7.11.09

Democracia: voto obrigatório ou voto facultativo?

POR RODRIGO FRANCELINO ALVES

No dia 26 de outubro de 2009, a Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU), em parceria com a Escola Judiciária Eleitoral (EJE), promoveu o debate “Democracia: voto obrigatório ou voto facultativo?”. Renomados juristas e jornalistas apresentaram suas ideias acerca do tema, que foi aberto para os presentes, em sua grande maioria acadêmicos. E claro, este blog esteve presente no evento.

O Debate foi aberto pelo Ministro Carlos Ayres Brito, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que afirmou que a Constituição de 1988 fez da democracia uma espécie de “menina dos olhos”. O Ministro ainda instigou o público e os debatedores, indagando quais seriam as conseqüências da substituição do voto obrigatório pelo facultativo, especialmente no âmbito da abstenção de eleitores e da participação mais engajada do povo.

O procurador-geral da República, Roberto Monteiro Gurgel Santos, também compôs a mesa de abertura, e lembrou que muitos associam o voto obrigatório ao famoso “voto de cabresto”. Por tal razão, ele acredita que é fundamental debates dessa natureza para que não seja disseminado o conceito de “coisa julgada”, mas de questões “em permanente construção”.
Após a abertura, iniciou-se o debate que foi conduzido pelo reitor da Universidade de Brasília (UnB), José Geraldo de Souza Júnior, que conceituou o voto como exercício de cidadania e recordou que o voto marca a formação da identidade social de um povo e o atual momento do país abre caminho para “novos horizontes”. Posteriormente, o mediador informou que cada debatedor teria vinte minutos para apresentar sua opinião.
O jornalista Alexandre Garcia foi o primeiro a apresentar suas ideias e começou forte: “não tenho bagagem jurídica, portanto, eu gostaria de invocar como currículo o fato de que no próximo dia 3 de outubro eu farei 49 anos de como eleitor. Obrigatório”. Resumiu esses quarenta e nove anos como cidadão-eleitor e elogiou o sistema eleitoral brasileiro por sua segurança: “temos o mais perfeito instrumento eleitoral, mas temos um lado imperfeito que é o eleitor”. Garcia citou o impeachment do presidente Fernando Collor como momento marcante da democracia brasileira, e definiu como o “momento em que caímos na maioridade da democracia.” Por fim, concluiu “eu sou muito simpático hoje ao voto obrigatório porque eu acho que o voto facultativo tem algo haver com a formação do eleitor, com a capacidade de discernimento do eleitor, então a conclusão é que para que tenhamos bons eleitores e conseqüentemente bons votos nos temos que ter uma boa educação e isso é fundamental”.
O segundo a apresentar sua ideias foi o sociólogo e consultor legislativo Eurico Cursino. Ele dividiu seu raciocinio em três momentos nos quais invocou o pensamento histórico e depois o sociologo, e concluiu: “Não há nada de antidemocrático na obrigatoriedade de votar. Democracia só se aprende na prática”. Defendeu ainda que nossa sociedade é muito complexa e que vive um processo de aprendizagem e precisa discutir e refletir intensamente sobre o voto. “Cada eleitor deveria ter uma consciência de estadista, de olhar o todo, de raciocinar cálculos de consequências e de relações. É necessário que os brasileiros permitam-se a saber votar”, e concluiu: “Sou favorável ao voto obrigatório”.
Em seguida, foi a vez da jornalista Dora Kramer, que de cara firmou sua posição: “sou favorável ao voto facultativo”. A jornalista ainda acrescentou que é preciso mudar o sistema atual, uma experiência, pois a obrigatoriedade beneficia os partidos políticos e não contribui para a democracia. “As legendas têm propaganda e eleitorado garantidos. Com o voto facultativo, o mundo político terá de se interessar pelo eleitor”, explicou. Ela ainda rebateu os argumentos apresentados pelo sociologo dizendo que inadimisivel o argumento de que o povo brasileiro ainda não está maduro para o voto facultativo. “É preciso mudar porque para eles (partidos políticos) está tudo muito cômodo”. A experiência apresentada por ela poderia se dar em uma votação facultativa em eleições municipais: “Seria uma reformulação de procedimentos para, quem sabe, aproximar eleitos e eleitorado e melhorar a relação entre os poderes”.
