21.03.11
Política é coisa de mulher?
GISELLE BORGES ALVES
Especial para os Constitucionalistas
em homenagem ao Dia Internacional da Mulher
Essa firmeza nos teus gestos delicados
Essa certeza desse olhar lacrimejado
Haja virtude, haja fé, haja saúde
Pra te manter tão decidida assim
Que segurança pra dobrar tanta arrogância
Que petulância de ainda crer numa esperança
Quem é o guia que ilumina os teus dias?
E que te faz tão meiga e forte assim.
Como te atreves a mostrar tanta decência?
De onde vem tanta ternura e paciência?
Qual teu segredo, teu mistério, teu bruxedo
pra te manter em pé até o fim?
Coragem, coragem, coragem, mulher.
(Trecho da música “Coragem Mulher”, Ivan Lins)
1. INTRODUÇÃO
As fases históricas da luta pela igualdade de direitos e pelas políticas de afirmação das mulheres em todos os setores sociais ganharam enfoque mundial através do movimento feminista. O sentido vocabular do termo Feminismo, segundo Silva (1999), tem origem no latim femina (mulher), utilizado para designar o sistema ou regime que enfatiza a emancipação política da mulher e a luta pela igualdade de direitos.
A força deste movimento foi sentida, sobretudo, no século XX, onde a luta de inúmeras mulheres para deixar a condição de submissão a qual foram condicionadas culminou em conquistas de direitos antes inerentes apenas aos homens.
Inquestionáveis os avanços que possibilitaram às mulheres a tão sonhada igualdade de condições, mesmo que ainda relativa em alguns aspectos. As conquistas podem ser vislumbras nas áreas trabalhista, penal, nas políticas de saúde pública e de inclusão social, respeitando as peculiaridades que lhes são inerentes. Entretanto, o enfrentamento atual é pela mobilização da liderança feminina na vida política do país.
No Brasil, o dia 24 de fevereiro de 1932 marca oficialmente um período de transformações. Com o Decreto 21.076/32, assinado por Getúlio Vargas, foi conferido o direito de voto aos maiores de 21 anos e sem distinção de sexo. Estava consagrado o direito feminino a participação na política. Desde então, apesar dos percursos enfrentados, clara é a percepção de que os avanços foram contínuos e graduais, mas apesar de tudo ainda existe muito a ser feito, não só pela garantia de direitos, mas principalmente pela eficácia destes.
2. AS NUANCES DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA FEMININA NA ATUALIDADE
Apesar dos avanços das últimas décadas, a participação de mulheres concentra-se ainda em movimentos sociais específicos em prol de direitos de determinadas classes como domésticas, lésbicas, trabalhadoras rurais ou em entidades que trabalham com problemas sociais. Poucas são aquelas que ousam desbravar caminhos maiores, principalmente no que concerne à participação político-partidária onde o debate está aberto a todas as dificuldades que advém da sociedade pluralista atual.
Mesmo com o advento de uma legislação favorável e planos de políticas afirmativas, observa-se, ainda, certa timidez quanto à participação político-partidária feminina. Afinal, onde estão as mulheres dispostas a disputar um mandato eletivo?
Os dados do último censo do IBGE, realizado em 2010, mostram um país com mais de 190 milhões de habitantes, onde a população feminina representa 51,4 %, o que perfaz um número superior a 97 milhões de brasileiras[1]. Seguindo o mesmo panorama, dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) indicam que as mulheres representaram 51,8 % dos eleitores no ano de 2010[2]. Mas contrariando todos estes índices, a mesma maioria não é observada quanto a lideranças políticas femininas no Brasil.
Nas vésperas das eleições de 2010, notícia veiculada pelo jornal Valor Econômico anunciava que o número de candidatas ao Senado cresceu em 78,3% em relação às candidaturas das eleições de 2006, mas aponta que este crescimento é menor que o de outros países latino-americanos. Na Argentina, por exemplo, as cadeiras do Poder Legislativo em 2007 contavam com 35% de deputadas e 43% de senadoras, e na Costa Rica, cujo sistema Legislativo é unicameral, a participação feminina é de 38,6%. Enquanto isso na legislatura de 2006/2010 o Brasil contava apenas com 8% de deputadas e 12,35% de senadoras, índices muito abaixo do necessário para uma efetiva representatividade política feminina[3].
