14.11.09

ICMS nas operações de Transporte Interestadual de encomendas pela ECT

POR GUSTAVo nunes DE PINHO

Atualmente uma das questões mais relevantes – em trâmite no Supremo Tribunal Federal – no tocante aos limites e condições da intervenção do Estado no domínio econômico é a existência de imunidade tributária (artigo 150, VI, “a” da Constituição Federal) da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT no tocante à incidência de ICMS nas operações de transporte interestadual de encomendas (SEDEX, PAC, SEDEX 10, etc.).

O tema foi levado ao Tribunal nas Ações Cíveis Originárias (ACO) 1331[1] e 1095[2]. Em ambos os casos deferiu-se a antecipação dos efeitos da tutela para (entre outras providências) suspender a exigibilidade do crédito tributário constituído por intermédio de autos de infração da Fazenda Goiana.

A caracterização da verossimilhança da alegação deu-se pelo entendimento construído no RE 407.099, o qual fixou que a ECT goza dos privilégios da imunidade tributária. Ademais citou-se diversas ACOs as quais – à época[3] – tiveram liminares concedidas para suspender a exigibilidade de créditos de IPVA constituídos pela Fazenda Carioca sob veículos dos Correios.

Tais precedentes indicariam – prima face – uma tendência do Tribunal em confirmar a imunidade tributária da ECT, também no tocante ao ICMS debatidos nas supra referidas ACOs. Entretanto, uma questão fundamental está sendo mitigada nos comentários sobre este caso, qual seja, a diferença fática existente entre os paradigmas e as demandas ora em apreciação.

No julgamento do RE 407.099[4], diferenciaram-se Empresas Públicas Exploradoras de Atividade Econômica – que estão sujeitas ao regime tributário e trabalhista das empresas privadas – daquelas Empresas Públicas Prestadoras de Serviços Públicos – cuja natureza seria de autarquia – e que, por consequência, estariam abarcadas pela imunidade recíproca. Com base nesta distinção, adotaram-se as seguintes premissas para o caso:

(i) A ECT é empresa pública, prestadora de serviço público obrigatório e exclusivo;

(ii) Existindo monopólio (art. 177, X CF), não se aplica o artigo 173 §2º da CF, posto que não existe concorrência com a iniciativa privada;

Assim, entendeu-se que – devido à inexistência de concorrência com a iniciativa privada – a ECT estava abarcada pela imunidade tributária uma vez que seria Empresa Pública Prestadora de Serviço Público obrigatório e exclusivo da União (art. 177, X da CF).

Este precedente influenciou o mérito das ACOs que tratam do IPVA de veículos dos Correios, uma vez que foram adotadas as mesmas premissas, resultando na mesma conclusão, ou seja, a equiparação da ECT à autarquia.

Neste prisma, entendeu-se que a imunidade tributária da ECT é consequência direta (i) da prestação de serviço público e do (ii) monopólio da União sobre os serviços postais, e – por consequência – da inexistência de concorrência com a iniciativa privada.

Entretanto, o contexto fático presente nas Ações Cíveis Ordinárias 1331 e 1095 é diversos daqueles presentes nos processos supra, postos que estes casos tratam somente da área de atividade onde a ECT não tem monopólio, ou seja, concorre diretamente com a iniciativa privada no mercado de consumo.

Ao apreciar o mérito da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 46 o Pleno do Supremo Tribunal Federal excluiu do monopólio dos Correios a entrega de encomendas, uma vez que este foi reconhecido somente para o transporte de cartas pessoais e comerciais, cartões-postais e correspondências agrupadas (malotes).

Desta feita, as premissas adotadas no julgamento do RE 407.099 tornam-se falsas para a análise da atuação da ECT fora dos seguimentos monopolizados, constituindo clara intervenção do Estado no domínio econômico, devendo ser regulado pelo §2º do artigo 173 da Constituição Federal.

Vejamos:

A 1ª premissa claramente invalidou-se, uma vez que inexiste a prestação de serviço público na entrega de encomendas. Com efeito, é inerente à definição de serviço público a atuação estatal para suprir necessidades essenciais da coletividade, seja diretamente ou por intermédio do regime de concessão ou permissão (art. 175 da C.F).

Entretanto, a entrega de encomendas não se enquadra neste rol, uma vez que a iniciativa privada está autorizada a atuar no seguimento, sem regulação específica e independente de regime jurídico próprio.

Outrossim, a 2ª premissa também não se sustenta na conjuntura das ACOs 1331 e 1095, uma vez que o Supremo Tribunal Federal entendeu pela inexistência de monopólio para entrega de encomendas (ADPF 46), havendo no país dezenas de empresas que atuam – licitamente – neste seguimento de mercado.

Desta feita, sendo as premissas falsas, não se pode concluir pela existência da imunidade tributária no tocante ao serviço de entrega de encomendas pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, com base no entendimento firmando no RE 407.099.

Na conjuntura fática dos casos ora em análise devemos observar as seguintes circunstâncias fáticas:

(i) Existem empresas privadas que atuam na entrega de encomendas, posto que este seguimento é aberto à livre iniciativa;

(ii) As empresas privadas que atuam nesse seguimento recolhem o ICMS pelo transporte interestadual de mercadorias;

(iii) O custo do tributo é repassado ao preço, aumentando o custo do usuário e reduzindo a margem de lucro do empresário.

Assim, temos a inexorável conclusão que a imunidade tributária gozada pela ECT não se estende à entrega de encomendas, posto que tal atividade é claramente Intervenção do Estado no Domínio Econômico, e deve seguir os ditames do artigo 173 § 2º da CF.

Conclui-se, pois, que o Supremo Tribunal Federal deve buscar igualar as condições de concorrência entre a ECT e a iniciativa privada neste ramo específico, concluindo pela constitucionalidade da incidência do ICMS nas operações de transporte interestadual de encomendas feitas pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.

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[1] Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT e José Sizenando Borges X Estado de Goiás. Relator Min. Eros Grau.

[2] Empresa Brasileira de Correios E Telégrafos – ECT x Estado de Goiás. Relator Min. Ellen Gracie.

[3] Todas as ações já foram julgadas no sentido da imunidade dos veículos da ECT sobre o IPVA.

[4] Supremo Tribunal Federal. RE 407.099. 2ª Turma. Relator Carlos Veloso. Ementa: […]. 22.06.2004. DJ de 06.ago.2004.



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