Por Rodrigo Brandão
11.04.15

O outro lado de Marbury v. Madison

 

Por Rodrigo Brandão

É recorrente, na doutrina e na jurisprudência, a afirmação de que, desde Marbury v. Madison [1] se sabe ser um corolário natural da supremacia da Constituição ter o Judiciário a última palavra sobre questões constitucionais controvertidas. Caso assim não fosse, a obrigatoriedade de os Poderes Executivo e Legislativo cumprirem a Constituição seria uma ideia vã [2]. O presente artigo, contudo, se destina a demonstrar que, embora essa assertiva (supremacia judicial) possa ser defendida em sede normativa, é um equívoco o uso da decisão proferida pela Suprema Corte dos EUA no caso Marbury para ilustrá-la. Cuida-se, a bem da verdade, de leitura dos seus fundamentos com total abstração do seu “dispositivo”, e, sobretudo, do contexto político vivido nos EUA na primeira década do século XIX.

Embora houvesse prévias denúncias de aparelhamento político do Judiciário pelos federalistas[3], eclode verdadeira crise institucional com a nomeação dos assim chamados juízes da meia-noite. Após o seu candidato à Presidência da República (Aaron Burr) ter sido derrotado por Thomas Jefferson (republicano), o Presidente John Adams (federalista) fez aprovar o Judiciary Act (janeiro de 1801), lei que criou 18 cargos judiciais, sob o argumento principal de consolidar o Judiciário no país e livrar os juízes da Suprema Corte da atuação concomitante como circuit justice, que lhes submetia a estafantes viagens. Diante do seu interesse em prover os cargos no exíguo lapso de tempo que lhe restara, Adams dá início a uma intensa corrida contra o relógio, havendo o relato de nomeações temerárias, como, p. ex., de pessoas sem experiência jurídica e de parentes de políticos.

O quadro se tornou mais grave quando, há menos de 15 dias do término de seu mandato, Adams logrou aprovar lei de organização do novo Distrito de Columbia[4], através da qual foram criados 42 cargos de juízes de paz ? número considerado altíssimo para um distrito pequeno ?, que foram preenchidos por um procedimento relâmpago. Por fim, cite-se a nomeação, para a presidência da Suprema Corte, de John Marshall, antigo Secretário de Estado de Adams, um dos mais influentes políticos federalistas, e que foi protagonista nesta corrida para o provimento dos cargos judiciais recém-criados.

Tais medidas irritaram os republicanos, que consideravam ilegítimos os chamados juízes da meia-noite, não apenas por terem sido nomeados por presidente derrotado nas urnas[5], mas, especialmente, por se destinarem a mitigar a vitória eleitoral republicana mediante a perpetuação dos princípios federalistas no Judiciário. Não por acaso um dos primeiros atos praticados pelo Congresso republicano foi a revogação do Judiciary Act (março de 1802), com a consequente extinção dos cargos de circuit judges e a retirada dos respectivos juízes dos seus cargos.

Sob os argumentos técnicos veiculados por federalistas e republicanos em favor, respectivamente, da manutenção e da extinção dos cargos judiciais[6], havia controvérsia mais densa a respeito da correta interpretação do art. 3º da Constituição de 1787[7]: enquanto os federalistas consideravam que a extinção dos cargos judiciais ? e a consequente retirada dos juízes das suas funções ? violaria a independência judicial protegida pela Constituição (ressaltando a garantia de os juízes preservarem os seus cargos enquanto mantivessem “bom comportamento”), os republicanos afirmavam que a independência judicial fora usada de forma fraudulenta, e que a sua restrição inserir-se-ia na competência do Congresso para “regulamentar” e “criar” Tribunais.

Todavia, em um nível ainda maior de profundidade, havia profícua controvérsia entre teorias políticas e modelos de desenho institucional: por um lado, os federalistas consideravam que a verdadeira vontade do povo se revelara na Convenção de Filadélfia, de maneira que o Judiciário deveria proteger a Constituição de 1787 da vã tentativa dos republicanos de falarem em nome do povo por terem vencido as mais recentes eleições. Por outro lado, os republicanos reputavam que a voz da nação se manifestara nas últimas eleições, nas quais uma firme maioria os consagrara em repúdio aos federalistas, de modo que o entrincheiramento de federalistas e dos seus princípios no Judiciário consistia em uso fraudulento da Constituição. Assim, enquanto os federalistas destacavam a supremacia da Constituição em face de maiorias transitórias, os republicanos arguíram que tal proposta redundava em um governo dos mortos sobre os vivos, sublinhando os conflitos intergeracional e democrático a ela inerentes.