As eleições brasileiras de 2010 não trouxeram grandes modificações quanto à participação feminina na política nacional. No Senado, das 81 cadeiras, apenas 12 estão ocupadas por mulheres. Na Câmara dos Deputados, a bancada feminina continua inalterada, com menos de 9% de representação dentre as 513 cadeiras de deputados federais. Segundo reportagem veiculada pela a Agência Senado, nos Estados e Municípios a situação é similar, onde em média apenas 10% dos parlamentares que compõem as Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais são mulheres[4].
No entanto, o quadro é favorável ao despertar da liderança feminina. O ano de 2010 marca uma efetiva mudança nesta tímida participação. A candidatura de duas mulheres à disputa presidencial, que culminou com a eleição de Dilma Rousseff e o inegável fortalecimento político de Marina Silva, é alicerce para que outras assumam posições de destaque na carreira.
Seguindo a tendência da participação de mulheres nos processos decisórios das três esferas de Poder mudanças também são sentidas no Congresso Nacional. Nesta legislatura, as vice-presidências da Câmara dos Deputados e do Senado são compostas por mulheres. A deputada Rose de Freitas (PMDB/ES) compõe a 1ª Vice-Presidência da Câmara e é a primeira mulher a ocupar um cargo como titular da Mesa Diretora. O Senado conta com Marta Suplicy (PT/SP) como 1ª vice-presidente, também a primeira mulher a ocupar a vice-presidência da Casa[5]. Além disso, o governo da presidenta Dilma Rousseff conta com 09 (nove) ministras de Estado.
Em âmbito latino-americano, além da presidenta Dilma Rousseff no Brasil, o ano de 2010 marca a entrada de mais duas mulheres assumindo o mais alto posto político de uma nação. Na Costa Rica, a mais nova presidenta é a cientista política Laura Chinchilla e Kamla Persad-Bissessar foi eleita primeira-ministra de Trinidad e Tobago, perfazendo assim o número de 12 mulheres que nos últimos 40 anos tomaram posse na América Latina como líderes de seus países[6].
O presente mostra uma forte tendência brasileira à valorização da mulher na política. O quadro é novo e favorável para que as políticas de governo sejam adequadas e eficientes dentro do projeto da igualdade de gênero. Mas a dificuldade da participação político-partidária ainda persiste.
Os partidos políticos nos últimos anos se viram obrigados a cumprir as políticas afirmativas descritas no art. 11, §3°, da Lei 9.100/1995, art. 10, §3° da Lei 9.504/1997, bem como as alterações produzidas pela Lei 12.034/2009 em outros diplomas legais, além das determinações do TSE. Entre as medidas incluem-se:
a) o estabelecimento de percentual de cotas das vagas de cada partido ou coligação com no mínimo 30% e máximo de 70% para cada sexo no âmbito do Poder Legislativo;
b) destinação do percentual de 5% do Fundo Partidário para a criação e manutenção de programas para promoção e difusão da participação política de mulheres, estabelecendo sanção em caso de descumprimento;
c) garantia de no mínimo 10% do tempo das propagandas partidárias para promover e difundir a participação política feminina, incluindo sanção pelo descumprimento.
Mesmo diante das conquistas alcançadas ao longo dos últimos 15 anos, inegáveis são as dificuldades em cumpri-las e a culpa não é exclusiva dos partidos políticos.
Durante anos vista como o “sexo frágil”, subjugada e reprimida, a mulher ainda hoje se coloca em posição submissa em relação à vida pública e as atividades político-partidárias. A própria mulher vincula-se como vítima na maioria das vezes e não percebe o poder de condução que possui nas mãos. A liderança política feminina ainda é um voo baixo e que precisa ser revisto.
