1.12.09
Anotações do Congresso Brasiliense de Direito Processual Civil 2009
POR GUILHERME NÓBREGA
Painel Aspectos controvertidos dos recursos repetitivos
Presidente: Estefânia Viveiros (presidente da OAB/DF)
Palestrantes: Eliana Calmon (ministra do STJ) e Cândido Rangel Dinamarco (professor e doutor em Direito)
A ministra Eliana Calmon discorreu sobre o tema elencando os fundamentos que deram causa à edição do artigo 543-C, do CPC, dentre os quais destacou a celeridade processual e o inchaço recursal.
Ela lembrou que o artigo 543-C encontra como raiz recente a Lei 9.756/98, que introduziu a possibilidade do julgamento monocrático pelo relator quando pacífica a jurisprudência da Corte sobre a questão (CPC, art. 557).
A aplicação do artigo 543-C tem produzido frutos. Segundo a palestrante, desde a entrada em vigor da lei, houve uma diminuição de 34% no número de recursos protocolados junto ao STJ.
Foi explicado à plateia o regime seguido pelos recursos repetitivos dentro do STJ, nos termos da Resolução 8/STJ, que prescreve que, havendo multiplicidade de recursos sobre a mesma matéria num TJ ou TRF, é FACULTADO ao Presidente, em juízo de admissibilidade, selecionar 1 ou 2 processos que são enviados ao STJ para fixação da tese, ficando sobrestados os demais. Os paradigmas enviados ao STJ são autuados distintamente (capa azul), seguindo trâmite diferenciado na forma do 543-C e seguintes.
Se o recurso especial chega ao STJ sem a triagem feita pelo TJ/TRF, o ministro relator barra já no âmbito da Corte de Superposição, escolhendo um para tramitar nos moldes do 543-C, servindo esse de paradigma para orientar o julgamento dos demais.
A ministra Eliana Calmon explicitou ainda a orientação adotada pelo STJ a respeito de questões controversas.
Por exemplo: imagine uma tese que, embora inédita, dê causa a uma multiplicidade de recursos que tratem da mesma questão. Poderia esse processo ser levado ao STJ no regime da lei de recursos repetitivos?
A 1ª Seção, com voto vencido da ministra Eliana Calmon, decidiu que sim!
Outra questão: poderia o recurso ordinário em mandado de segurança ser enquadrado na lei de recursos repetitivos? Para a palestrante, não, uma vez que o RO goza do status de apelação, onde há revolvimento de matéria fática. Esse entendimento é reforçado por uma interpretação literal e sistemática do artigo 543-C.
A ministra Eliana Calmon também disse que, julgando teses com base na lei dos recursos repetitivos, o STJ tem, prontamente, editado súmula sobre a questão. Qual a vantagem, vez que a matéria já foi decidida?
É que a decisão em recursos repetitivos vincula os TJs/TRFs, mas não os juízos de primeiro grau. Com a edição de súmula sobre o caso, os juízes podem aplicar o 518, § 1º, do CPC, deixando de receber apelação eventualmente interposta.
Suscitada a dúvida sobre a “dupla afetação” de mesma matéria por mais de um ministro, a ministra Eliana Calmon respondeu que tal possibilidade existe por uma questão de celeridade. É que, às vezes, questões técnico-processuais impedem o julgamento da tese num caso concreto. Assim, outro processo que verse sobre a mesma questão e tenha sido afetado por outro ministro terá o condão de resolver o problema.
Eliana Calmon encerrou sua exposição dizendo que o STJ adotou o entendimento de, sobrestado o processo na origem, e interposto agravo de instrumento julgado desprovido monocraticamente, caso haja a interposição de agravo regimental flagrantemente descabido, a multa do 557, § 2º, é fixada em seu patamar máximo (10% do valor de causa), de modo a repelir estratégias protelatórias.
Tomando a palavra, o professor Cândido Rangel Dinamarco enfatizou a mudança de paradigma para uma coletivização e objetivação do processo.
Para o professor, o 543-C, em seu § 7º, estabeleceu novo pressuposto recursal.
Diferentemente da ministra Eliana Calmon, para Dinamarco a decisão do STJ com base nos recursos repetitivos vincularia sim os juizes de 1º grau, se assemelhando, nesse aspecto, à súmula vinculante.
Sobre a possibilidade de desistência pelo recorrente do recurso especial que tenha sido afetado no STJ com base no 543-C, o professor citou precedente de lavra da ministra Nancy Andrighi no qual foi negada a desistência, prosseguindo-se no julgamento por entender-se haver transcendência do interesse particular para o público.
Dinamarco criticou a decisão e disse que a faculdade de desistir de recurso é plena. Para solução da questão, sugeriu que o STJ deveria aceitar a desistência e prosseguir julgando somente a tese, sem afetar o caso concreto.
