11.01.15
Um ministro gay para preencher a vaga no STF

Última foto oficial da composição completa do STF
Por Saul Tourinho Leal
Há uma vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF). Na disputa, menciona-se todo tipo de perfil. Alguns palpites são certeiros. Outros, balões de ensaio. Ou seja, tem de tudo. Todavia, é difícil ver alguém levantar a mão e, em alto e bom som, dizer: Agora, um gay!
O STF é a casa da tolerância, do pluralismo, da igualdade e da liberdade. Ele guarda um documento cujas bases foram fincadas no amanhã. Constituição é projeto de esperança, não de medo. Simboliza uma perspectiva de felicidade, não de dor ou sofrimento.
O Brasil não tem feito o suficiente à comunidade LGBT. Mesmo o continente africano, um dos mais resistentes, conta com países que saíram à frente. Desde 2006, a África do Sul, por exemplo, tem lei disciplinando a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Além disso, dentre os seus respeitados juízes da Corte Constitucional, está Edwin Cameron, um extraordinário jurista cujo background é: filho de presidiário, pobre, beneficiário de ações afirmativas, gay e soropositivo.
Parece ser muito ousado para o Brasil. O nosso reconhecimento da união civil entre pessoas do mesmo sexo veio graças ao STF, numa dura batalha, recorrendo-se ao Conselho Nacional de Justiça para dar viabilidade à decisão perante a burocracia cartorial.
Enquanto isso, o casamento gay está legalizado no Reino Unido há mais de um ano. Nos Estados Unidos, 32 estados reconhecem o direito e muitos dos outros 18 estão em vias de reconhecer. Mas a jornada da liberdade não ganhou o mundo. Pelo contrário.
Cinco países do globo teriam permissão de matar você se descobrissem que é gay. Irã e Arábia Saudita, por exemplo. Em outros 77 um gay terminaria na cadeia.
Ano passado, a Índia, após uma decisão da Suprema Corte, restabeleceu uma lei tornando ilegal a relação sexual entre homens. É uma lei colonial aplicada, no século XXI, a um dos mais cosmopolitas povos do mundo.
Em Uganda, o presidente da República sancionou um pacote que previa pena de morte para gays. Dia seguinte, um tablóide publicou uma lista dos “200 ‘mais’ homossexuais”. A lei foi derrubada pela Suprema Corte. A decisão se baseou em tecnicalidades e foi tomada após o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ameaçar sanções econômicas. Mesmo assim, Uganda condena à prisão perpétua quem comete o crime de homossexualidade “agravada”. Essa semana, ativistas LGBT lançaram, na cidade de Kampala, a revista Bombastic, com relatos de 20 gays sobre suas vidas no país. São 30.000 exemplares. Não é pouca coisa.
Na Rússia, Vladmir Putin sancionou uma lei condenando a promoção da homossexualidade, abrindo caminho para países da antiga União Soviética fazerem o mesmo.
Semana passada, 26 gays foram presos no Egito. Vídeos gravados com câmeras secretas foram exibidos pela emissora nacional mostrando a intimidade dos gays, incluindo celebrações particulares e até mesmo o uso de banheiros. Além da prisão, a humilhação.
A luta pela igual consideração e respeito não é uma luta para covardes. No Brasil, a comunidade LGBT é organizada, mobilizada, politicamente engajada, costuma ter representantes nas casas legislativas, inclusive no Congresso Nacional. É capaz de sacodir uma cidade como São Paulo durante a Parada Gay.
Além disso, os gays ocupam postos de destaque no setor privado, notadamente na área artística e de moda. Movimentam bilhões no mercado de luxo. Os especialistas chamam de “Pink Money”. Numa democracia capitalista, isso tem peso.
Mesmo assim, a jornada pela conquista da igual consideração e respeito está longe de ter fim. Muitas causas ficam fora da arena política. Três novas bandeiras devem ser discutidas esse ano. Nenhuma delas no Congresso Nacional. Novamente a Suprema Corte será chamada.
O primeiro caso visa definir se o estabelecimento comercial que recusa o ingresso de um transexual no banheiro cujo sexo retrata sua identidade pode ser responsabilizado. O segundo pretende debater se, para ter sua identidade sexual corrigida junto a órgãos oficiais, uma pessoa deve ser obrigada a se submeter a uma cirurgia de mutilação genital, por exemplo. O último trata da criminalização, em área militar, da relação sexual entre dois homens.