Os federalistas buscaram articular um boicote à medida republicana, como revelam comunicações privadas de Marshall com os demais juízes da Suprema Corte, nas quais ele sugeriu aos seus colegas que não retornassem às funções de circuit judges, não os tendo, contudo, convencido[8]. Os republicanos agiram rápido: no final de abril de 1801 aprovaram o segundo Judiciary Act, que, a pretexto de reformular o calendário de encontros da Suprema Corte, cancelou a sessão de junho de 1801, que, por ocorrer menos de um mês antes da data marcada para a extinção dos cargos de circuit judges, consistia em ocasião perfeita para a discussão sobre a constitucionalidade da revogação do primeiro Judiciary Act.

Naturalmente, o conflito se judicializou, cumprindo destacar três casos importantes. No primeiro, Joseph Reed, um circuit judge retirado do seu cargo, pediu a manutenção do pagamento dos seus salários. No segundo (Stuart v. Laird)[9], Stuart, também um circuit judge afastado, formulou pedido mais ousado: que a Suprema Corte declarasse inconstitucional a revogação do Judiciary Act, e, consequentemente, que os circuit judges retornassem às suas funções e a Suprema Corte se mantivesse como “Corte de Apelação”. No terceiro (Marbury v. Madison), William Marbury e outros, embora nomeados pelo governo passado para o cargo de juiz de paz no Distrito de Colúmbia, não receberam as suas investiduras, pois Marshall, na condição de Secretário de Estado de Adams, não teve tempo de entregá-las; assim postulavam a obtenção de ordem judicial que compelisse o novo governo a dar-lhes posse.

Note-se que a alteração do calendário das sessões da Suprema Corte foi percebida pelos seus membros como um claro recado dos Poderes Legislativo e Executivo no sentido de que uma postura ativista no restabelecimento dos cargos de circuit judges poderia colocar em risco a sua independência institucional[10]. Desta forma, o pedido mais palatável à Suprema Corte era o de Reed, pois o pagamento de salários a juiz afastado era menos ofensivo à investida republicana contra o Judiciary Act federalista do que o retorno dos circuit judges ao exercício das suas funções.

Embora o caso Marbury contivesse um pedido cujo acolhimento decerto desagradaria aos republicanos ? posse de midnight-judges ?, ele não tratava de lide tão importante como os casos Reed e Stuart, pois versava sobre cargos de juiz de paz, que, além da pequena relevância política, não gozavam da garantia constitucional da vitaliciedade (os seus mandatos eram de cinco anos). Com efeito, o ponto nevrálgico do debate era a possibilidade de lei extinguir cargos judiciais vitalícios (circuit judges), sob o argumento de os seus provimentos serem ilegítimos, vez que oriundos de presidente derrotado nas urnas que buscava supostamente infiltrar no Judiciário os seus correligionários.

Todavia, circunstâncias aleatórias (Reed desistiu da ação) e o caprichoso método de seleção de casos da commom law fizeram com que a Suprema Corte apreciasse o caso Marbury logo na sessão seguinte ao segundo Judiciary Act. [11] Na ocasião, Marshall subverteu a lógica processual, na medida em que decidiu o “mérito” antes das questões preliminares.

Marshall afirmou, inicialmente, que os impetrantes possuíam direito à investidura nos cargos, já que o poder discricionário do Executivo se encerraria no momento da nomeação, de modo que após a prática deste ato deveria ser respeitada a estabilidade dos juízes em seus cargos. Assim, a conduta de Madison, secretário de Estado de Jefferson, no sentido de reter os atos de investidura foi tida como ilegal, na medida em que violara o direito dos nomeados a exercerem o cargo de juiz de paz pelo lapso de tempo determinado legalmente. Todavia, o desafio perpetrado ao governo de Jefferson parou por aí. Sob o argumento de que as competências originárias da Suprema Corte estão submetidas à “reserva de Constituição”, a Corte reconheceu a inconstitucionalidade do dispositivo legal que lhe concedera competência para julgar o caso[12], e, assim, negou-se a ordenar o Presidente a dar posse aos impetrantes.

