19.10.09

A antecipação de tutela nos processos de fidelidade partidária

POR SERGIO REIS CRISPIM

A necessidade de se lançar mão de tutelas urgentes para se evitar a troca partidária perniciosa

Assistimos a inclusão no cenário político nacional, tanto pelo Tribunal Superior Eleitoral, quanto pelo Supremo Tribunal Federal, da importantíssima virada no entendimento daquilo que realmente melhor atende aos interesses da sociedade brasileira quanto ao tema fidelidade partidária. Foram reduzidas as hipóteses em que o mandatário eleito por votação popular se veja em condições de mudar de sigla partidária. Contudo, o Poder Judiciário pode e deve avançar no sentido de agilizar as ações movidas pelos partidos e conceder com certa tranqüilidade tutelas de urgência para evitar o prolongamento da irregularidade no exercício do mandato que foi outorgado pelo povo aos partidos e desrespeitosamente é utilizado como meio de promoção de interesses individuais.

Sem sombra de dúvidas, o conhecido “troca-troca” colocou em xeque a seriedade da estrutura partidária no Brasil. Seus alicerces jurídicos foram fundados após a Emenda Constitucional n. 25/85, quando se alterou a redação do artigo 152, parágrafo único da Carta de 1967/69. Aquele dispositivo previa a pena de perda do mandato para o mandatário que viesse a se desligar do partido político pelo qual havia sido eleito.

Através de brilhante desenvolvimento de raciocínio interpretativo, sistêmico e lógico-jurídico, tornou-se emblemática a mudança no posicionamento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, como a observada no Mandado de Segurança 26604 impetrado justamente em razão da troca partidária ilegítima, nos moldes anteriormente reconhecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral. Apurou-se o entendimento mediante desvio da visão punitiva, mediante a qual seria pressuposto a existência de um texto legal com previsão do respectivo tipo penal de enquadramento e a correspondente sanção, para o campo do interesse social em que se erigiu a um patamar superior a importância da fidelidade partidária. Essa novel interpretação constitucional teve como objetivo impor barreiras às mesquinharias que vinham permeando o real interesse daqueles que deixavam suas siglas partidárias por outras. Houve ali nítida ponderação de valores e prevaleceu o argumento que melhor reflete o anseio social de barrar o curso d’água pelo qual navegava apenas a canoa do privilégio do eleito em detrimento do eleitor.

Paralelamente ao novo fato político-jurídico, temos as tutelas de urgência mediante as quais é cabível ao Estado-Juiz promover o célere atendimento da postulação da parte que bate às portas do Poder Judiciário a reclamar que se assegure de forma rápida e, por isso eficaz, a proteção a um direito que está prestes a ser violado, ou a garantia de seu exercício naqueles casos em que houve desrespeito por parte de outrem.

A antecipação de tutela no processo civil, aplicável ao processo judiciário eleitoral, fundado nas disposições contidas no artigo 273 do Código de Processo Civil, se afigura como a razoável e contundente forma assegurada aos partidos para ir à busca do mandato, subitamente perdido em razão da troca partidária advinda da opção de fundo egoísta de um dos componentes de seus quadros.

No caso específico aqui analisado, os requisitos daquele dispositivo podem se caracterizar de imediato, pois o desligamento já traz em si uma carga probatória que faz inverter o ônus da prova de que a desvinculação se deu por um dos quatro motivos especificados pela Justiça Eleitoral e mediante os quais a troca se faz possível. Demonstrado o desligamento, cabe ao mandatário demonstrar a legitimidade de seu ato e não ao ente partidário e a partir desse raciocínio se pode tranquilamente evoluir para o pleno enquadramento da hipótese na verossimilhança das alegações e prova inequívoca para a concessão da tutela.

No pertinente à prova inequívoca, pode-se ponderar que ela não estaria plenamente consubstanciada com a mera demonstração do desligamento e que seria necessário, antes de qualquer coisa, viabilizar ao mandatário o direito de trazer em juízo as razões e eventuais contraprovas de que a hipótese dele se enquadra naquelas relacionadas pelo Tribunal Superior Eleitoral, quais sejam a perseguição, a fusão partidária ou extinção da sigla, ou ainda a mudança das diretrizes programáticas.