O palestrante levantou a discussão sobre a aplicabilidade da lei de recursos repetitivos em matéria criminal, apontados prós (evitar multiplicidade de processos sobre a mesma tese) e contras (ampla defesa).
Respondendo perguntas da plateia, o professor disse que contra a decisão que sobrestar equivocadamente o processo na origem caberá agravo de instrumento para o STJ.
Finalizou afirmando que a súmula vinculante pode ser revista mediante provocação, mas quanto à tese julgada pela lei de recursos repetitivos, nada há previsto, devendo o STJ encontrar uma solução regimental para rever entendimento quando esse for superado.
Painel Aspectos processuais do controle de constitucionalidade
Presidente: Benedito Siciliano (diretor acadêmico do Congresso)
Palestrantes: Rodrigo Mello (procurador da Fazenda Nacional, doutorando em Direito e professor do IDP) e Sepúlveda Pertence (ministro aposentado do STF)
O professor Rodrigo Mello inaugurou o painel detendo-se sobre a questão do “amicus curiae” em processos de controle concentrado de constitucionalidade.
Para Mello, o fundamento teórico para o “amicus curiae” está na doutrina de Häberle, que condiciona a legitimidade do controle de constitucionalidade pela Corte Constitucional à participação popular (sociedade aberta de intérpretes), de modo a se atingir o máximo de imparcialidade.
O diferencial do “amicus curiae” para meros interessados estaria na possibilidade de sustentação oral em audiência pública.
O “amicus curiae” se aproxima atualmente da noção de amigo ou inimigo na doutrina de Carl Schmitt. O interesse daquele não é somente se mostrar favorável ou desfavorável a determinada tese, mas expor sua opinião em público, conferindo-lhe peso político para julgamento por um órgão político (STF).
O ministro Sepúlveda Pertence limitou-se a traçar um histórico sobre o controle de constitucionalidade no Brasil fazendo um paralelo com o modelo austríaco e americano.
Salientou que com a repercussão geral e a súmula vinculante houve uma diminuição no número de processos que aproximou o STF de uma Corte Constitucional (“writ of certiorari” e “stare decisis”).
Painel Admissibilidade do RE: rigor processual X mérito recursal
Presidente: Otávio Luiz Rodrigues Júnior (professor, pós-doutorando em Direito e assessor de ministro do STF)
Palestrantes: Tereza Arruda Alvim Wambier (professora e doutora em Direito) e Humberto Gomes de Barros (ministro aposentado do STJ)
A professora Tereza Wambier iniciou os trabalhos do painel surpreendendo ao dizer que o sistema recursal brasileiro é “repleto de pegadinhas”.
Se antes a regra era o acesso à justiça, hoje a regra é reduzir processos, às vezes a qualquer custo.
Nessa linha, o requisito para REsp/RE é ofensa à lei/CF. O resto são meros complicadores.
Tereza Wambier afirmou que um dos grandes problemas hoje é a divergência entre o STJ e o STF sobre o que vem a ser prequestionamento. Essa dissonância é paradoxal, uma vez que a função daquelas Cortes é uniformizar a jurisprudência do país.
Outro ponto negativo é a jurisprudência defensiva. Um dos exemplos disso é o entendimento de alguns tribunais no sentido de que o dispositivo ofendido, se veiculado no voto vencido, não está prequestionado por não integrar esse o acórdão recorrido. Absurdo!
A professora disse não saber qual a solução para a morosidade da justiça, mas com certeza não seria a jurisprudência defensiva. Talvez, métodos alternativos de solução de conflitos…
Para a palestrante, a existência do STJ e do STF talvez tenha prejudicado mais que ajudado, pois com o STJ nasceram os conceitos de ofensa direta e reflexa à Constituição. Citou o ministro Sidney Sanches que, em 1989, dizia que havendo ofensa à lei fatalmente haveria ofensa ao princípio da legalidade, incrustado na Constituição.
A professora Wambier ponderou ainda que hoje não há mais jurisprudência da Corte. A jurisprudência é pessoal de cada ministro, e muda na medida em que muda a composição da Corte, o que causa insegurança jurídica. Encerrou dizendo que espera ser essa uma fase, e que em breve o jurisdicionado possa contar com o binômio celeridade/qualidade sem um excluir o outro.
Já o ministro Humberto Gomes de Barros reconheceu a necessidade em frear o ciclo vicioso de juízes processualistas empenhados em extinguir processos sem julgamento do mérito, ao invés de deterem-se sobre a solução da lide.
Com a jurisprudência defensiva, há a criação de fórmulas para que o processo morra mais cedo. O processo, em vez de instrumento para a justiça, se torna inimigo da justiça.
O STF tem flexibilizado o prequestionamento. O STJ devia seguir essa linha. Só assim será possível a segurança à justiça.
O ministro Humberto Gomes de Barros possui a esperança de que a segurança se reestabeleça através no do novo CPC, cuja comissão para o anteprojeto é integrada pela professora Tereza Arruda Alvim Wambier.