poder Judiciário.
Em análise da ADI n° 3026, que impugnava dispositivos da Lei n° 8.906/1994 (Estatuto da OAB), o Ministro Eros Grau citou parecer de DARIO DE ALMEIDA MAGALHÃES, datado de 1950, para quem:
A posição da Ordem, o papel que lhe foi destinado, a autoridade de que se reveste, as responsabilidades que lhe incumbem, não se coaduna, porém, com qualquer forma de tutela administrativa.
A sua independência lhe é essencial, não só a dignidade de instituição, como à própria eficiência de sua atividade peculiar. A independência da Ordem protege a independência do advogado; e sem esta a profissão decai de sua grandeza e de sua utilidade social. [3]
Por certo, tratava o caso de afirmar a independência da Ordem dos Advogados do Brasil, considerando seu relevante papel na República. Assentou-se a natureza jurídica peculiar da OAB em nosso ordenamento. Mas pede-se vênia para emprestar desse julgado apenas a discussão acerca da sua independência. Seja mesmo por analogia, não se pode submeter os membros do Ministério Público a uma tutela desnecessária. Isso não deve ocorrer, menos ainda, perante um órgão estranho à sua estrutura, como o Poder Judiciário. Mas é exatamente o que ocorreria caso vigente o texto legislativo proposto.
Com a conversão do projeto em lei, passaria o membro do Ministério Público a ser disciplinarmente tutelado por um juiz, que poderia lhe cominar uma pena de multa. Já não basta a tutela disciplinar de seus próprios órgãos? Ou até de um órgão como o Conselho Nacional do Ministério Público, que tem em sua composição membros estranhos à sua classe? Será necessário impor mais um controle aos membros do Ministério Público, que passariam a sofrer punições processuais, como se partes fossem.
A doutrina de JOSÉ AFONSO DA SILVA comenta o disposto no artigo 127, §1°, da Constituição da República, a contemplar a independência funcional dos membros do Ministério Público:
A “independência”, em si, é um conceito absoluto, que indica desvinculação completa; quem a tem não deve obediência a nada. Mas a independência, quando qualificada, significa apenas não subordinação no campo da qualificação. Portanto, “independência funcional” quer dizer apenas que no exercício de sua atividade-fim o membro do Ministério Público, assim como seus órgãos colegiados, tem inteira liberdade de atuação, não fica sujeito a determinações superiores, e só deve observância à Constituição e às leis. [4]
Como garantir minimamente uma independência funcional ao membro do Ministério Público quando se admite a sua censura por um órgão estranho à Instituição? Isso ocorreria quando um juiz aplicasse a multa processual que se pretende ver estendida à ele. Mostra-se violador do texto da Constituição o projeto de lei do Deputado Federal Paulo Maluf (PP/SP). Verdadeiramente, a proposta constitui-se como uma Lei da Mordaça. Tenta-se calar, pelo medo, os promotores e procuradores.
CONCLUSÃO
O projeto de lei apresentado pelo Deputado Federal Paulo Maluf (PP/SP) mostra-se inconstitucional quanto à pretensão de indevida tutela da independência que gozam os membros do Ministério Público. A ofensa ao texto constitucional se dá quanto ao próprio artigo 127, que deu nova roupagem ao Ministério Público, a partir de 1988. Afinal, trata-se de um órgão estranho a quaisquer dos Poderes, com outorga de garantias próprias (CR/88, art. 128, §5°, incisos), e expressa independência funcional (CR/88, art. 127, §1°).
Sob outro fundamento, há também violação ao texto da Constituição quanto ao tratamento diferenciado que se pretende impor aos membros do Ministério Público. Isso ocorre porque a mesma pretensão não se estenderia em relação aos membros da magistratura e da advocacia, ferindo o artigo 5°, caput, da CR/88. E quanto à extensão ao membro do Ministério Público de pena pecuniária por litigância de má-fé nas ações civis públicas ter-se-á ainda, além dos fundamentos acima citados, a ofensa aos postulados do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório (CR/88, art. 5°, LIV e LV).
NOTAS
[1] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 1143.
[2] PINHO, Ana Cláudia Bastos de. Direito penal e estado democrático de direito : uma abordagem a partir do garantismo de Luigi Ferrajoli. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2006.
[3] MAGALHÃES, Dario de Almeida apud BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3026. Tribunal Pleno. Relator: Min. Eros Grau. Brasília, DF, 08-06-2006. Publicado no DJ de 29-09-2006. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/util/obterPaginador.asp?numero=3026&classe=ADI>. Acesso em: 24 de maio de 2010.
[4] SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 2ª ed. – São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 596.
Links sobre o tema:
a) a tramitação do PL n° 265/2007 (Lei da Mordaça);
b) o texto original do PL n° 265/2007; e
c) a redação atual do PL n° 265/2007, após ser acolhido um destaque supressivo proposto pelo Deputado Federal Flávio Dino (PC do B/MA).
