12.02.10
A Emenda Constitucional 33 e a possibilidade de se confundir contribuinte eventual com não-contribuinte
POR SERGIO CRISPIM
IX – incidirá também:a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço;
NÃO INCIDE ICMS NA IMPORTAÇÃO DE BENS POR PESSOA FÍSICA OU JURÍDICA QUE NÃO SEJA CONTRIBUINTE DO IMPOSTO.
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. ICMS. EC 33/2001. O debate travado nos presentes autos diz com a incidência de ICMS na importação de equipamento médico por sociedade civil não-contribuinte do imposto, após a Emenda Constitucional nº 33/2001, que conferiu nova redação ao disposto no artigo 155, § 2º, IX, alínea a, da Constituição do Brasil. Repercussão geral reconhecida.
TRIBUTÁRIO E CONSTITUCIONAL. ICMS. IMPORTAÇÃO DE EQUIPAMENTO MÉDICO POR SOCIEDADE CIVIL. NÃO-CONTRIBUINTE. OPERAÇÃO MERCANTIL POSTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 33/01. INEXISTÊNCIA DE LEI ESTADUAL REGULAMENTANDO. IMPOSTO INDEVIDO.
De acordo com precedentes do STF, a importação de equipamento médico por sociedade civil, destinado à prestação de serviços não está sujeita ao recolhimento do ICMS, se o bem importado não se destina ao comércio, mas à prestação das próprias atividades profissionais de quem o está importando. Ainda que a habitualidade não mais seja reputada essencial para a incidência do ICMS na importação de mercadorias e bens, não pode ser tributado o importador que não seja contribuinte. Ademais, a superveniência de alteração na Constituição não tem o condão de constitucionalizar a legislação estadual que antecedeu a modificação introduzida pela EC nº 33/01 e, inexistindo nova lei regulando a atual hipótese de incidência do ICMS, não há falar na exigência de tal tributo nem em restabelecimento da eficácia da Lei Estadual nº 8.820/89. APELAÇÃO DESPROVIDA.
Por outro lado, é de ser observado que somente a previsão constitucional de incidência do ICMS, mesmo na hipótese de operação realizada por quem não seja contribuinte habitual do imposto, na importação do exterior por pessoa física ou jurídica, não é bastante em si para legitimar a exigibilidade da exação. É imprescindível, ante os princípios em que se apóia o ICMS, a edição de legislação ordinária disciplinando a maneira como será realizada a compensação, tendo em consideração a necessidade de ser observado o princípio da não-cumulatividade do ICMS, o que não se tem na espécie.
“(…)2. Estabelece o artigo 155, inciso II, da Constituição Federal, que compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir imposto sobre ‘operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior’, dispondo seu inciso IX, alínea ‘a’, primeira parte, que o ICMS incidirá também ‘sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento’.3. Do referido preceito sobressaem expressões significativas para se determinar a extensão da norma constitucional e a exigibilidade ou não do tributo na importação de bens por pessoa física: I) operação relativa à circulação de mercadoria; II) mercadoria; III) estabelecimento.4. Desse modo, é de fundamental importância que se busque interpretar os princípios gerais de direito privado, para pesquisar a definição, o conteúdo e o alcance dos conceitos utilizados pela Constituição Federal que, por estarem prescritos na legislação comum, não podem ser alterados pela legislação tributária (CTN, artigos 109 e 110).5. Com efeito, são hipóteses de incidência do ICMS a operação relativa à circulação e à importação de mercadorias, ainda quando se trate de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento. No ponto, o termo operação exsurge na acepção de ato mercantil; o vocábulo circulação é empregado no sentido jurídico de mudança de titularidade e não de simples movimentação física do bem, e a expressão mercadoria é atribuída a designação genérica de coisa móvel que possa ser objeto de comércio por quem exerce mercancia com freqüência e habitualidade.6. Por outro lado, cumpre observar que o termo consumo, empregado pela Constituição Federal