Daí já se pode inferir o caráter ilusório da ideia de que a Suprema Corte profere a última palavra sobre o sentido da Constituição em casos politicamente salientes acima e para além dos demais “poderes” e de relevantes atores sociais. Ainda que esta tese possa ter defendida em um plano normativo, é simplesmente errado usar Marbury v. Madison para o seu suporte. Trata-se de leitura da fundamentação da decisão com completa abstração do seu resultado e do seu contexto político.

Todavia, conforme destacado por Robert McCloskey e por Luís Roberto Barroso[13], a decisão em Marbury consistiu em resposta extremamente sagaz de Marshall ao desafio republicano à questão dos juízes da meia-noite na qual ele estava profundamente envolvido: ao reconhecer a ilegalidade da conduta de Madison e negar competência para julgar o caso, Marshall conseguiu, em uma só tacada, condenar a conduta dos republicanos para a defesa dos seus colegas federalistas, da sua própria nomeação e da sua atuação como Secretário de Estado de Adams; e evitar confronto com o Presidente e o Parlamento, que poderia erodir a independência da Suprema Corte. Nas palavras de McCloskey, a Corte se colocou na agradável posição, tão comum em sua história embora tão perturbadora aos críticos, de rejeitar e assumir poder em uma só respiração[14].

Todavia, a obra de Bruce Ackerman agregou enorme valor à análise da real influência de Marbury para o debate sobre a última palavra na interpretação da Constituição, ao destacar que tal decisão deve ser interpretada em conjunto com a proferida no caso Stuart v. Laird e com o processo de impeachment instaurado contra um membro da Suprema Corte (Justice Chase).

Sublinhe-se que o caso Stuart foi julgado pela Suprema Corte apenas uma semana após Marbury, havendo atuado o mesmo advogado: Charles Lee, o habilidoso ex-procurador-geral de John Adams. Lee salientou que o raciocínio exposto em Marbury se amoldava, como uma luva, ao caso Stuart: se, em Marbury, a Corte consignara que (i) as investiduras para o cargo de juiz de paz conferem ao seu titular “direito subjetivo” à posse, e que (ii) as competências da Suprema Corte não podem ser acrescidas por lei, mas apenas por norma constitucional, a aplicação das suas premissas ao caso Stuart conduziria à conclusão de que (i) um juiz de direito vitalício que, não apenas tinha sido nomeado e empossado, como vinha exercendo as suas funções, com mais razão não poderia ser retirado do seu cargo por lei, e que (ii) lei não poderia acrescentar às atribuições do juiz da Suprema Corte a tarefa de atuar como circuit judge. O resultado é simples: a fidelidade à fundamentação de Marbury conduziria à procedência de Stuart, ou seja, ao reconhecimento da inconstitucionalidade da revogação do Judiciary Act, conforme, aliás, Marshall cogitara nas correspondências anteriormente citadas. [15]

Entretanto, a expedição de uma ordem deste teor representaria o suicídio precoce de um Tribunal que, no futuro, daria uma contribuição decisiva à expansão do Judiciário. A maioria da Corte, contudo, aderiu ao voto do Justice Paterson, que reconheceu que a prática anterior ao Judiciary Act consolidou a viabilidade da acumulação das competências de juiz da Suprema Corte com as de circuit judge.

Adotou-se, portanto, entendimento antagônico ao de Marbury, cuja decisão sequer foi citada, apesar dos esforços de Lee em relacioná-las. Marshall se julgou impedido para participar do julgamento, por ter atuado como circuit judge no juízo a quo. Ackerman sustenta que vários fatores indiciam que a sua abstenção não se deu, em suas palavras, por um “ataque de ética”: embora fosse comum que juízes da Suprema Corte não participassem do julgamento de casos em que atuaram no tribunal inferior, não havia regra fixa nesse sentido; Marshall redigia quase todas as decisões da Suprema Corte; e, sobretudo, não deixou de julgar o caso Marbury v. Madison, no qual o seu impedimento era muito mais flagrante[16].