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RODRIGO PIRES FERREIRA LAGO é advogado, Conselheiro Seccional da OAB/MA, Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/MA, e fundador do site Os Constitucionalistas (www.osconstitucionalistas.com.br). Siga o autor no Twitter @rodlago e no Facebook.
RODRIGO FRANCELINO Alves é advogado, sócio do escritório Franco, Gomes, Alves e Sousa Advogados, pós-graduando em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP, professor de Direito do Consumidor e de Lei Orgânica do DF, e fundador, administrador e colaborador permanente do blog Os Constitucionalistas.
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Bom dia Constitucionalistas.
Sem embargo de todos os demais argumentos contrários lançados por vcs, inquestionáveis por sinal, a medida apenas agrava o que Raúl Cervini chama de “inflação legislativa penal” (Os Processos de Descriminalização, tradução da 2ª edição espanhola. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995. Pág. 192).
Raúl Cervini diz ainda que “… cada vez que se recorre a via punitiva com a pretensão de solucionar um conflito, está se reconhecendo um fracasso coletivo, pois, intrinsecamente, a pena representa um mal que deve ser evitado na medida do possível. … O legislador deve ter isto presente na hora de criar novas normas penais ou ao ponderar a real necessidade de das muitas já existentes, tomando consciência de que não deve buscar a solução fácil da via punitiva para erradicar problemas ante os quais não se tentou ainda todas e cada uma das estratégias extrapenais aconselháveis, nem menos todavia, para tranquilizar o eleitorado ante o aparecimento de alterações sociais. Em suma, o Direito Penal não deve ser um ‘remendo’ de desajustes sociais incipientes mas sim o último recursos da comunidade.” (Os Processos de Descriminalização, tradução da 2ª edição espanhola. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995. Pág. 194).
Parabéns pelo artigo, parabéns pela postura.
Abs.
Tenho sérias dívidas quanto a afirmação de inconstitucionalidade. Não vejo ataque à instituição Ministério Público, busca-se tolher a atividade de integrantes da instituição que se utilizam do cargo em benefício próprio ou para atuação político-partidária.
Em minha opinião, longe de ofender o art. 129, III da CF, o referido projeto busca impor o princípio da impessoalidade (art. 37 da CF) a indivíduos que manejam a máquina estatal de forma arbitrária, distanciando sua a atuação do propósito constitucional do cargo.
Vale ressaltar, que as hipóteses de incidência normativa das sanções previstas no texto do Projeto de Lei são restritas, não alcançando a simples improcedência do pedido. Para a referida norma ser aplicada é necessário a comprovação do dolo do agente público.
Não me impressiona a possibilidade de fundamentar-se a postulação de ressarcimento na responsabilidade civil objetiva do Estado, o qual tem direito de regresso ao integrante do MP. Ora, mesmo que a reparação civil seja julgada procedente, o ponto primordial – punir o malversador do poder público – inexiste nesta hipótese.
Outro argumento que me parece irrelevante é a possibilidade (com a atual legislação) de utilizar-se os tipos de “abuso de poder” e “prevaricação”. A necessidade de norma específica é juízo de valor que pertence ao legislativo, sendo vasto – em nosso sistema – tipos distintos para agentes diversos.
Ademais, localizo um gap entre o argumento lançado no texto e a conclusão. Não faz sentido que seja de interesse da instituição Ministério Público que integrem seus quadros indivíduos que dessorem a instituição com atuações abusivas.
Também não vejo viabilidade no argumento de intimidação. Somente aqueles que andam na zona cinzenta da atuação político-partidária ou utilizam-se desta valorosa instituição para autopromoção, serão atingidos pela norma.
O “desassombramento” da atuação do membro do Ministério Público não se confunde com irresponsabilidade civil/penal/administrativa ou com ode á conduta arbitrária.
Não há dúvida que esta é uma das instituições de maior responsabilidade da República, tendo um poder estabilizante na democracia brasileira.
Ocorre que, quanto maior a responsabilidade, o poder e a relevância, mais abrangente deve ser o controle – pela sociedade – dos integrantes da instituição.
Por fim, é primazia da democracia, todos estão sujeitos ao crivo do judiciário, nenhuma instituição ou pessoa pode reputar-se por irresponsável juridicamente.
Esqueci de um último comentário.
Creio que se este projeto tivesse sido subscrito pelo Senado Pedro Simon, ou por outro parlamentar com uma conduta irreprochável, não haveria tanto debate sobre o tema.
Caro Gustavo,
Seu argumentos são igualmente fortes. Continuo pensando ser inconstitucional. Dizer que todos se sujeitam ao Judiciário é correto. Mas se deve obedecer o devido processo legal, com as garantias do contraditório e da ampla defesa. São princípios tão caros em nosso Estado Constitucional Democrático, mas que devem ser preservados.
Obrigado por enriquecer o debate.
Rodrigo Lago