Contudo, observo que a troca partidária em si já traz carga probatória de grande contundência em favor do ente partidário, ainda mais se observada a relevante fundamentação dos votos da Suprema Corte no julgamento do já mencionado Mandado de Segurança nº 26604, onde se reconheceu a importância do ente partidário e a necessidade de se deixar para trás o impulso egoísta que leva ao desligamento de uma sigla. Não apenas isso, mas deve-se considerar que os casos de perseguição ao mandatário por parte do partido ou a mudança programática podem e devem ser objeto de demonstração em procedimento previamente instaurado pelo interessado na troca. Em outras palavras, o mandatário que se sentir perseguido ou prejudicado pelas mudanças de orientação do partido ou ainda desobediência deste ao próprio programa é que deve, como interessado, buscar a defesa de seus interesses mediante procedimentos prévios ou impetração de medidas judiciais nas quais se demonstre in limine a justa causa que embasa a sua opção.

As causas consideradas como justas para o desligamento do mandatário do partido pelo qual se elegeu podem ser consideradas como exceções à regra geral de não se permitir a saída dos quadros partidários, pois não é lícito mudar de partido no curso do mandato. A presunção deve ser sempre de que o mandato é do partido e com ele deve permanecer. Justamente em razão disso, cabe ao mandatário provar que teve motivos para se desligar da agremiação e não o contrário.

A reversibilidade da medida, ao contrário do que alguns poderiam sustentar, é ampla, caso a manutenção do mandato pelo partido seja decretada em antecipação de tutela. É que ao eventual prejudicado caberá ainda o direito recursal ao órgão judicial competente para o reexame da matéria, onde caberá inclusive pedido liminar para suspensão da medida, cujo deferimento seria imposição sempre que demonstrado cabal e conjuntamente com a peça recursal que a saída do partido se deu com fundamento em um dos requisitos eleitos pelo Tribunal Superior Eleitoral para tanto.

A mudança de paradigma traria à sociedade um ganho substancial, pois a motivação mesquinha e em atendimento a interesses individuais sofreria dura marcação em prol do fortalecimento dos entes partidários. Para se retirar dos quadros de determinada sigla através da qual obteve êxito nas eleições, ao mandatário nasceria a obrigação e o ônus de se resguardar previamente, mediante procedimento prévio intrapartidário, mediante o qual teria a oportunidade de demonstrar que sua saída está ocorrendo em função de perseguição, de mudança do conteúdo programático do partido, ou de fusão de sua sigla com outra, ou ainda por desobediência pela direção da sigla ao conteúdo programático partidário, requisitos esses expressamente previstos pelo Tribunal Superior Eleitoral como suporte de uma retirada plausível e admissível como adequada e correta.

A importância dos partidos cresce na medida em que procedimentos intrapartidários prévios abrirão ensejo à discussão interna que diga respeito à intenção do mandatário de obter licitamente o desligamento ou não dos quadros partidários. Como contrapeso, o Poder Judiciário poderá exercer papel relevante de celeremente subtrair o mandato daquele que desrespeitar o dever de fidelidade partidária, restituindo-o ao seu verdadeiro titular, que é o partido político. Assim, também coibirá eventuais abusos dos dirigentes que desejarem simplesmente perseguir.

Vejo, portanto, na antecipação de tutela importante medida da qual os partidos poderão se valer para celeremente reaver o mandato subitamente perdido para outras siglas em função da troca espúria e que somente serve aos interesses pessoais daquele que voluntariamente se desligou. A verossimilhança das alegações, bem como a prova inequívoca dos fatos e a reversibilidade da medida, como anteriormente sustentado, são fáceis de se evidenciar, sendo que falta apenas uma mudança de paradigma dos magistrados eleitorais no sentido de realmente entender o sentido das vozes que ecoaram respectivamente do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal em prol do interesse social e contra a mesquinharia de uns poucos, que enxergam na política apenas uma forma de se manter no poder a qualquer custo.



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