Por Christine Oliveira Peter da Silva
29.06.15

Transjusfundamentalidade: um olhar mediado por direitos fundamentais

 

Por Christine Oliveira Peter da Silva

A transjusfundamentalidade é a denominação dada a uma metódica que tem como premissa central a opção de concretizar direitos fundamentais em todos os problemas jurídicos. O conceito de transjusfundamentalidade ganha densidade jurídico-científica, como tema inserido no capítulo da hermenêutica constitucional, pela ideia de circulação de precedentes e migração de ideias sobre direitos fundamentais entre Cortes supremas e constitucionais do mundo. Seu esforço teórico encontra nas premissas do Estado constitucional e cooperativo as bases necessárias para se desenvolver.

A partir do objetivo geral de construir os pressupostos analíticos do que venha a ser transjusfundamentalidade, o esforço mais evidente do meu novo livro, Transjusfundamentalidade: diálogos transnacionais sobre direitos fundamentais, fruto da tese de doutorado que defendi na Universidade de Brasília, é construir um parâmetro metodológico que possa servir de métrica para verificar limites e possibilidades pragmáticas de um efetivo diálogo transnacional sobre direitos fundamentais entre órgãos de decisão jurídica e política, especialmente Cortes supremas e constitucionais.

Também é um dos objetivos do livro a construção de um modelo crítico-analítico de apresentação de julgados em que se possa, pela identificação da circulação de precedentes e sua referenciação cruzada, para com ele, poder-se tirar algumas conclusões acerca de como tal fenômeno tem acontecido na prática decisória do Supremo Tribunal Federal brasileiro.

Parte-se das semelhanças e diferenças entre os modelos de Estado, quais sejam, o modelo de Estado de Direito; de Estado Constitucional; e de Estado Constitucional Cooperativo, para evidenciar que o tema tratado se localiza na teoria do Estado e da Constituição. Isso porque o Estado contemporâneo – analisado sob diferentes visões, as quais embora tenham semelhanças estruturais, que remontam aos pilares do próprio constitucionalismo contemporâneo (supremacia do Direito; reconhecimento e proteção de direitos fundamentais; e separação de funções do poder) – tem sido estudado sob diferentes olhares, principalmente no que diz respeito à proteção dos direitos fundamentais e sua função como parâmetro normativo localizado no cume dos modelos jurídico-constitucionais.

A sistematização crítica da doutrina norte-americana e europeia (com maior destaque para as academias norte-americanas e canadenses) acerca do fenômeno conhecido como “diálogos judiciais transnacionais”, que ainda tem tratamento difuso entre os autores, sendo também conhecido como “transplantes constitucionais”, “empréstimos constitucionais”, “fertilização cruzada”, “migração de idéias constitucionais” ou “diálogos transjudiciais”. As reflexões desenvolvidas permitiram averiguar as premissas da teoria das “aproximações dialógicas” e da “interpretação dialógica/dialogal”, desenvolvidas em pelo menos três Universidades da América do Norte: Universidade de Toronto[1]; Universidade de Nova York (IJCL)[2] e Universidade do Texas[3].

Por fim, o quadro crítico-analítico, descrito sob a forma narrativa, apresenta a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao longo dos últimos cinquenta anos, no que diz respeito à concretização de direitos fundamentais. Em face do paradigma da transjusfundamentalidade, traduzido aqui como diálogos judiciais transnacionais sobre direitos fundamentais, a narrativa da terceira parte da obra é descritiva das referências cruzadas encontradas nos precedentes da Suprema Corte brasileira.

O livro se justifica por pelo menos três razões. A primeira é a constatação acadêmica de que premissas do Estado de Direito Legislativo e do Estado de Direito Democrático, fundado primordialmente na democracia representativa, não mais sustentam legitimamente o espaço institucional de exercício de poder das democracias contemporâneas, uma vez que tal modelo não consegue enfrentar problemas da complexa, multicultural e tecno-dinâmica sociedade do século XXI. A hipótese inicial, no particular, é de que somente a concretização cooperativa dos direitos fundamentais, tanto no plano interno quanto no plano internacional e transnacional, é que possibilitará uma dinâmica constitucional adequada às exigências da atualidade.