A verdade é que apesar de existirem leis disciplinando a obrigatoriedade de respeito às políticas afirmativas, sobretudo em relação às cotas, em si elas não passam de normas vazias. Deve-se atentar para a realidade brasileira, afinal nenhum partido político pode coagir alguém a participar da vida política do país.
O avanço da legislação é inegável, mas a imposição dela a todo custo pelo Tribunal Superior Eleitoral aos partidos políticos chega a ser desproporcional. É preciso primeiro provocar uma mudança na própria consciência feminina, o que só será conquistado com passos largos, estratégias de capacitação e fomento realizado em conjunto por partidos políticos, entidades de classe, organizações governamentais e não-governamentais. Não se conseguirá mudar o quadro atual à força.
Nenhuma lei pode ser vista abstratamente, nem tampouco as decisões atinentes a sua efetivação, o problema é cultural e a mudança não partirá de ações isoladas. A transformação que se espera quanto à representatividade feminina parte de um árduo trabalho que envolverá educação, conscientização, preparação para ascensão aos cargos e, principalmente, a vontade feminina em participar dos rumos políticos do país.
A modificação passa pelo querer, já que o poder nos foi outorgado no decorrer dos últimos anos. A compatibilidade da carreira política com o gênero feminino é evidente e para ganhar mais espaço não bastam apenas cotas e políticas de incentivo, passamos pela mudança de mentalidade. A sociedade hoje não é plenamente patriarcal como no passado e o prisma da igualdade está na aceitação feminina de que são líderes aptas a colaborar com a democracia e o crescimento do país.
3. DESAFIOS, PERSPECTIVAS E CONSOLIDAÇÃO
Diante do quadro atual alguns desafios se sobressaem para a eficácia da legislação em vigor e o principal é a conscientização da mulher sobre a importância dela na direção política do país. A mudança é de índole cultural, voltada ao despertar da vontade feminina para a liderança político-representativa.
Mulheres se destacam em diversos segmentos e atividades, mas ainda não despertaram o interesse pela política. O que falta? Estímulo! Não o estímulo externo, uma vez que este está posto em linhas claras na legislação. É preciso uma transformação que inicie nos primeiros passos. Educar uma mulher para que ela tenha a certeza que é capaz de fazer a diferença necessária à consolidação da democracia e que não é mais apenas vítima de uma sociedade discriminadora.
Em entrevista ao Jornal Valor Econômico, Lúcia Avelar, professora e cientista política da UnB, retrata outro problema a ser enfrentado pelas mulheres: a desvantagem no âmbito interno dos partidos. Ressalta a cientista que, independentemente da sigla, as mulheres sempre perdem em relação à distribuição de recursos para a campanha e na definição do tempo de aparecimento na mídia[7]. Com o advento das alterações promovidas pela Lei 12.034/2009, este também é um problema que pode ser superado.
Entretanto, se analisarmos a liderança interna corporis dos partidos políticos, surgem os seguintes questionamentos: Quantas mulheres exercem hoje liderança interna? Existe incentivo para a abertura dos cargos de direção dos partidos para as mulheres? Há democracia interna? As respostas podem gerar inúmeras polêmicas que aqui não ousarei promover. A proposta é apenas despertar a consciência crítica feminina, uma vez que não é possível a reversão de qualquer quadro de desigualdade enquanto os partidos políticos forem compostos basicamente por homens.
Além dos desafios já mencionados, a mulher deve superar ainda a aparente disparidade entre ser mãe, esposa, profissional e ativista política. Acostumada a assumir responsabilidades, muitas vezes a mulher não tolera cobranças como, por exemplo, não ser participativa na educação dos filhos. Mas não é impossível superar a questão, afinal o homem também é pai, esposo, profissional e ativista político. A dicotomia é superficial e o próprio espírito pró-ativo feminino define o contrário: é possível ser mãe, esposa, profissional, participar da vida política do país e realizar qualquer outra atividade de seu interesse.
As ações afirmativas existem, mas de nada adiantam se quem tem o direito de bem usá-las não se dispuser a tomar a parte que lhe pertence. Assumir efetiva posição na condução política do país é direito e dever de cidadã. Afinal para a modificação do quadro atual é preciso deixar de ser sempre “a vítima” das situações e assumir o posto de agente transformadora da sociedade.