Posteriormente, o ex-procurador-geral da república Aristides Junqueira Alvarenga iniciou a sua exposição com leitura do art. 14 da constituição, depois disse que as conclusões que ele tira do texto constitucional é que “O voto é sempre facultativo. O que não é facultativo é o comparecimento a urna de votação, mas agora eu posso deixar de votar quando eu voto em branco, quando eu voto nulo”. E definiu que “A obrigatoriedade é do comparecimento no dia da eleição a urna”. O ex-procurador da República arrematou: “A obrigatoriedade ainda é uma das formas de aprimorar o voto e conscientizar o eleitor a votar bem e a não vender o seu voto. O eleitor não tem discernimento do valor do voto dele e isso se faz por meio da educação”, e completou com a sua posição: “O meu ideal, utópico ou não, é o voto facultativo, mas hoje eu acho que ainda estamos um pouco longe desse ideal e por tanto eu espero que o voto obrigatório, até como meio de aprimorar a cidadania do povo brasileiro possa fazer que ele seja obrigado a ele ir a urna a comparecer para votar”.
Em seguida, é chegada a vez do professor, advogado e doutrinador Fábio Konder Comparato, que proferiu uma breve análise da história política do País, caracterizado por desigualdades, opressão e ligações muito próximas entre poder, riqueza e propriedade, e assegurou que é preciso ir além da discussão entre voto obrigatório e voto facultativo. “É imprescindível e urgente pensar na reformulação política: primeiro, com uma educação cívica; depois, com uma reforma constitucional, reforçando a iniciativa popular legislativa e os instrumentos judiciais de garantia dos direitos do cidadão”, explicou. O jurista finalizou sua participação no debate incentivando os eleitores a irem às urnas: “A meu ver, o voto é um dever público. Se instituirmos o voto facultativo, contribuiremos para a indiferença popular. É muito importante o comparecimento”. Ao ser indagado qual era sua posição sobre se voto obrigatório ou facultativo, em tom de descontração ele imediatamente se posicionou: “Poderia responder como Carvalho Pinto, nem contra nem a favor, muito pelo contrário. Mas ao meu ver, o voto é um dever, um dever público, e portanto, se nós instituirmos o voto facultativo, nós vamos contribuir para essa indiferença popular com relação a política esse desprezo pelo mundo político”.
Para encerrar o debate o Ministro Carlos Ayres Brito, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, disse: “Saio daqui com mil ideias e algumas certezas: o voto obrigatório corresponde a uma oportunidade de o povo se educar politicamente, mas, como a jornalista Dora Kramer afirmou, tem sido conveniente às elites”. A Ministra Cármen Lúcia, diretora da EJE e membro do Tribunal Superior Eleitoral, também se mostrou satisfeita com o resultado das exposições. “A mensagem que fica é que democracia é isso: são todos buscando o melhor para o país”, mas não manifestou qual era a sua posição acerca do tema. Contudo, ao final do debate, o advogado Rodrigo Francelino Alves, colaborador deste blog, indagou sobre seu posicionamento:
Rodrigo Francelino Alves: “Ministra, todos expressam sua opinião, acerca do voto facultativo ou obrigatório, porém a senhora não expressou se o voto facultativo ou obrigatório”?
Ministra Cármem Lúcia: descontraída responde “Ah, mas é por isso que eu falei rapidamente, porque eu não queria falar”.
Rodrigo Francelino Alves: “Fica em cima do muro”?
Ministra Cármem Lúcia: “Não, fico mineiramente”! – com belo sorriso no semblante.
Visão do blog (colaborador) : O debate foi extremamente proveitoso, mas esperava um público maior, em virtude da importância do tema, da proximidade do ano eleitoral, e dos grandes nomes como debatores. O dever cívico, que é requisito para implementação do voto facultativo, parte de eventos como esse, em que o Poder Judiciário se apresenta em parceria com a sociedade civil, e apresenta outros mecanismos eleitorais, em busca de aperfeiçoar o já avançado sistema eleitoral brasileiro. Talvez tenha razão o Fabio Komparato quando constatou a “indiferença popular”. Nem mesmo se fazem presente em debate como este.


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