Claudio de Oliveira Santos Colnago
13.02.12

Notas sobre o controle de convencionalidade


 
Com as presentes linhas buscamos abordar o instituto do “controle de convencionalidade” e traçar seus contornos jurídicos no Ordenamento Jurídico Brasileiro, para o que foi necessário abordar previamente o controle de constitucionalidade e seus sistemas, assim como o regime jurídico dos Tratados internacionais homologados pelo Direito Brasileiro.

1. Supremacia constitucional e controle de constitucionalidade

Hans Kelsen nos proporcionou a conhecida ideia da hierarquia normativa, estabelecendo para tanto que uma norma (a) será inferior em relação a outra norma (b) sempre que esta última busque fundamento de validade na primeira. Por sua vez, tal fundamento de validade existirá sempre que a norma superior estabeleça o procedimento necessário e o conteúdo possível da norma inferior.

Sempre que uma norma inferior venha a destoar do mandamento de uma norma superior, temos uma violação ao respectivo fundamento de validade e, por consequência, verificaremos a invalidade jurídica da norma violadora. Esta violação pode se dar no que tange ao procedimento de criação da norma inferior (vício formal) ou no que toca ao seu conteúdo (vício material).

Assim é que, por exemplo, uma lei que disponha que a propriedade de um indivíduo possa ser confiscada sem previamente convocar o proprietário para ser ouvido será inconstitucional por violação ao devido processo legal (vício material). Ademais, se esta mesma lei foi aprovada pela Câmara dos Deputados e imediatamente promulgada pelo Presidente da República, sem passar pelo Senado, verificaremos nova invalidade, em razão de um erro de procedimento legislativo (vício formal).

Quando empreendemos este raciocínio voltados para a Constituição, chegamos ao conceito de Supremacia. A Constituição é mais do que superior em relação à legislação infraconstitucional: ela é Suprema, o que importa dizer que nada está acima dela em termos de hierarquia normativa e que, por conseguinte, nenhum ato jurídico em sentido amplo (leis, decretos, portarias, regulamentos, contratos, etc.) poderá se sobrepor à força normativa do texto constitucional. Esta Supremacia é garantida pela ideia de rigidez constitucional, visto que o texto da Constituição somente pode ser modificado mediante o procedimento estabelecido pela Assembleia Nacional Constituinte.

Porém, de nada adiantaria esta vaga ideia de Supremacia se não existisse um sistema voltado à sua preservação. É neste contexto que se insere o que se convencionou denominar  “Controle de constitucionalidade”, do qual deriva a ideia de “controle de convencionalidade”.

2. Sistemas de controle: concentrado, difuso e misto

O controle de constitucionalidade se resume na competência que todo e qualquer magistrado possui de reconhecer a invalidade jurídica de qualquer ato que tenha violado, direta ou indiretamente, o Texto Constitucional. Embora a doutrina tradicional formule o conceito de controle de constitucionalidade relacionado ao Legislador (exemplo: controle da validade das leis) ou, no máximo, em relação ao Poder Público, não se pode recusar o fato de que a Constituição, por ser conjunto de normas Supremas, exerce sua força normativa também em relação aos particulares (vide, por exemplo, a chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais, reconhecida pelo STF[1]).

Considerando o princípio hermenêutico da máxima eficácia das normas constitucionais, é de se reconhecer que não é exclusividade do Poder Judiciário realizar o controle de constitucionalidade, muito embora neste aspecto ele seja o ator principal, em razão das inúmeras garantias de independência que cercam a magistratura[2].

Ao longo das experiências constitucionais ocidentais a preocupação de conservação da Supremacia da Constituição acabou se materializando em dois diferentes sistemas ou mecanismos, conhecidos como “controle difuso” (de origem americana) e “controle concentrado” (de índole austríaca).

