24.07.12
LDO, barganha e o reajuste para juízes e promotores
Desde 2000, o Brasil conta com uma Lei de Responsabilidade Fiscal. Trata-se da Lei Complementar 101 (LCP 101/2000), que “estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal”. Dentre os diversos temas trazidos pela lei, que completou 12 anos no último mês de maio, há capítulo próprio destinado ao “Planejamento” do Estado, que por sua vez traz seção específica para a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Da Constituição colhemos que “a lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento” (§ 2.º do art. 165).
Em atenção a esse preceito constitucional, a LCP 101/2000 acrescenta que a LDO deverá dispor sobre equilíbrio entre receitas e despesas, critérios e forma de limitação de empenho, normas relativas ao controle de custos e à avaliação dos resultados dos programas financiados com recursos dos orçamentos, demais condições e exigências para transferências de recursos a entidades públicas e privadas (cf. incisos do art. 4.º da LCP 101/2000).
O projeto de LDO, de iniciativa do Poder Executivo, traz um Anexo de Metas Fiscais, que estabelece “metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes” (§ 1.º do art. 4.º). O § 2.º desse art. 4.º minudencia o que mais consta desse anexo, de onde destacamos o seguinte: “demonstrativo das metas anuais, instruído com memória e metodologia de cálculo que justifiquem os resultados pretendidos, comparando-as com as fixadas nos três exercícios anteriores, e evidenciando a consistência delas com as premissas e os objetivos da política econômica nacional” (inciso II).
Os meandros técnicos de elaboração da LDO costumam ser enfadonhos para os profissionais do Direito em geral. Mas há, nesse ponto, curiosa exegese (in)constitucional, uma vez mais reafirmada pela recente notícia de aprovação da LDO para o ano de 2013. No último dia antes do recesso parlamentar de julho, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de LDO para o ano de 2013, do qual foi excluída a previsão de reposição das perdas inflacionárias para os subsídios da Magistratura Federal e do Ministério Público da União.
Vale aqui um destaque: a par das considerações a respeito de atual política salarial para os agentes políticos do Estado (ou a ausência dela) e a determinação constitucional de “revisão geral anual” dos subsídios (art. 37, inc. X, da Constituição), certo é que membros do Ministério Público da União (MPU, MPF, MPT e MPDFT) e do Poder Judiciário da União não tem seus subsídios reajustados desde a edição das Lei 12.041 e 12.042, ambas de 2009.
A justificativa para a retirada da previsão que atenderia ao comando constitucional de reposição salarial – encaminhada tanto pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal quanto pelo Procurador-Geral da República – foi, juridicamente, o atendimento ao inciso II do § 2.º do art. 4.º da LCP 101/2000, isto é, a necessidade de adequação ao “Anexo de Metas Fiscais”, elaborado unilateralmente pelo Poder Executivo, para fins de atendimento à política econômica nacional.
É curioso lembrar que o Supremo Tribunal Federal foi chamado a apreciar a constitucionalidade desse dispositivo legal quando da apreciação da medida cautelar pleiteada na ADI 2.238 (julgamento em 9/8/2007, publicação no DJ de 12/9/2008, relatoria do Ministro Ilmar Galvão). Do extenso acórdão de 210 laudas, é possível extrair da ementa o seguinte: “O inciso II do § 2º do art. 4º apenas obriga Estados e Municípios a demonstrarem a viabilidade das metas programadas, em face das diretrizes traçadas pela política econômica do Governo Federal (políticas creditícia e de juros, previsões sobre inflação, etc.), o que não encontra óbice na Constituição”. Será?
Já se vão 12 anos de prática da LCP 101/2000 e a pergunta que se faz é: a autonomia dos Poderes da União, independentes e harmônicos entre si (art. 2º da Constituição), tem sido observada?
Na prática, o que se observa é, anualmente, Tribunais e Ministérios Públicos barganhando pela inclusão, nas LDOs, de previsão compatível com o dever constitucional imposto ao Estado de revisão geral anual dos subsídios de seus agentes políticos. É “barganha” vergonhosamente frustrada, como mostram os últimos anos. Verdadeiramente, tem-se uma imposição, de natureza tecnocrática, aos ditames próprios de um mitigado autogoverno das instituições fixado pela Constituição. A autonomia funcional e administrativa, inclusive com iniciativa legislativa a respeito de política remuneratória, assegurada ao Judiciário e ao Ministério Público (artigos 99 e 127, § 2.º, da Constituição), tem sistematicamente cedido aos ditames de uma “política econômica nacional” (texto legal) pouco clara e nada discutida com a categoria do funcionalismo público em geral.
Quando o STF foi chamado a apreciar o dispositivo legal por conta do risco de vulneração da autonomia tanto das unidades federativas (Estados e Municípios) quanto dos demais Poderes da União e do Ministério Público, limitou-se a afirmar que “o dispositivo não obriga os entes federados à reprodução da política econômica nacional, exigindo, tão somente, a demonstração da viabilidade das metas programadas, em face das diretrizes traçadas para a política econômica pelo Governo Federal no mesmo período, como, v. g., as alusivas à políticas creditícia e de juros, previsões sobre a inflação, etc., o que é coisa diversa, não encontrando óbice na Constituição” (sic – excerto do voto proferido pelo Relator Ministro Ilmar Galvão – ADI 2.238). Conquanto tenha sido ajuizada em 4/7/2000, a ADI ainda aguarda julgamento definitivo.
Os processos de aprovação das LDOs nos últimos anos tem demonstrado o desacerto dessa lídima expectativa do Supremo Tribunal Federal. É que, na prática, a LCP 101/2000 tem se prestado àquilo que se temia quando de sua edição. Em lugar de um diploma moralizador e de fixação de efetiva responsabilidade fiscal ao Estado brasileiro, tem servido ao menoscabo do necessário diálogo político maduro e responsável, dirigido e orientado por balizas fixadas constitucionalmente. A chamada “meta fiscal” tem servido, em verdade, à desvalorização dos agentes políticos responsáveis pela realização última do próprio Estado.
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ANTONIO SUXBERGER, promotor de Justiça no Distrito Federal, é mestre em Direito Constitucional pela Univerdade de Brasília (UnB) e doutor em Direitos Humanos e Desenvolvimento pela Universidade Pablo de Olavide.
Foto: Gabriel Sanz/Flickr.
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