Entretanto, em uma perspectiva estratégica, o silêncio de Marshall em Stuart foi brilhante, pois permitiu que o antagonismo da sua rationale com a de Marbury passasse despercebida ? no que também se beneficiou bastante do silêncio de Madison em Marbury[17] ?, ao ponto de Stuart sequer ser citado nos livros de Direito Constitucional, e Marbury aparecer não apenas como citação obrigatória em estudos sobre a judicial review, mas como um monumento à supremacia judicial na interpretação constitucional.

Nesta esteira, Ackerman traz novas luzes sobre a leitura desse caso clássico da literatura constitucional ao reconstruir as relações institucionais travadas à época com a finalidade de quebrar o silêncio de Marshall e Madison, mostrando a acirrada disputa que havia no limiar da república norte-americana entre os “poderes” para falar autenticamente a voz do povo contida na Constituição. A análise combinada de Marbury e Stuart revela que, enquanto a Suprema Corte cedeu a aspecto central da proposta de interpretação constitucional defendida pelos republicanos ? extinção dos cargos de circuit judges e retorno dos juízes da Suprema Corte a tal função ?, em elementos menos centrais (investidura no cargo não vitalício de juiz de paz) ela atuou de forma mais incisiva com vistas à limitação da visão constitucional das maiorias políticas, muito embora, juridicamente, as razões usadas em Marbury se aplicassem, ainda mais intensamente, ao caso Stuart. [18]

Assim, o exame combinado de Marbury e Stuart denota, na prática, uma preponderância dos poderes políticos sobre a Suprema Corte na atribuição da palavra final sobre a controvérsia constitucional mais relevante do período pós-fundação dos EUA. Todavia, a não superação formal de Marbury trazia o gérmen da expansão do papel do Judiciário na limitação de maiorias políticas, que poderia vir a florescer no futuro em solos mais propícios (como de fato ocorreu).

Note-se que o poder das maiorias poderia se tornar, efetivamente, tirânico, caso lograsse êxito a tentativa de republicanos ? capitaneada por John Randolph ? de tornar o impeachment de juízes um instrumento político que expressava a vontade popular, retirando de seus cargos juízes que tivessem perdido a confiança da nação. É evidente que o uso do impeachment como instrumento de promoção de suposta responsividade judicial ? no sentido da readequação de decisões judiciais indesejadas pelas maiorias políticas ? feriria de morte a independência judicial. O risco, contudo, se tornara iminente, com a nova eleição consagradora dos republicanos em 1804 e, especialmente, com a aprovação do impeachment de John Pickering, pois, embora haja evidências de que o magistrado caíra na senilidade e no alcoolismo, o fato de ambas as Casas do Congresso não terem debatido, de forma detida, sobre a ocorrência de infração disciplinar, tendo antes deliberado sobre a questão de forma política, comprova o exposto[19].

Porém, o momento decisivo ocorreu com a aprovação pela Câmara do impeachment de Samuel Chase, juiz da Suprema Corte, também com base em deliberação político-partidária, ao invés de em cuidadosa análise acerca da ocorrência do pressuposto legal ao impedimento (high crimes and misdemeanors)[20]. No Senado, ao contrário, o julgamento assumiu a forma de um processo judicial, tendo culminado na rejeição do impedimento pela não obtenção do quórum de dois terços. Este resultado foi fundamental para assentar a noção de que o impeachment de juízes somente é cabível diante de infrações disciplinares, e, via de consequência, foi essencial para a afirmação da independência judicial[21].

Ackerman parece estar correto em conjecturar que o resultado do julgamento de Chase possivelmente seria outro caso a Suprema Corte tivesse desafiado aspectos centrais da visão constitucional de Jefferson, julgando, por exemplo, procedente o caso Stuart para restabelecer o Judiciary Act federalista[22]. A percepção generalizada de que o Judiciário usara fraudulentamente a sua independência para impor os princípios federalistas à vontade da maioria reiterada em três eleições nacionais imporia uma pressão enorme sobre o Senado para o impeachment de juízes mais “partidários”, e, de forma mais ampla, para o uso desse instrumento para a readequação de decisões judiciais indesejadas pelas maiorias políticas. Contudo, a acomodação judicial de elemento nuclear da interpretação constitucional republicana em Stuart consistiu em recuo essencial para que a crítica de um sectarismo federalista no Judiciário se atenuasse, protegendo a independência judicial no momento em que ela mais foi ameaçada[23], além de ter permitido a consolidação da noção do caráter politicamente neutro da função judicial.

