28.11.09
Um critério na jurisdicionalização das políticas sociais
POR SERGIO CRISPIM
Em que pese o fato de a crescente jurisdicionalização de questões envolvendo os chamados DESC – Direitos Econômicos, Sociais e Culturais trazer em seu bojo discussões que inter-relacionam fundamentalmente a necessidade de atendimento à população, de um lado, com a possibilidade do ente estatal de prover a quase indigência popular, de outro, prefiro o caminhar ao longo do caminho que me parece mais adequado e pelo qual o ser humano deve ser considerado como prioridade.
Por essa linha de raciocínio, imperioso se torna trilhar o caminho da ponderação de valores, mediante o qual é necessário pesar o que seria mais adequado: deixar de acolher uma vida que perece em nome de um sistema de saúde que, de tão combalido e esquecido pelo Poder Público pela completa ausência de investimentos e gerenciamento estratégico, já não funciona e justamente por isso não consegue atender ninguém de forma adequada, ou buscar, nos casos em que é premente e justificada a concessão daquilo que pretende o indivíduo, a salvaguarda do bem maior do ser humano que é a própria vida, aqui consubstanciada de forma concreta no direito à saúde, o qual se revela no bem estar, no viver bem.
Não convence o argumento de que haverá diminuição no atendimento do restante da coletividade, pois existem formas de se buscar alternativas no próprio sistema de saúde. Além disso, os entes que recorrem às instancias superiores de decisões liminares que determinam o atendimento médico, ou o fornecimento de medicamentos não se preocupam em demonstrar que aplicaram corretamente o orçamento que por eles deveria ser destinado ao setor da saúde. Referida prova seria elementar em caso no qual se reclama que o atendimento de um causaria prejuízos a terceiros, pois para tanto o ente federado tem a obrigação de demonstrar que, a despeito da integral e escorreita aplicação de verbas destinadas à saúde, inclusive com adoção de programas governamentais de aprimoramento do gerenciamento de forma a justificar que ali naquele estado não há desperdícios e que a aquisição de medicamentos e produtos hospitalares, além de outros, não padece de superfaturamentos que, aí sim, trazem prejuízos a toda a comunidade.
Como se sabe, são poucos os que se beneficiam de distorções no sistema como os aqui mencionados e não se diga que se está aqui presumindo a culpa de A, B ou C. Não se trata disso, até mesmo porque está ao alcance de todos os números e estatísticas que apontam o Brasil como um Estado em que a corrupção tem prevalecido em detrimento da real necessidade de atendimento à população, ao mesmo tempo em que são constantemente batidas as metas de arrecadação. O dinheiro não falta. O que falta é vontade de ser correto e fazer o dever de casa para evitar a calamidade da ausência de atendimento à população. Nessa linha, o Poder Público não pode se queixar da ausência de recursos para atender a decisão judicial que busca a salvaguarda de uma vida, enquanto não demonstrar que em suas fronteiras consegue destinar toda a verba prevista no orçamento para o setor de saúde e que os recursos não padecem de desvios e nem tampouco da falta de gerenciamento estratégico, mediante a boa aplicação do dinheiro e dos recursos humanos.
Entremostra-se possível a demonstração aqui mencionada mediante apresentação de dados concretos que apontem para a destinação de todo o percentual reservado à saúde, assim como aquisições de materiais e medicamentos ao preço de mercado e ainda a efetiva implementação normativa de programas de eficiência nos quais se possa avaliar que o ente federado realmente passou a trilhar o caminho do atendimento à população que ali vive. Creio que assim o Poder Judiciário poderá firmar um critério que inclusive obrigará o administrador público a buscar a eficiência em detrimento da obsoleta e irresponsável gestão de verbas que assistimos na atualidade. Poder-se-á, assim, imprimir sistema de pressão ao administrador que não quiser se ver refém de liminares e outras medidas dessa natureza. Em outras palavras, primeiro oferece serviços públicos de qualidade para depois buscar no Judiciário solucionar casos pontuais em que liminares “indesejáveis” pipocam pelo País afora em substituição daquilo que se consubstancia na omissão do Poder Executivo.
Antes do Poder Público responsável pela aplicação e sucesso dos programas sociais demonstrar concretamente que se ressente da ausência de recursos e que a medida judicial poderia de fato prejudicar o atendimento que está implementado e não sofre desvios consideráveis, creio que ao Judiciário sempre caberá preferir optar pela possibilidade de salvamento de uma vida.