O primeiro deles surgiu em 1803, mediante evolução jurisprudencial da Suprema Corte Americana, quando do julgamento do caso Marbury vs. Madison. Mediante o entendimento ali adotado, todo e qualquer juiz poderia, no contexto de um dado caso concreto, pronunciar a inconstitucionalidade de uma lei, considerando-a nula e, portanto, ineficaz para aquela situação sob análise. Referido sistema foi adotado no Brasil em nossa primeira Constituição Republicana, de 1891.

Pelo sistema difuso[3], pois, qualquer magistrado pode realizar, independentemente de provocação da parte, o controle de constitucionalidade no âmbito do processo judicial em que atua. Porém, nos casos de reconhecimento de inconstitucionalidade no sistema difuso a lei tida por incompatível com a Constituição não é retirada do sistema: ela se torna inaplicável naquele caso concreto em que sua inconstitucionalidade foi reconhecida. Em todas as demais situações, ela permanece hígida e eficaz, integrando o sistema do Direito Positivo.

Já o sistema concentrado, idealizado por Hans Kelsen, foi inaugurado com a Constituição Austríaca de 1920, e tinha por objetivo ser um sistema melhor do que o difuso, sobretudo por evitar a proliferação de decisões contraditórias (já que, em havendo vários magistrados com a competência de controle de constitucionalidade, é extremamente plausível que eles possam adotar, em casos idênticos, decisões opostas em relação à conformidade ou não de uma norma com a Constituição). A solução encontrada foi concentrar a competência de controle em um único órgão (daí a denominação “concentrado”), autônomo em relação a Executivo, Legislativo e Judiciário, denominado de “Tribunal Constitucional” que, uma vez reconhecendo a inconstitucionalidade, exclui a lei do sistema jurídico, mediante decisão com efeito erga omnes, ou seja, oponível contra qualquer pessoa.

Tal sistema de controle também é conhecido como “sistema europeu”, por ter se disseminado na Europa após a Segunda Guerra Mundial, sendo adotado em países como Portugal, Espanha, Alemanha e Itália. O método também influenciou em parte o Legislador brasileiro, tendo sido introduzido em coexistência com o controle difuso mediante emenda à Constituição brasileira de 1946.

Atualmente o Brasil optou por um sistema misto de controle, que combina as características do sistema difuso com métodos do sistema concentrado, em um autêntico controle misto de constitucionalidade (confira aqui explanação de Gilmar Mendes). Se, por um lado todo e qualquer magistrado permanece com a competência para reconhecer a incompatibilidade de uma norma em relação à Constituição tal aptidão coexiste harmonicamente com a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal julgar as chamadas “Ações Diretas” (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), as quais são dotadas de eficácia erga omnes e efeito vinculante.

Isto significa que no sistema em vigor no Brasil o reconhecimento de inconstitucionalidade em sede de controle concentrado pelo STF acarreta a exclusão da norma do sistema jurídico, independentemente de qualquer providência ulterior da parte do Legislador. Tais decisões, por possuírem o chamado “efeito vinculante”, devem ser seguidas pelos juízes de todas as instâncias do Poder Judiciário.

O Supremo, porém, atua em ambas as frentes do controle de constitucionalidade, pois também julga casos em que o controle é feito de forma incidental (como em Recursos Extraordinários ou julgamentos de Habeas Corpus[4]). Em tais situações, a decisão do STF não é oponível aos magistrados de instâncias inferiores, a não ser que seja editada Súmula Vinculante[5] sobre o tema, ou que se trate de Recurso Extraordinário julgado sob o regime da Repercussão Geral[6].

É neste contexto da coexistência entre controle difuso e controle concentrado que se localiza a temática do “controle de convencionalidade”[7], como mecanismo de tutela da força normativa de tratados internacionais de Direitos Humanos devidamente incorporados ao Direito positivo brasileiro.

Todavia, para poder compreender o instituto do “controle de convencionalidade” torna-se imprescindível uma abordagem inicial acerca do regime constitucional dos tratados internacionais de Direitos Humanos, objeto do tópico seguinte.