Assim, a análise combinada de Marbury/Stuart/impeachment de Chase revela, ao invés da supremacia judicial, uma complexa dança institucional entre a pretensão dos poderes políticos de se valerem do recente sucesso eleitoral para falar a vontade do povo, e a pretensão do Judiciário de adequá-la à manifestação pretérita da soberania popular (elaboração da Constituição)[24]. Antes de o Judiciário fixar isoladamente o sentido definitivo das normas constitucionais (especialmente as mais vagas), o que se extrai do período é um sofisticado diálogo em que cada instituição contribuiu com a lógica que lhe é própria para a construção de entendimentos constitucionais.

Além disso, a constatação de que a independência da Suprema Corte foi erguida sobre decisões autorrestritivas às visões majoritárias revela um padrão comum de expansão progressiva do Judiciário: as Supremas Cortes tendem a ser bastante deferentes nos seus primeiros anos de vida para, após se generalizar a percepção da sua neutralidade política, avançar sobre domínios anteriormente ocupados pelos demais poderes[25].

Substancialmente, o confronto entre as visões constitucionais dos federalistas e republicanos gerou uma mistura que, embora não se confunda com nenhuma delas, tem um pouco de ambas. Este “direito constitucional de vitórias parciais” permite que os grupos políticos se vejam minimamente reconhecidos na Constituição, circunstância que, além de dificultar propostas de ruptura constitucional, cria uma linguagem comum para a política, de maneira a que a disputa sobre a melhor forma de concretizar os princípios constitucionais permita a construção e a reconstrução da ordem constitucional, de geração em geração, até que a república se extinga[26].

Portanto, uma perspectiva dialógica, muito mais do que a supremacia de qualquer Poder, é o grande legado da dinâmica institucional presente após a fundação dos Estados Unidos para o debate sobre a construção do sentido futuro da Constituição.

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Rodrigo Brandão é professor de Direito Constitucional da UERJ e Procurador do Município do RJ.

Artigo publicado originalmente no JOTA, edição 1º.4.2015.

Notas:

[1] – Marbury v. Madison, 5 U.S. (1 Cranch) 137 (1803).

[2] – Esse raciocínio foi desenvolvido, p. ex., nos dois grandes monumentos à supremacia judicial na jurisprudência, respectivamente, das Supremas Cortes norte-americana e brasileira: City of Boerne v. Flores e ADI n. 2860 (foro por prerrogativa de função para ex-detentores de cargos públicos).

[3] – ACKERMAN, Bruce. The failure of the founding fathers: Jefferson, Marshall and the rise of presidential democracy. Cambridge: The Belknap Press of Harvard University Press, 2005, p. 228.

[4] – The Organic Act of District of Columbia, de 27/02/1801.

[5] – Sublinhe-se que a vitória dos republicanos nas eleições de 1800 foi acachapante, pois conquistaram a presidência e a maioria na Câmara e no Senado.

[6] – Em apertada síntese, os republicanos consideravam o aumento dos juízes desnecessário, diante do declínio do uso do Sedition Act ter ocasionado redução do número de ações judiciais. Já os federalistas reputavam que os novos juízes eram fundamentais para se obter uma Justiça eficiente e barata, sobretudo diante do aumento da população e da atividade econômica, dos custos com a manutenção dos novos tribunais serem baixos etc. Ibid., p. 149/152.

[7] – “Article III ? The Judicial Branch ? Section 1 ? Judicial powers: The judicial Power of the United States, shall be vested in one supreme Court, and in such inferior Courts as the Congress may from time to time ordain and establish. The Judges, both of the supreme and inferior Courts, shall hold their Offices during good Behavior, and shall, at stated Times, receive for their Services a Compensation which shall not be diminished during their Continuance in Office” (grifos nossos). Disponível em: <http://www.usconstitution.net/const.html#Article3>. Acesso em: 22/05/2010.