A pró-atividade feminina pode ser definidora da sua ascensão no âmbito político nacional, sem modismos e disputas de gênero. É necessária uma mudança irreversível que acentue a participação da mulher para o fortalecimento do espírito democrático.
A esperança é que a presença feminina nos altos cargos de poder não seja mero advento da eleição de uma mulher à Presidência da República e cabe as mulheres perpetuarem o quadro atual. Tudo que foi iniciado ao longo de todo o século XX com o movimento feminista, cujos frutos estão sendo colhidos agora, demonstram a força da mulher na condução da coisa pública. A aproximação das mulheres da política não pode ser um aspecto passageiro, mas deve revelar um momento de afirmação. A bandeira é de luta permanente.
No discurso de posse, a atual presidenta foi clara: “Venho para abrir portas, para que muitas outras mulheres também possam, no futuro, ser Presidentas e para que,no dia de hoje, todas as mulheres brasileiras sintam o orgulho e a alegria de ser mulher.”[8]
Desta forma, a conclusão é única: política não é exclusiva a determinado gênero. Homens e mulheres devem caminhar juntos para a construção de uma nação mais justa, humana e democrática.
__________________
GISELLE BORGES ALVES é bacharel em Direito pelo Instituto de Ensino Superior Cenecista – INESC, em Unaí/MG, advogada e pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Rede de Ensino Luis Flávio Gomes em parceria com o Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e Universidade Anhanguera Uniderp – Campo Grande/MS.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Lei 9.100 de 29 de setembro de 1995. Estabelece normas para a realização das eleições municipais de 3 de outubro de 1996, e dá outras providências. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9100.htm>. Data da pesquisa: 11.02.2011.
BRASIL. Lei 9.504 de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9504.htm>. Data da pesquisa: 22.02.2011.
BRASIL. Lei 12.034 de 29 de setembro de 2009. Altera as Leis nos 9.096, de 19 de setembro de 1995 – Lei dos Partidos Políticos, 9.504, de 30 de setembro de 1997, que estabelece normas para as eleições, e 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12034.htm>. Data da pesquisa: 15.02.2011.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 15ª ed. Rio de Janeiro, 1999.
NOTAS:
[1] População brasileira segundo o censo realizado pelo IBGE em 2010: Mulheres perfazem um total de 97.342.162 habitantes; Homens representam 93.390.532 habitantes.
[2] TSE. Dados disponíveis em: <http://www.tse.jus.br/internet/eleicoes/estatistica2010/Est_eleitorado/sexo.html>.
[3] Notícia disponível em: <http://www.unb.br/noticias/unbagencia/cpmod.php?id=69640#>.
[4] Informações veiculadas por Ricardo Koiti Koshimizu em “Aumento de mulheres nos ministérios não se reflete no Legislativo.” Fonte: Agência Senado. Publicado em 30.12. 2010. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/noticias/vernoticia.aspx?codNoticia=106543&codAplicativo=2>.
[5] Informações constantes de notícia publicada pela Agência Câmara de Notícias em 09.02.2011: “Evento discutirá participação de mulheres na política”. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/POLITICA/193461-SEMINARIO-DISCUTIRA-PARTICIPACAO-DAS-MULHERES-NA-POLITICA.html>.
[6] Neste sentido Simone Franco em “Mulheres avançam sobre poder político na América Latina”. Fonte: Agência Senado. Publicado em 30.12.2010. Disponível em:<http://www.senado.gov.br/noticias/vernoticia.aspx?codNoticia=106544&codAplicativo=2>.
[7] Fonte UNB Agência. “Mulheres perdem espaço no Senado”. Publicado em 02.08.2010. Disponível em: <http://www.unb.br/noticias/unbagencia/cpmod.php?id=69640#>.
[8] Trecho do discurso de Dilma Rousseff, ao assumir a Presidência da República em 01.01.2011. Fonte: Agência Senado: <http://www.senado.gov.br/noticias/vernoticia.aspx?codNoticia=106579&codAplicativo=2>.
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