ao dispor que o imposto incidirá também na importação de mercadoria, ainda que se trate de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, diz respeito ao estabelecimento comercial e não à pessoa física que importa bens para seu gozo e fruição. A expressão estabelecimento tem o mesmo sentido do que lhe confere o Código Comercial (C. Com., artigo 1º, III, 2ª parte), de tal modo a designar o próprio local ou o edifício em que a profissão é exercida, compreendendo todo o conjunto de instalações e aparelhamentos necessários ao desempenho do negócio ou da profissão de comerciante, componentes do fundo de comércio.7. Fixadas essas premissas, há que se concluir que imposto não é devido pela pessoa física que importou o bem, visto que não exerce atos de comércio de forma constante nem possui ‘estabelecimento destinatário da mercadoria’, hipótese em que, a teor do disposto no artigo 155, IX, alínea ‘a’, da Constituição Federal, o tributo seria devido ao Estado da sua localização (RE n.º 144.660-RJ, Pleno, redator para o acórdão Min. Ilmar Galvão, DJU 21.11.97).8. Observo, ainda, a impossibilidade de se exigir o pagamento do ICMS na importação de bem por pessoa física, dado que, não havendo circulação de mercadoria, não há como se lhe aplicar o princípio constitucional da não-cumulatividade do imposto, pois somente ao comerciante é assegurada a compensação do que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.9. Assim sendo, creio não poder afastar-me do que penso ser a melhor exegese para o cabal entendimento da regra constante da letra a, do inciso IX, do artigo 155 da Carta da República. De fato, se lido de um só fôlego o texto, poder-se-á extrair que o imposto é devido por se tratar de bem destinado a consumo, hipótese em que, a meu ver, se desfaz essa afirmação ao concluir o preceito com peremptória negativa desse primeiro enunciado, tanto mais que o imposto só é devido ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou serviço.10. A toda evidência, pessoa física, como é o caso dos autos, ‘de carne e osso’, não é pessoa jurídica para se transformar em estabelecimento destinatário da mercadoria!
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO DE BEM POR SOCIEDADE CIVIL PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS. EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO DO ICMS POR OCASIÃO DO DESEMBARAÇO ADUANEIRO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A incidência do ICMS na importação de mercadoria tem como fato gerador operação de natureza mercantil ou assemelhada, sendo inexigível o imposto quando se tratar de bem importado por pessoa física. 2. Princípio da não-cumulatividade do ICMS. Importação de aparelho de mamografia por sociedade civil, não contribuinte do tributo. Impossibilidade de se compensar o que devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal. Inexistência de circulação de mercadoria. Não ocorrência da hipótese de incidência do ICMS. Recurso Extraordinário não conhecido.
Julgamento de 11/06/2009.
Apelação e remessa 70028944460, rel. Des. Arno Werlang, j. 01/04/2009.
Aspectos fundamentais do ICMS, 2ª edição, São Paulo: Dialética, 1999, p. 19, 22/24.
Ag. Reg. no RE nº 401.558-8/SP, Rel. Min. Eros Grau, j. em 21.09.04, DJU de 15.10.04
BARUFALDI, Norberto e DA PAIXÃO JR., Sebastião Ventura Pereira. A Emenda Constitucional nº 33/01 e a Incidência do ICMS sobre Importação de Bens por Pessoa Não Contribuinte. Revista de Estudos Tributários. Porto Alegre: n. 39, set.-out. 2004, p. 25-35
Recurso Extraordinário n.º 185.789/SP, Min. Maurício Corrêa, j. 03/03/2000
As decisões monocráticas, em substituição às deliberações colegiadas, deveriam ocorrer apenas quando houvesse jurisprudência dominante sobre o tema versado no recurso. Todavia, não tem sido essa a prática nos tribunais superiores, que lançam mão dessas decisões para matérias inéditas, ou mesmo contrariando precedentes do próprio tribunal. A questão tratada nessa postagem é um grande exemplo disso. Espero que o STF corrija isso.