3. Regime jurídico constitucional dos tratados internacionais no Brasil

Como bem aponta Flavia Piovesan[8], reverberando lição de Henkin, a palavra “Tratado” é um termo genérico que abarca todo e qualquer acordo de vontades entre sujeitos de Direito Internacional, podendo eventualmente receber as denominações de “Convenção”, “Pacto”, “Protocolo”, dentre outras.

Um dos pontos essenciais do regime jurídico dos tratados internacionais em geral no Direito Brasileiro consiste na definição do momento em que eles passam a integrar o sistema do direito positivo nacional. Neste pormenor, a Constituição de 1988 adotou nitidamente a regra da necessidade de homologação interna do Tratado internacional para que ele possa iniciar a produção de efeitos em território nacional.

Tal conclusão decorre da interpretação conjunta dos artigos 84, VIII e 49, I da Constituição Federal:

“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

(…)

VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”

Em outras palavras, o Tratado internacional (independentemente de versar ou não sobre Direitos Humanos) deverá ser assinado no âmbito internacional e posteriormente homologado internamente mediante ato complexo, que pressupõe a aprovação do Congresso Nacional, via Decreto Legislativo e a posterior ratificação, pelo Presidente da República, mediante edição de Decreto Presidencial.

Neste sentido é que se consolidou a interpretação do Supremo Tribunal Federal, como bem ilustra o seguinte trecho do Acórdão proferido no julgamento da ADIn 1480[9]:

O exame da vigente Constituição Federal permite constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe – enquanto Chefe de Estado que é – da competência para promulgá-los mediante decreto. O iter procedimental de incorporação dos tratados internacionais – superadas as fases prévias da celebração da convenção internacional, de sua aprovação congressional e da ratificação pelo Chefe de Estado – conclui-se com a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, de cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno.

Logo, para todos os efeitos, o Tratado internacional somente possuirá aptidão para produzir efeitos jurídicos no momento em que tenha sido homologado internamente, segundo o procedimento previsto na Constituição.

Outra questão fundamental acerca dos tratados consiste na definição de sua posição hierárquica no sistema de direito positivo nacional, visto que a interpretação do § 2º[10] do artigo 5º da Constituição de 1988 inaugurou discussão doutrinária acerca do tema. Embora seja relativamente consolidada a teoria de que os tratados internacionais em geral possuem o status hierárquico equivalente ao de uma lei federal[11], a leitura do citado dispositivo leva à conclusão de que os Tratados de Direitos Humanos receberam tratamento diferenciado do Legislador Constituinte.

Conforme destacado por Flavia Piovesan[12], estabeleceram-se 4 posicionamentos distintos, com os mais diversos fundamentos, para entender a questão: a) tese da supraconstitucionalidade, b) tese da constitucionalidade, c) tese da supralegalidade e d) tese da legalidade.

Embora o STF tenha, após a Constituição de 1988, aplicado jurisprudência a ela anterior, entendendo que os Tratados de Direitos Humanos teriam o mesmo regime jurídico da lei federal, referido entendimento foi finalmente modificado ao final do ano de 2008, quando do julgamento conjunto do RE 349.703 e do RE 466.343 no qual a Corte rejeitou por unanimidade as teses da supraconstitucionalidade[13] e da legalidade para os Tratados de Direitos Humanos, ficando dividida quanto à adoção da tese da constitucionalidade ou da supralegalidade. Esta última restou vencedora, por maioria.

Destaca-se, porém, que tanto a opção pela constitucionalidade quanto pela supralegalidade leva à conclusão de que a legislação infraconstitucional interna do Brasil não pode prevalecer sobre os ditames do Tratado de Direitos Humanos. Nos parece que a única distinção prática entre a adoção de uma teoria ou outra consistirá no recurso excepcional a ser cabível de um Acórdão de Tribunal que supostamente violar um tratado de Direitos Humanos: Recurso Especial ao STJ[14], para os adeptos da supralegalidade, e Recurso Extraordinário ao STF, para os optantes da constitucionalidade.

