Viviane Nóbrega Maldonado
21.08.12

Liberdade de expressão e as meninas do Pussy Riot

 

Nestes últimos dias, a comunidade internacional assistiu, estarrecida, a um clássico exemplo de clara infringência ao fundamental direito da liberdade de expressão.

Não me considero apta a tecer considerações de natureza política tendentes a explicar tal episódio. Inobstante tal fato, porém, e mesmo sem o amplo conhecimento das razões e das particularidades da questão, é possível afirmar, sem qualquer exagero, que o evento ocorrido com as meninas do Pussy Riot contrapõe-se ao senso comum e segue na contramão de direção da esmagadora maioria das nações.

Do quanto inferi de matérias jornalísticas, a prisão e a condenação das três jovens integrantes da banda tomaram por base, fundamentalmente, a existência de vandalismo. Não conheço o ordenamento jurídico russo, mas parece intuitivo que atos de vandalismo dizem respeito à destruição física de bens, públicos ou privados. No vídeo, que se acha disponível no YouTube, inclusive em sua versão original, não há nada que aponte para esse sentido. Com efeito, sem valorar o bom gosto ou não da atuação, tudo o que se vê ali é a performance das moças entoando e “interpretando” a oração-punk “Virgem Maria, livrai-nos do Putin” no interior da Catedral Ortodoxa.

O cônsul russo em São Paulo, ao conceder entrevista ao site “Gazeta Russa” no dia 20/8, classificou o ato de “um insulto, uma injúria, uma incitação ao ódio” e recomendou, em referência às moças que protestaram em frente a seu local de trabalho, que “a próxima vez que vierem desnudar-se na frente do consulado façam dieta se querem parecer com aquelas moças da Ucrânia que mostram suas bondades. Devem comer menos pão” (sic). Neste particular, chega a ser curioso que a preconceituosa, deselegante e explícita observação de cunho estético tenha partido de quem se opõe com tanta veemência à liberdade de expressão.

É claro que as moças da banda buscavam notoriedade e que o apelo puramente político é perfeitamente discutível. Mas encarcerar as cantoras pelo período de dois anos parece ser mesmo um exagero, como protestaram diversos representantes de países europeus, que tiveram a oportunidade de relembrar que a Rússia é signatária da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Catherine Ashton, chefe da diplomacia europeia, disse em comunicado: “Estou muito decepcionada com o veredicto”. Para ela, o resultado “vai contra as obrigações internacionais da Rússia no que se refere à liberdade de expressão”. E rematou: “O caso põe um ponto de interrogação sobre o respeito da Rússia às obrigações internacionais sobre processos legais justos, transparentes e independentes”.

Em fevereiro deste ano, a Resolução do Parlamento Europeu nº 2.505/2012, em seu item 2, exortou a Rússia a  “respeitar as suas obrigações no domínio dos direitos humanos e do Estado de Direito enquanto membro do Conselho da Europa e da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE)”.

Pelo visto, a recomendação não surtiu efeito, tal como também se viu no julgamento da última sexta-feira, em que o Tribunal Superior de Moscou decidiu manter proibidas pelos próximos cem anos quaisquer celebrações públicas organizadas por defensores dos direitos LGBT. Tal proibição já existia, mas sua validade se encerrava este ano. Com a decisão do dia 17/8, a ordem judicial se estende, a partir de agora, para o ano de 2112, o que ensejará, por parte do ativista Nikolai Alexeyev, recurso junto ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos.

Daqui, aguardaremos as cenas dos próximos capítulos. Por enquanto, recomendo que o leitor assista ao vídeo da prisão do enxadrista russo Garry Kasparov, que, por ocasião de sua manifestação pública em favor da liberdade das moças, foi acusado de morder um policial. Isto também eu não vi.

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VIVIANE NÓBREGA MALDONADO é juíza de Direito em São Paulo e mestranda em LLM – Master of Comparative Law pela Cumberland School of Law – Samford University (USA).

Foto: Natalia Kolesnikova/AFP, reproduzida do site Exame.

Links consultados para este artigo:

http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?type=MOTION&reference=B7-2012-0057&language=PT

http://portuguese.ruvr.ru/2012_08_20/lavrov-pussy-riot-histeria/

http://gazetarussa.com.br/articles/2012/08/20/caso_pussy_riot_mobiliza_autoridades_ocidentais_15243.html

http://gazetarussa.com.br/articles/2012/08/20/facam_dieta_antes_de_vir_aqui_15249.html

http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/ue-acha-desproporcional-condenacao-das-pussy-riot-e-pede-revisao-da-pena

http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/23776/justica+da+russia+proibe+marchas+do+orgulho+gay+pelos+proximos+100+anos.shtml



2 Comentários

  1. ricardo disse:

    Se não é permitido punir aquele que adentra uma igreja e canta em pleno altar de maneira debochada e ridícula é ir contra a liberdade de expressão???O que será do mundo no futuro em termos de liberdade de expressão? Aqui no Brasil liberdade de expressão é consagrado como direito fundamental porém e o STF já decididiu, nem um direito fundamental é absoluto!Ainda mais quando reflete e provoca a reação de outro direito fundamental que é a liberdade de culto..Talvez a pena não seja proporcional, mas deixa-las impune seria atestar a desordem!E os Direitos Humanos existem para casos mais importantes não devendo se preocupar com essas pseudo expressões de liberdades e espetáculos youtube-midiáticas

  2. Permita-me discordar do Sr. Ricardo, acima.

    Podemos até ponderar se a atitude teria sido ofensiva ao culto religioso em razão do local escolhido. Porém, prender alguém por criticar o Presidente é uma atitude ditatorial, que não se compatibiliza com a liberdade de expressão. Em suma, isso não acontece em países minimamente avançados.

    Claudio Colnago.