19.03.16
A chave
Por Oscar Vilhena Vieira
Com o agravamento da crise política, mais uma vez o Supremo Tribunal Federal é chamado para o centro da arena política nacional, confirmando a sua função moderadora. A ele foram entregues as chaves para interferir em diversas etapas altamente sensíveis do imbróglio político que vem se avolumando desde a liberação dos detalhes da delação premiada do senador Delcídio do Amaral.
Na próxima semana o Supremo terá que decidir sobre a validade da nomeação de Luiz Inácio Lula da Silva como ministro de Estado do governo da presidente Dilma. Em circunstâncias normais, essa questão jamais seria submetida ao Supremo. Afinal, esta é uma competência privativa da presidente. Mas não há nada de normal na presente conjuntura. O Supremo se viu afrontado pelo ex-presidente Lula e agora terá que julgar se sua posse é viciada, pois questionada de ter sido realizada com desvio de finalidade.
Se lhe negar o direito de tomar posse, além de fragilizar ainda mais o governo junto ao Congresso, acelerando o processo de impeachment, também o deixará numa situação muito vulnerável frente à operação Lava Jato.
O Supremo ainda terá sob seu julgamento todos os políticos envolvidos na operação Lava Jato, a começar por Eduardo Cunha e Renan Calheiros. Ambos com um papel fundamental na resolução do processo de impeachment, mas sobre os quais pesa a espada da lei. O tribunal permitirá que “juízes réus” determinem o destino de uma presidente muito frágil, mas ainda assim eleita?
O Supremo Tribunal Federal também será convocado a dar a última palavra sobre as eventuais movimentações do Tribunal Superior Eleitoral, inclusive sobre a própria hipótese de cassação dos mandatos da presidente e de seu vice-presidente. E esse processo, que parece longínquo, tem uma relação muito íntima com o processo de impeachment. Quanto mais viável ele se demonstrar, mais incentivos criará para a base governista do PMDB mudar de canoa e apostar no impeachment como o mal menor.
O Supremo, por fim, será cada vez mais cobrado a calibrar a velocidade, o escopo e a contundência da operação Lava Jato, de onde estão surgindo as maiores fagulhas desta crise. Isso num contexto em que cerca de 80% da população aprova a operação. Ao dar ampla divulgação às gravações telefônicas que envolvem autoridades que estão sob a jurisdição do Supremo, e não sua, o juiz Moro também atraiu para si o desconforto de vários ministros, que até agora vinham referendando o seu trabalho. O desfecho dessa relação não está claro.
O desafio do Supremo será resolver cada uma dessas espinhosíssimas questões, todas elas com consequências políticas imprevisíveis, mantendo a imparcialidade e discrição, num ambiente em que a autoridade do tribunal foi colocada em xeque, por múltiplos atores.
Não há dúvida alguma do amadurecimento do tribunal nestas últimas décadas. Não há cortes supremas ao redor do globo que tenham sido submetidas, em um curto espaço de tempo, a testes de resistência tão dramáticos, a começar pelo próprio julgamento do mensalão, que lhe garantiu tantas feridas, mas também ensinou muito o que não deve ser feito. Numa democracia que imaginávamos mais madura, mais uma vez o Supremo é convocado a desempenhar o papel de chave de abóbada do regime.
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Oscar Vilhena Vieira é professor de direito constitucional da FGV-SP.
Fotos: SCO/STF.
Artigo publicado originariamente na Folha de S.Paulo, edição 19.03.2016.
Análise precisa, sobre o papel do STF, agora como sempre, enquanto fiador da normalidade institucional, pois “guardar a Constituição não é protegê-la sob uma redoma contra as intempéries políticas — o que a faria definhar e morrer –, mas fazê-la reagir diante das tensões/provocações sociais, testando ao limite a sua força normativa, para ver se os seus comandos ordenam, efetivamente, o processo político ou não passam de simulacros de Constituição.”