Porém, as polêmicas acerca da posição hierárquica dos Tratados de Direitos Humanos não terminam aí. Considerando que somente ao final do ano de 2008 o Supremo Tribunal Federal veio a se posicionar de forma inequívoca sobre a interpretação do § 2º do artigo 5º da Constituição, o Congresso Nacional buscou resolver a questão mediante atuação reformadora, inserindo no texto constitucional o § 3º do artigo 5º, com a Emenda Constitucional nº 45/2004. Tal dispositivo assevera que “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”

Conjugando a interpretação adotada pelo STF acerca do § 2º com o enunciado do § 3º nos parece que há dois regimes constitucionais específicos para os Tratados de Direitos Humanos: a) o regime da constitucionalidade, que depende do cumprimento dos requisitos do § 3º e, pois, do artigo 60 da Constituição[15] e b) o regime da supralegalidade, aplicável aos Tratados de Direitos Humanos anteriores à EC 45/04 e aos que sejam a ela posteriores mas não tenham sido aprovados segundo os procedimentos das emendas constitucionais[16].

Assim, nos parece que o cenário constitucional e jurisprudencial nos permite elaborar o seguinte resumo acerca da natureza jurídica dos Tratados Internacionais no Brasil:

Tratados

– Não-internalizados

– Internalizados

a) de Direitos Humanos

a.1) Fundamento no § 2º: supralegalidade

a.2) Fundamento no § 3º: constitucionalidade

b) de Outros assuntos: legalidade

Bem fincadas estas premissas, passamos a tratar do controle de convencionalidade das normas.

4. Controle de convencionalidade

O controle de convencionalidade das normas poderá assumir feições de controle de constitucionalidade ou de controle de legalidade, a depender do parâmetro de controle que venha a ser aplicado[17]. Assim, se é formalizada alegação de violação de um Tratado internalizado com fundamento no § 2º do artigo 5º da Constituição (que consiste em norma supralegal), o controle a ser desempenhado pelo Judiciário se assemelha ao de legalidade. Já no caso de vulneração aos Tratados internalizados com base no § 3º do artigo 5º, o caso é de semelhança com o controle de constitucionalidade, haja vista que o parâmetro de controle (tratado) possui status de norma constitucional.

Em razão desta distinção, abordaremos cada fenômeno de forma separada, em tópico próprio.

4.1 Controle de convencionalidade no caso de tratados de direitos humanos com status supralegal

Os tratados de direitos humanos com status supralegal se caracterizam por veicularem normas que estão acima das leis brasileiras em geral, mas sujeitas à Constituição. É o caso, por exemplo, do Pacto de São José da Costa Rica, internalizada no Brasil pelo Decreto 678/1992, veiculador em âmbito interno da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Logo, toda e qualquer norma interna brasileira que venha a contrariar as disposições de qualquer tratado internacional de Direitos Humanos com status supralegal deverá ser considerada formalmente ilegal.

Referida ilegalidade pode ser reconhecida pelos magistrados no bojo de processos judiciais concretos, independentemente de provocação das partes, haja vista que a ele cabe, em suas decisões, aplicar o Ordenamento Jurídico[18], independentemente de alegação formulada por uma das partes do processo. Não é juridicamente admitido, porém, a utilização das ações de controle concentrado de constitucionalidade (ADIn, ADC, ADPF, a serem julgadas diretamente pelo STF, em grau originário), já que não se trata de violação de normas constitucionais, mas de normas supralegais.

Sob o ponto de vista prático, ao contrário do que ocorre com o controle de constitucionalidade difuso, os Tribunais não estarão limitados pela chamada “cláusula de reserva de plenário” prevista no artigo 97 da Constituição[19], podendo reconhecer a ilegalidade mesmo que não se atinja o quorum de maioria absoluta de seus membros.

Pelo mesmo fundamento, se um Tribunal considerar que determinada lei interna não viola o conteúdo de um tratado com caráter supralegal, será cabível o Recurso Especial ao Superior Tribunal de Justiça, visto que a situação se equipara à violação de lei federal.

