16.06.18

O Supremo submisso

 

Para que volte a ser Supremo, é preciso voltar a ser tribunal

Por Rubens Glezer

A crise de autoridade do Supremo Tribunal Federal chegou a um novo piso. Entre 2012 a 2018, o Supremo deixa de ser percebido como o grande reservatório de moralidade democrática para se tornar cada vez mais parte, e até causa, da crise política.

Durante esse período gastou muito mais capital político do que detinha; um processo acelerado pelas divisões internas e disputas públicas. Com isso, assistimos a um STF que aos poucos passou a ter dificuldades para enfrentar o Legislativo e o Executivo, para chegar hoje em um tribunal que tem dificuldade até mesmo para tomar decisões fáceis; como a proibição da condução coercitiva de investigados.

A dificuldade de que trato não é a jurídica, ou seja, o problema não está na parte “técnica” dos argumentos. A maioria dos ministros entendeu que levar um investigado à força para prestar depoimento em delegacia não é compatível com o fato de nosso sistema conferir o direito ao silêncio aos acusados.

Afirmaram que se o investigado tem o direito de não dizer nada à autoridade policial, não deveria ser levado obrigatoriamente pela polícia até a delegacia, dado o amplo risco de espetacularização ou abuso de autoridade no processo.

Já a maioria vencida não viu problema na utilização de um mecanismo penal muito menos severo do que prisões preventivas e, em certa medida, do que as prisões após condenação em segunda instância. Nada de extraordinário nesse tipo de divergência.

O que chama a atenção foi o tom de “desculpas”. Quem votou pelo fim da condução coercitiva reiterava que não estava contribuindo com a impunidade e nem coadunando com o interesse de corruptos.

Já quem votou pela constitucionalidade do instrumento reafirmava que abusos do sistema de Justiça são esparsos, que as instituições funcionam normalmente e que não existe uma conjuntura de violação de direitos fundamentais em nome de uma agenda moralizadora.

Por um lado, esse tom defensivo responde às acusações feitas em plenário por ministros como Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso.

Enquanto o ministro Gilmar repetiu acusações a erros cometidos pela Polícia Federal e sob a gestão de Janot no MPF, o ministro Barroso afirmou que essa mitigação dos instrumentos de investigação e controle da corrupção é um “surto de garantismo” voltado a proteger os interesses de determinados agentes que hoje são (ou correm o risco de ser) alvos de investigação e processo penal.

Por outro lado, isso é apenas parte da explicação sobre como votaram os demais ministros. Afinal, acusações desse tipo não são novidade no tribunal, que vem presenciando discussões cada vez menos parcimoniosas.

Esse parece ser um sintoma de que os ministros se deram conta que a força de seus votos e decisões não vem mais de seus argumentos jurídicos. Com isso, tentam fiar seu posicionamento em posturas e discursos políticos, ou seja, proteger sua autoridade com posturas políticas.

Nesse jogo político, porém, o Supremo não tem como ser bom. Em primeiro lugar porque é necessariamente menos habilidoso politicamente do que o Congresso Nacional e o Planalto. Em segundo lugar, porque a autoridade política está ligada à popularidade e atender às vontades da maioria.

Entra-se no jogo político para jogar mal e, além disso, deixar de fazer seu trabalho, que é aplicar a Constituição e as leis. Para que volte a ser Supremo, é preciso voltar a ser tribunal.

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Rubens Glezer é professor e coordenador do Supremo em Pauta da FGV Direito SP.

Publicado originalmente no site da Folha de S.Paulo, edição 16.6.2018.

Foto: Nelson Jr./SCO/STF.



Um comentário

  1. Inocêncio Mártires Coelho disse:

    Na condição de corte constitucional, por isso situado institucionalmente fora e acima da tradicional tripartição dos poderes do Estado, o STF não pode ser player em um jogo, que lhe cabe arbitrar e não agir sob a lógica do resultado desejado. Caso contrário, perde ele, perde a cidadania, perde o País.