19.12.10

A dignidade da pessoa humana no Direito Constitucional contemporâneo

O blog Os Constitucionalistas publica a versão provisória do texto sobre dignidade da pessoa humana que o professor Luís Roberto Barroso escreve para a Universidade de Harvard, onde atuará como pesquisador visitante nos primeiros meses de 2011. Comentários, sugestões e críticas ao trabalho “A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação” podem ser enviados para o e-mail lrbarrosobsb@lrbarroso.com.br. Boa leitura.     

A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação    

(Versão provisória para debate público)[1]    

Luís Roberto Barroso[2][3]    

I. Introdução[4]    

O Sr. Wackeneim, na França, queria tomar parte em um espetáculo conhecido como arremesso de anão, no qual freqüentadores de uma casa noturna deveriam atirá-lo à maior distância possível. A Sra. Evans, no Reino Unido, após perder os ovários, queria poder implantar em seu útero os embriões fecundados com seus óvulos e o sêmen do ex-marido, de quem se divorciara. A família da Sra. Englaro, na Itália, queria suspender os procedimentos médicos e deixá-la morrer em paz, após dezessete anos em estado vegetativo. O Sr. Elwanger, no Brasil, gostaria de continuar a publicar textos negando a ocorrência do holocausto. O Sr. Lawrence, nos Estados Unidos, desejava poder manter relações homoafetivas com seu parceiro, sem ser considerado um criminoso. A Sra. Jacobs, na Africa do Sul, gostaria de ver reconhecido o direito de exercer sua atividade de trabalhadora do sexo, também referida como prostituição. O Sr. Gründgens, na Alemanha, pretendia impedir a republicação de um livro que era baseado na vida de seu pai e que considerava ofensivo à sua honra. O jovem Perruche, representado por seus pais, queria receber uma indenização pelo fato de ter nascido, isto é, por não ter sido abortado, tendo em vista que um erro do médico e outro do laboratório deixaram de diagnosticar o risco grave de lesão física e mental de que veio a ser acometido. Todos esses exemplos reais, envolvendo situações aparentemente distantes, guardam entre si um elemento comum: a necessidade de se fixar o sentido e alcance da dignidade humana, como elemento argumentativo necessário à produção da solução justa.    

A dignidade da pessoa humana tornou-se, nas últimas décadas, um dos grandes consensos éticos do mundo ocidental. Ela é mencionada em incontáveis documentos internacionais, em Constituições, leis e decisões judiciais. No plano abstrato, poucas ideias se equiparam a ela na capacidade de seduzir o espírito e ganhar adesão unânime. Tal fato, todavia, não minimiza – antes agrava – as dificuldades na sua utilização como um instrumento relevante na interpretação jurídica. Com freqüência, ela funciona como um mero espelho, no qual cada um projeta sua própria imagem de dignidade. Não por acaso, pelo mundo afora, ela tem sido invocada pelos dois lados em disputa, em temas como interrupção da gestação, eutanásia, suicídio assistido, uniões homoafetivas, hate speech, negação do holocausto, clonagem, engenharia genética, inseminação artificial post mortem, cirurgias de mudança de sexo, prostituição, descriminalização de drogas, abate de aviões seqüestrados, proteção contra a auto-incriminação, pena de morte, prisão perpétua, uso de detector de mentiras, greve de fome, exigibilidade de direitos sociais. A lista é longa.    

O presente estudo procura realizar quatro propósitos principais. O primeiro deles é o de registrar a importância que a dignidade da pessoa humana assumiu no direito contemporâneo, no plano doméstico, internacional e no discurso transnacional. Trata-se de um conceito que tem viajado entre países e continentes e que, por isso mesmo, precisa de uma elaboração apta a dar alguma uniformidade à sua utilização. O segundo propósito é o de precisar a natureza jurídica da dignidade da pessoa humana, como pressuposto da determinação do seu modo de aplicação. Direito fundamental, valor absoluto ou princípio jurídico são algumas das qualificações feitas em diferentes países, tendo por consequência embaraços teóricos e práticos. O terceiro objetivo visado é o de definir conteúdos mínimos para a dignidade humana, como premissa indispensável para libertá-la do estigma de uma ideia vaga e inconsistente, capaz de legitimar soluções contraditórias para problemas complexos. E, por fim, determinada sua natureza jurídica e definidos seus conteúdos mínimos, o quarto objetivo é o de estabelecer critérios para sua aplicação, de modo a permitir que ela sirva para estruturar o raciocínio jurídico no processo decisório, bem como para a ajudar a executar ponderações e escolhas fundamentadas, quando necessário.    

A meta desse estudo é tornar a dignidade da pessoa humana um conceito mais objetivo, claro e operacional. Dessa forma, ela poderá passar a ser um elemento argumentativo relevante – e não mero ornamento retórico – na atuação de advogados públicos e privados, membros do Ministério Público e, sobretudo, de juízes e tribunais, que nela poderão encontrar uma ferramenta valiosa na busca da melhor interpretação jurídica e da realização mais adequada da justiça. Um projeto ambicioso e de risco, para o qual peço a indulgência do leitor.    

Clique aqui para o inteiro teor do texto.    

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[1] Favor citar como: Luís Roberto Barroso, A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Versão provisória para debate público. Mimeografado, dezembro de 2010.    

[2] Professor Titular de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Mestre em Direito – Yale Law School. Doutor e Livre-docente – UERJ. Professor Visitante – Universidade de Brasília (UNB), Universidade de Poitiers, França, e Universidade de Wroclaw, Polônia. Diretor-Geral da Revista de Direito do Estado (RDE).    

[3] Parte da pesquisa para este trabalho foi conduzida na Bibliotheque Cujas, da Universidade Paris I (Pantheon-Sorbonne). Sou grato à Professora Jacqueline Morand-Deviller pela acolhida gentil e pela proveitosa troca de ideias. Eduardo Mendonça e Letícia de Campos Velho Martel leram os originais e fizeram sugestões valiosas, pelas quais sou igualmente muito grato.    

[4] Meu interesse e minhas idéias acerca da dignidade da pessoa humana foram influenciados, na literatura nacional, por alguns importantes trabalhos que gostaria de registrar, homenageando seus autores. São eles: Ingo Wolfgang Sarlet, Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais; Maria Celina Bodin de Moraes, Conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo; Ana Paula de Barcellos, A eficácia jurídica dos princípios: o princípio da dignidade da pessoa humana; e Letícia de Campos Velho Martel, Direitos fundamentais indisponíveis: os limites e os padrões do consentimento para a autolimitação do direito fundamental à vida.



2 Comentários

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