Os casos anunciam o sentimento aglutinador na luta por direitos: a esperança. O ativista gay Harvey Milk, dos Estados Unidos, afirmou, num discurso em 24 de junho de 1977: “Você tem que dar-lhes esperança. Esperança de um mundo melhor, de um amanhã melhor. Esperança de que tudo vai dar certo”. Meses depois, foi assassinado a tiros por um raivoso colega do conselho de supervisores da cidade de São Francisco.
Projetar direitos mesmo quando a maioria não se sente confortável é estabelecer um compromisso com a esperança. Assegurar o exercício de uma liberdade que não gera dano ao próximo é reconhecer que os seres humanos rejeitam a dor e o sofrimento e conduzem suas escolhas sempre em busca da felicidade.
O STF, por meio de seus juízes, retrata o país que temos e a forma que enxergamos a nossa Constituição. Ter, entre os seus quadros, um gay que preencha os requisitos constitucionais reafirma a força que o pluralismo irradia entre nós e mantém intacta a aliança entre a esperança e a felicidade, base do nosso estado constitucional. É uma justa aspiração.
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Saul Tourinho Leal é advogado e doutor em Direito Constitucional pela PUC/SP.
Artigo publicado originalmente no Valor Econômico, edição 06.01.2015.
Foto: Presidência do ministro Cezar Peluso (Biênio 2010-2012). Foto oficial. Fotografia/SCO/STF (16/06/2010).
Com todo respeito ao doutor Saul, mas os argumentos não sustentam a conclusão. Violações aos direitos de homossexuais e de tantas outras minorias são sistemáticas no Brasil e o combate a elas deve se dar no nível estrutural de ações promovidas pelo Estado e sociedade civil. É possível representar todas as minorias oprimidas dentro de um complexo sistema constitucional dando a cada uma delas um assento nas limitadas 11 cadeiras do STF? E pior, a justificativa para o respeito aos direitos dos homossexuais estaria no fato de que eles “ocupam postos de destaque no setor privado” e “movimentam bilhões”? Isso pra mim é um argumento pobre e que sugere um certo condicionamento ao exercício de direitos que a ninguém podem ser negados. Uma lástima esse argumento, uma lástima!
Acredito que a nomeação de um ministro declaradamente gay a um posto no STF seja um grande salto para a democracia e para o reconhecimento nos avanços dos direitos LGBT. No entanto, penso que o país ainda não se encontra neste patamar, pois tal nomeação acarretaria em uma dezena de manifestações contrárias à indicação. Contudo, a indicação ao STF, além de política, deve se basear no reconhecimento do primor técnico do ministro indicado, de modo a reconhecer toda a “expertise” daquele, anulando toda e qualquer dúvida quanto à capacidade de um eventual ministro gay. Após, as mulheres e os negros, é chegada, portanto, a hora de um membro da comunidade LGBT.
Embora fosse interessante ter o primeiro ministro declaradamente gay da história do Supremo, discordo dessa política de nomear ministros por suas condições pessoais – ao invés de somente seu conhecimento acadêmico. Estamos precisando no STF de constitucionalistas! Iremos perder por aposentadoria o Ministro Gilmar Mendes, e tanto o Ministro Luis Roberto Barroso quanto a Ministra Carmem Lúcia não são suficientes para atuar nessa fase de afirmação pelo STF em uma nova fase do constitucionalismo. Além disto, nomeações por condições pessoais podem até mesmo piorar estigmas negativos de determinados grupos sociais, ainda mais quando inflamados nos discursos de ódio – neste caso, dos homofóbicos. Espero que se nomeie um constitucionalista, seja ele de qualquer cor, sexo, orientação sexual, procedência, etnia, credo, etc.!
Bom o texto, porém fiquei chocado quando li “cirurgia de mutilação genital”!!!! O correto é cirurgia de redesignação sexual.
A CF já enunciou objetivamente os critérios e que são suficientemente eficazes do ponto de vista constitucional. Expor uma pessoa a esse ridículo de ser escolhido por sua opção/orientação sexual é, além de ser exógeno aos preceitos constitucionais, reduziria a capacidade jurídica a um mero aspecto da vida íntima da pessoa. Texto sem base filosófica, constitucional, axiológica e dogmática.