13.11.09
Sobre o vestido vermelho
POR GUILHERME NÓBREGA
Em exacerbada evidência o caso da aluna hostilizada por usar um vestido curto (!) numa instituição de ensino superior (?) do Estado de São Paulo.
Chega a ser paradoxal que a falta de pano dê tanto pano pra manga, mas o caso traz consigo algumas reflexões…
Com um traje de tamanho diretamente proporcional ao grau de tolerância dos estudantes agressores, é de se dizer que a vítima suscitou a natureza primata da turba em minutos de um nada saudoso retorno ao estado de natureza selvagem hobbesiano.
Olvidou o “insigne” corpo discente que o Estado de Direito veio justamente para substituir a máxima animalesca do homo homini lupus.
Esqueceu-se ainda que, curiosamente, convencionou-se denominar a instituição que integravam de “Universidade” justamente por haver o pressuposto de um mínimo de senso crítico e de tolerância para se conviver com a universalidade que compõe a sociedade. Relegou a segundo plano o dispositivo constitucional que trata todos como iguais perante a lei, impedindo que, sem mais nem menos, uns sejam considerados menos (por mais que estejam vestindo menos).
Às favas com a dignidade, a honra e a imagem! Um cômodo conforto de camuflagem em meio à multidão opaca não dá, em absoluto, o direito a ninguém de se sentir justiceiro… A inquisição já foi.
Seja pelo frenesi hormonal, seja pelo deturpado senso de Justiça pseudomoralista, nada justifica o sadismo humano dirigido a outra pessoa indefesa, ao passo que não se pode transmudar em culpada a maior vítima, sob pena de se aplicar o mesmo raciocínio de que se vale o estuprador ao justificar-se de que sua vítima “pedia para ser violentada”.
É curioso que para temas mais importantes não haja tanto vigor na cobrança de um juízo de conformação moral. A esse respeito, cabe ressaltar a promiscuidade das relações de alguns representantes da nossa população que tornam pequeno o caso do vestido pequeno.
Vai a intolerância, fica a lição de mulheres à frente de seu tempo. Transgressoras que contribuíram para a ampliação dos direitos das mulheres e para a revolução sexual que, ao que indica, não chegou ao ABC: Marilyn Monroe, Carmen Miranda, Chiquinha Gonzaga, Simone de Beauvoir, Ella Fitzgerald, Janis Joplin, Yoko Ono, Frida Kahlo, Madonna (apenas para citar algumas).
Alguns casos ganham notoriedade na medida em que incutem em todos o desejo de manifestar sua opinião. No assunto em apreço, há indiscutível discriminação e intolerância não-velada. Seria o caso de criar um sistema de cotas para as mulheres que usem vestidos curtos?!
Vão as feridas morais, fica o fatídico exemplo social de como (não) se comportar.
Vai a individualidade, ficam as palavras de Elias Canetti, escritor e sociólogo: “Massa exaltada. Que quer descarregar. Na descarga, todas as separações são colocadas de lado. Todos se sentem iguais. Para atacar. Ferir. Apupar. Emerge um impulso de destruição. Que assume a forma de um ataque a todos os limites. A massa quer crescer. Até o infinito. O apupo se expande. O estado primitivo da massa chama a atenção. É o fogo da massa. A massa que incendeia julga-se irresistível. Tudo vai se incorporando a ela enquanto o fogo – o apupo – avança. A massa de fogo se expande. Sem limites.”
Vai a idade, vai a vaidade, vem a maturidade.