A segunda é suposição de que os diálogos transnacionais, em múltiplas áreas, estão ocupando um lugar de preeminência nas relações sociais, políticas e econômicas contemporâneas, de modo que também o debate jurídico está exposto a este fenômeno, sendo necessário saber se isso realmente está ocorrendo, como tem ocorrido e quais as melhores condições para conviver com tal fenômeno.

Por fim, uma terceira razão, esta de ordem mais pragmática, é a ausência de dados empíricos sobre a prática, ou não-prática, da transjusfundamentalidade na jurisprudência das Supremas Cortes latino americanas[4], em que se destaca o Supremo Tribunal Federal.

A opção pela análise quantitativa e qualitativa do universo total de decisões do Supremo Tribunal Federal que continham registro de referências a decisões estrangeiras nos votos dos Ministros da Corte excluiu, por limites de execução do presente trabalho, a comparação entre tais decisões e as de outras Cortes de mesmo gênero institucional.

Não se pode deixar de dizer que a via do Estado Constitucional cooperativo é apenas uma das alternativas para acolher as necessidades do cidadão do século XXI, no contexto de um modelo aberto (portanto em contínua mudança) e pluralista (que necessariamente conviverá com a complexidade como pressuposto sócio-existencial) de sociedade e de Estado.

As expectativas mundializadas e experiências forjadas em intensas relações entre o local e o global passam a ser o lugar da fala onde estão apresentadas as decisões de poder tomadas no contexto dos Estados Constitucionais contemporâneos. Nesse contexto, surge a dúvida que motiva o trabalho: há condições reais para as Cortes Supremas e/ou Constitucionais se apresentarem como instituições parceiras na construção de comunidades constitucionais interdependentes, ou seja, para estas instituições atuarem no contexto do modelo que se convencionou chamar de Estado Constitucional cooperativo?

Qualquer tentativa de averiguar as condições reais de possibilidade de um fenômeno exige pesquisa empírica, pois somente com um retrato da realidade subjacente é que será possível concluir pela prática ou não desse fenômeno. No entanto, não é demais lembrar que o olhar para este retrato deve estar confiado a um padrão referencial seguro do que se procura enxergar.

Assim, com o objetivo de averiguar se há parcerias, quais são elas e como elas ocorrem é preciso ter bem claros os pressupostos analíticos dos conceitos a serem explorados: Estado Constitucional cooperativo e transjusfundamentalidade.

Para tanto, o trabalho utiliza-se da metodologia dogmática, tal como proposta por Tércio Ferraz Júnior em “A ciência do Direito”[5], combinada com a metódica tridimensional proposta por J.J. Gomes Canotilho, em seu “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”[6] e, para a investigação empírica, a proposta de modelo de comparação paralela apresentada por Sérgio Schneider e Cláudia Job Schimitt, em trabalho sobre “O uso do método comparativo nas ciências sociais”[7].

Partindo da premissa de que a Ciência do Direito está necessariamente envolvida com uma questão de decidibilidade, a obra não tem a pretensão de marcar um encontro com “as verdades”, mas com “os problemas e suas possíveis soluções”. Ademais, o problema jurídico enfrentado terá nos aportes epistemológicos de Karl Popper[8] a presença evidente do racionalismo crítico (com suas conjecturas e refutações) e, por derivação, da teoria possibilista, tal como proposta por Peter Häberle[9].

A dogmática, no contexto do presente trabalho, tem como premissa principal o humanismo, ou seja, é preciso desde já deixar claro que o eixo central do problema de pesquisa aqui proposto é o indivíduo[10], que está institucionalmente legitimado para propor e rejeitar suas próprias decisões jusfundamentais. Assim, reconhece-se na ciência do Direito “(…) um problema de decidibilidade de conflitos sociais, (…) <a qual> tem por objeto central o próprio ser humano que, pelo seu comportamento, entra em conflito, cria normas para solucioná-lo, decide-o, renega suas decisões, etc.”[11].

