Por Carlos Eduardo Oliveira Lula
18.06.13

O Supremo e o compromisso com os seus erros

 

Durante esta semana, com os votos dos ministros Celso de Melo, Cármen Lúcia e Joaquim Barbosa, deveremos ter o encerramento do julgamento do Mandado de Segurança (MS) 32033, impetrado pelo Senador Rodrigo Rollemberg com o intuito de impedir que o Senado se manifeste sobre o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 14/2013.

Todos nós já sabemos do enredo do caso: houve deferimento, pelo relator, o ministro Gilmar Mendes, de liminar para impedir a tramitação do projeto de lei. Na liminar, o ministro concedeu parcialmente a segurança para “reconhecer a ilegitimidade do PLC 14/2013, nos termos em que aprovado pela Câmara dos Deputados, por ofensa as cláusulas pétreas da Constituição de 1988”.

O impedimento de deliberação pelo Senador Rollemberg gerou uma série de debates sobre a suposta intromissão do Supremo Tribunal Federal em assuntos que seriam da alçada exclusiva do Poder Legislativo. Mas, para entender o centro de tamanha polêmica, temos de voltar um pouco no tempo e, então, vislumbrar como a aprovação do projeto poderá ter influência decisiva nas eleições de 2014.

Em 2012, às vésperas do início do processo eleitoral, o STF concluiu o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nº 4.430 e nº 4.795. Ambas pugnavam pela declaração de ofensa ao texto constitucional de dispositivos da Lei das Eleições sobre a distribuição do tempo de propaganda eleitoral.

Criado em 2011, o PSD pretendia ver assegurado o acesso ao rádio, à televisão e ao fundo partidário. Surpreendentemente venceu, com o Tribunal tendo agido sob o argumento de defender minorias partidárias, porque não haveria “autêntica liberdade de criação de partidos políticos” caso não fosse permitido aos fundadores de uma nova agremiação contar com sua representatividade para a divisão do tempo de propaganda político-eleitoral.

Como bem reconheceu o professor Fernando Limongi (USP), com essa decisão, o STF reintroduziu, pela porta dos fundos, a motivação para a migração partidária. Afinal, com o entendimento, todo novo partido teria direito a tempo em rádio e TV proporcional à sua bancada, sem os riscos de perder o mandato por infidelidade partidária, eis que participar da criação de um novo partido é justa causa para a desfiliação.

Sem nem perceber, o Supremo deu grande força ao “troca-troca” de partidos pelos mandatários eleitos, exatamente o que o Tribunal tentou evitar com a imposição da fidelidade partidária. A decisão, aliás, é contraditória à regra da fidelidade. O tempo de propaganda em rádio e TV pertence, afinal, ao mandatário ou ao partido? A decisão do STF, portanto, ainda que defensável do ponto de vista jurídico, foi terrível do ponto de vista político.

O PLC 14/2013 tentou corrigir esse flagrante erro de interpretação do Supremo Tribunal Federal, asseverando, em síntese, que a migração partidária que ocorrer durante a legislatura, em qualquer hipótese, não acarretará a transferência do fundo partidário e do horário eleitoral de rádio e televisão.

Tal proposta copia outra lei de sucesso, que assevera que o tempo no horário gratuito de propaganda eleitoral conferido a cada partido é proporcional à sua bancada eleita na Câmara dos Deputados. Anteriormente, os partidos ganhavam tempo na TV na medida em que conseguiam aumentar suas bancadas, o que também era um incentivo para a mudança reiterada de partidos políticos pelos parlamentares.

De todo modo, sem o projeto de lei aprovado, a realidade que se apresenta é a de profusão de novos partidos políticos, como um meio para contornar as restrições impostas pela legislação eleitoral, sem o risco de se perder o mandato e ainda levando fundo partidário e tempo de propaganda partidária.

Mas a correção proposta pelo PLC 14/2013 levará, caso aprovada, a situação fática injusta: o Rede, o Solidariedade e o Mobilização Democrática, partidos prestes a serem criados, seriam atingidos em cheio e teriam sua criação repensada. O único partido beneficiário da interpretação do STF seria o PSD. Os demais só teriam recursos e tempo de propaganda proporcionais às bancadas eleitas em 2014.

Ao conceder a liminar no MS 32033, o relator estava, sem dúvida, atento a essa realidade. Embora procure demonstrar que o STF tem o dever de zelar pelo “devido processo legislativo”, sua decisão não diz respeito a essa questão, porquanto se refere, na verdade, ao próprio conteúdo do projeto de lei. Não é possível, todavia, ao STF paralisar o processo legislativo simplesmente por não concordar com o seu teor, vez que esse tipo de controle prévio de constitucionalidade inexiste no Brasil. Parece ser esse o caminho que o Tribunal irá seguir, com já cinco votos nesse sentido (Ministros Luiz Fux, Teori Zavascki, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Marco Aurélio votaram assim se manifestaram).

Isso não impede, contudo, que futuramente o Tribunal seja levado a discutir o teor do projeto de lei caso aprovado pelo Senado, o que fatalmente ocorrerá. Mas, até lá, o Supremo poderá reconhecer o seu erro e com seus erros o Tribunal deve possuir um único compromisso: retificá-los.

Ainda que, para isso, tenha de permanecer errando até 2014 e corrigi-lo apenas no futuro, já que pior do que a decisão primeira que concedeu tempo e verba para os partidos recém-criados, seria aceitar que apenas uma determinada agremiação política, no caso, o PSD, se valesse dos seus benefícios.

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CARLOS EDUARDO OLIVEIRA LULA, advogado, ex-diretor-geral da Escola Superior de Advocacia da OAB/MA, consultor legislativo da Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão, presidente da Associação Nacional dos Consultores Legislativos – ANACOL e autor da obra Direito Eleitoral (3ª edição, Editora Imperium). E-mail: eduardolula@terra.com.br.

Foto: Carlos Humberto/SCO/STF.



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