4.2 Controle de convencionalidade no caso de tratados de direitos humanos com status constitucional

Por sua vez, os tratados de direitos humanos com status constitucional se caracterizam por veicularem normas que estão acima das leis brasileiras em razão da Supremacia da Constituição. Em outras palavras, as normas do tratado são normas constitucionais, como no já citado exemplo da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, introduzida pelo Decreto 6.949/2009.

Assim, toda e qualquer norma interna brasileira que venha a contrariar as disposições de qualquer tratado internacional de Direitos Humanos com status constitucional será considerada como violadora da Constituição e, logo, inconstitucional.

Tal inconstitucionalidade pode ser combatida através dos dois sistemas existentes destinados ao controle de constitucionalidade: a) sistema difuso, em que o magistrado poderá reconhecer a inconstitucionalidade no contexto de um caso concreto, independentemente de provocação e b) sistema concentrado, no qual o Supremo Tribunal Federal conhecerá diretamente da inconstitucionalidade se for provocado nos termos dos artigos 102 e 103 da Constituição Federal, com o ajuizamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) ou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).

Em qualquer situação, por se tratar de violação de norma formalmente constitucional (tratado internalizados com base no § 3º do artigo 5º) os Tribunais estarão limitados pela norma do artigo 97 da Constituição[20], somente podendo reconhecer a inconstitucionalidade mediante deliberação de maioria absoluta de seus membros.

Ademais, se um Tribunal considerar que determinada lei interna não viola o conteúdo de um tratado com caráter supralegal, será cabível Recurso Extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, visto que a situação se equipara à violação de norma constitucional.

5. Conclusões

Mediante o quanto foi aqui exposto, pudemos verificar que o controle de convencionalidade em muito se assemelhará com o controle de constitucionalidade ou com o controle de legalidade dos atos contrários a Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Tudo dependerá da forma de internalização do Tratado, a saber:

Tratados de Direitos Humanos internalizados com base no § 3º do artigo 5º: possuirão status constitucional e, logo, poderão configurar parâmetro de controle tanto pelo controle difuso (a ser feito por qualquer magistrado) quanto pelo controle concentrado, a ser feito pelo STF em sede de ADIn, ADC ou ADPF;

Tratados de Direitos Humanos internalizados com base no § 2º do artigo 5º: possuirão status supralegal e, por isso, somente poderão configurar parâmetro de controle de legalidade, a ser feito por qualquer magistrado, independentemente de provocação.

______________

CLAUDIO DE OLIVEIRA SANTOS COLNAGO é mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória – FDV, professor da FDV e membro da Comissão de Tecnologia da Informação da OAB/ES. É advogado em Vitória/ES, sócio da Bergi Advocacia. Twitter @claudiocolnago e blog www.colnago.adv.br.

Foto: Felipe Sampaio/SCO/STF.

NOTAS:

[1] “As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados”. (RE 201819, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 11/10/2005, DJ 27-10-2006 PP-00064 EMENT VOL-02253-04 PP-00577 RTJ VOL-00209-02 PP-00821)

[2] Sobre o tema é indispensável a leitura da memorável discussão entre Hans Kelsen e Carl Schmitt acerca do modelo ideal de controle de constitucionalidade, se realizado pelo Chefe do Executivo ou se por um órgão independente, dotado de garantias institucionais de imparcialidade (SCHMITT, Carl. O guardião da Constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, 252p. e Kelsen, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 181-182). Boa reflexão sobre o tema pode ser encontrada aqui. Aqui pode ser encontrado um texto do próprio Kelsen.

[3] A nomenclatura “difuso” se utiliza em razão da pluralidade de órgãos judiciários que pode realizar o controle de constitucionalidade. A ideia no caso é que a competência para reconhecer a lei como inconstitucional está difusa, dispersa perante vários órgãos judiciais.