[8] – O argumento era surpreendentemente similar ao usado no ano seguinte no caso Marbury v. Madison: os atos de investidura dos juízes da Suprema Corte conceder-lhes-iam a prerrogativa de exercer as atribuições deste cargo, de modo que somente poderiam exercer as funções de circuit judges se recebessem uma nomeação específica para este cargo. Embora o Justice Chase tenha aderido veementemente a Marshall, os Justices Washington, Paterson e Cushing divergiram, pois, se antes do Judiciary Act eles exerciam ambas as atribuições, não pareceria razoável que, no momento em que os republicanos ascenderam ao poder, eles viessem a recusar-se a exercer funções desempenhadas durante os governos federalistas. Ver ACKERMAN, Bruce. The failure of the founding fathers: Jefferson, Marshall and the rise of presidential democracy. Op. cit., p. 164/172.

[9] – 5 U.S. 299 (1803).

[10] – Ibid., p. 171.

[11] – Ibid., p. 181.

[12] – Seção 13 do Judiciary Act de 1789.

[13] – MCCLOSKEY, Robert. The american supreme court. Third Edition. Chicago: Chicago University Press, 2000; BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 7 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 165/177, e, posteriormente, em BARROSO, Luís Roberto. A americanização do direito constitucional e seus paradoxos: teoria e jurisprudência constitucional no mundo contemporâneo, pp. 18/20. Disponível em http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/a_americanizacao_do_direito_constitucional_e_seus_paradoxos.pdf; Acesso em 29.03.2015.

[14] – MCCLOSKEY, Robert. The american supreme court. Op. cit., p. 30.

[15] – ACKERMAN, Bruce. The failure of the founding fathers: Jefferson, Marshall and the rise of presidential democracy. Op. cit., p. 183/184.

[16] – De fato, não se pode esquecer que o caso Marbury v. Madison teve origem no fato de o próprio Marshall, enquanto Secretário de Estado de Adams, não ter entregue a tempo a investidura a Marbury e aos seus colegas. Além disto, havia controvérsia sobre a própria existência dos atos de nomeação ? já que eles se encontravam em poder de Madison, que, orientado por Jefferson, boicotara todo o processo ?, a qual acabou sendo dirimida pelo testemunho de James Marshall, irmão de John (!), no sentido de que as investiduras existiam, mas que não haviam sido entregues aos seus destinatários. Portanto, a máxima de que ninguém é bom juiz em causa própria, somado ao fato de haver controvérsia sobre a existência de um ato que fora assinado pelo juiz que presidiu o julgamento, evidenciavam o impedimento de John Marshall para o julgamento do caso Marbury. Ibid., p. 186.

[17] – Sob a orientação de Thomas Jefferson, Madison boicotou o processo Marbury v. Madison, não se manifestando quando intimado. Ibid., p. 187/188.

[18] – Ibid., p. 9.

[19] – Ibid., p. 199/201 e 206/208.

[20] – Confira-se a redação da Seção 4 do art. 2° da Constituição norte-americana: “The President, Vice- President and all civil officers of the United States, shall be removed from office on impeachment for, and conviction of, treason, bribery, or other high crimes and misdemeanors.” Disponível em: <http://www.usconstitution.net/const.html>. Acesso em: 18/05/2010.

[21] – É curioso notar que, embora John Marshall seja o patriarca do controle de constitucionalidade e da supremacia judicial, ele tenha defendido que o Parlamento aprovasse norma superadora da decisão da Suprema Corte ao invés de aprovar o impeachment de juízes. Ver a carta escrita por Marshall a Samuel Chase, em 23/01/1805. In: HOBSON, Charles F. (Ed.). The papers of John Marshall. Virginia: Omohundro Institute of Early American History and Culture, 1990, p. 347.

[22] – ACKERMAN, Bruce. The failure of the founding fathers: Jefferson, Marshall and the rise of presidential democracy. Op. cit., p. 219/222.

[23] – Além do uso do impeachment para fins políticos, John Randolph chegou a apresentar projeto de emenda constitucional que conferia ao Presidente, desde que autorizado por ambas as Casas do Congresso Nacional, o poder de remover juízes da Suprema Corte e de Tribunais inferiores. Ibid., p. 225.

[24] – Ibid., p. 6.

[25] – GINSBURG, Tom. Judicial review in new democracies – Constitutional courts in asian cases. USA: Cambridge University Press, 2003.

[26] – ACKERMAN, Bruce. The failure of the founding fathers: Jefferson, Marshall and the rise of presidential democracy. Op. cit., p. 244.



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