[4] Como exemplo, o Supremo reconheceu de forma incidental no Habeas Corpus 82.959 a inconstitucionalidade da proibição de progressão de regime de cumprimento de pena para pessoas presas por cometerem crimes hediondos: “Conflita com a garantia da individualização da pena – artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal – a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90.”

[5] Lei 11.417/2006.

[6] Código de Processo Civil: “Art. 543-A.  O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo. § 1o  Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. § 2o  O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral. § 3o  Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal. § 4o  Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário. § 5o  Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. § 6o  O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. § 7o  A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão.”

[7] Ao que tudo indica a expressão foi cunhada por Valerio Mazuolli, em tese de Doutorado defendida em 2008. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Rumo às novas relações entre o direito internacional dos direitos humanos e o direito interno: da exclusão à coexistência, da intransigência ao diálogo das fontes. Tese de Doutorado em Direito. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul/Faculdade de Direito, 2008, pp. 201-241. Conferir ainda o livro  MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, bem como oartigo do mesmo autor: MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Teoria Geral do Controle de Convencionalidade no Direito brasileiro. Disponível em http://www.lfg.com.br 29 maio. 2009.

[8] PIOVESAN, Flavia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12. ed. São Paulo, Saraiva, 2011, p. 96.

[9] STF, ADI 1480 MC, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 04/09/1997, DJ 18-05-2001 PP-00429 EMENT VOL-02031-02 PP-00213.

[10] “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

[11] Em apertada síntese, há dois fundamentos normativos na Constituição para se chegar a tal conclusão: a) o veículo de introdução do Tratado é um Decreto Legislativo (art. 49, I), cujo status hierárquico é o mesmo de uma lei complementar; b) ao definir a competência do STF para o julgamento do recurso extraordinário, o Constituinte estabeleceu (art. 102, III, “b”) que ele seria cabível quando a decisão recorrida “declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal”, equiparando, pois, as duas figuras e estabelecendo, nitidamente, a sujeição dos tratados às normas constitucionais”.

[12] PIOVESAN, Flavia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12. ed. São Paulo, Saraiva, 2011, p. 105-124.

[13] No julgamento da ADIn 1.408 o Supremo já havia manifestado o entendimento pelo qual um Tratado Internacional não poderia estar acima da Constituição Federal: “O primado da Constituição, no sistema jurídico brasileiro, é oponível ao princípio pacta sunt servanda, inexistindo, por isso mesmo, no direito positivo nacional, o problema da concorrência entre tratados internacionais e a Lei Fundamental da República, cuja suprema autoridade normativa deverá sempre prevalecer sobre os atos de direito internacional público”.

[14] “Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: (…) III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência”.

[15] Nestes termos o Congresso Nacional aprovou com caráter de norma constitucional a “Convenção internacional sobre os direitos das pessoas com deficiência e seu protocolo facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007”, conforme Decreto 6.949/2009.

[16] Para um resumo sobre os posicionamentos acerca da questão da hierarquia dos tratados internacionais no Brasil, confira a seguinte exposição de Marco Antonio Corrêa Monteiro.

[17] Discordamos, neste pormenor, da nomenclatura empregada por Mazzuoli, que reserva a expressão “controle de convencionalidade” exclusivamente aos tratados com nível de norma constitucional”. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Teoria Geral do Controle de Convencionalidade no Direito brasileiro. Disponível em http://www.lfg.com.br 29 maio. 2009, p. 335.

[18] Assim dispõe o artigo 126 do CPC: “Art. 126.  O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito. ”

[19] “Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”.

[20] “Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”.



3 Comentários

  1. Alonso Freire disse:

    Parabéns, Cláudio.
    Gostei. Vou usá-lo em sala.

  2. Felipe Freitas disse:

    Ótimo texto. Simples e didático, como todos devem ser.
    Parabens!

  3. Oi Pessoal, obrigado! Alonso, no meu Blog (http://www.colnago.adv.br) tambem tem o mesmo conteudo em formato .pdf com algumas ilustracoes, seus alunos podem achar mais didatico.

    Abracos!