A metódica tridimensional proposta por J.J. Gomes Canotilho apresenta três perspectivas:

A perspectiva analítico-dogmática, preocupada com a construção sistemático-conceitual do direito positivo, é indispensável ao aprofundamento e análise de conceitos fundamentais e à investigação da estrutura do sistema jurídico e das suas relações com os direitos fundamentais, passando pela própria ponderação e bens jurídicos, sob a perspectiva dos direitos fundamentais. A perspectiva empírico-dogmática interessar-nos-á porque os direitos fundamentais, para terem verdadeira força normativa, obrigam a tomar em conta as suas condições de eficácia e o modo como o legislador juízes e administração os observam e aplicam nos vários contextos práticos. A perspectiva normativo-dogmática é importante sobretudo em sede de aplicação dos direitos fundamentais, dado que esta pressupõe, sempre, a fundamentação racional e jurídico-normativa dos juízos de valor (interpretação e concretização).[12]

Por fim, o modelo de comparação paralela, que permitirá apresentar resultados de dados empíricos, seguirá o plano de três passos: o primeiro passo diz respeito à seleção das séries de fenômenos efetivamente comparáveis, o que implica não apenas a definição de recortes claramente delineados no tempo e no espaço, mas também recortes que propiciem a reprodução de aspectos essenciais do fenômeno investigado. O segundo passo sugerido relaciona-se com a definição dos elementos a serem comparados. Por fim, o terceiro passo é aquele imprescindível para diferenciar a metódica comparativa de uma coleção de casos interessantes, ou seja, a generalização dos resultados. Esse esforço implica descobrir elementos comuns (presentes em todos eles) que apareçam nos diferentes casos, elementos típicos (identificados em diferentes grupos ou classes) e também elementos singulares (que não se repetem entre eles)[13].

É salutar a análise crítico-analítica de casos retirados da jurisprudência eletronicamente disponível no sítio do Supremo Tribunal Federal, por meio da comparação paralela entre eles. Para viabilizar a sistematização dos resultados apresentados, foram escolhidos os seguintes parâmetros: diante das decisões do Supremo Tribunal Federal (Suprema Corte brasileira) que estão marcadas pelo setor de documentação desta Corte como aquelas que contêm referências a decisões de cortes estrangeiras e/ou internacionais como fundamentos dos votos dos Ministros, pretende-se apresentar relatório com informações quantitativas e qualitativas relacionadas à transjusfundamentalidade.

O referencial teórico do trabalho encontra influência tanto epistemológica, quanto teórico-filosófica, de Karl Popper e Peter Häberle. O racionalismo crítico de Popper estará evidenciado em todo o trabalho, pois sua proposta metodológica de conjecturas e refutações (Trial-and-error) constitui a base transversal de meu raciocínio jurídico. No que tange à doutrina de Peter Häberle, não tenho dúvidas de que será a mais constante e mais evidente de todo o discurso a ser apresentado.

Considero-me uma discípula de Peter Häberle, para quem ser discípulo não é imitar o referencial acadêmico, nem dar continuidade às suas mesmas idéias, mas seguir caminhos próprios “como anões em ombros de gigantes”. E aqui registro algo que aprendi com Peter Häberle: muito embora seja realmente uma anã intelectual perto desse gigante, por causa de sua generosidade em acolher-me em seus ombros, é possível que eu tenha ido além sem com isso pretender-me melhor. Digo isso para explicar que, como escolha científica, Peter Häberle é o interlocutor teórico inegável de uma proposta que talvez nem ele mesmo referende.

Conceitos como “possibilismo filosófico”[14]; “teoria científico-cultural de Estado e da Constituição”[15]; “constituição como processo público”[16]; “Estado constitucional cooperativo”[17]; “realização cooperativa dos direitos fundamentais”[18] “duplo caráter dos direitos fundamentais”[19]; “interpretação constitucional pluralista e aberta”[20], “liga de interpretação constitucional”[21]; “direito comparado como quinto método de interpretação”[22], dentre outros, são definitivamente os conceitos operacionais presentes em toda a dissertação.

Entretanto, não seria justificável deixar de mencionar a relevante contribuição das obras da Professora Vicky Jackson[23] (Estados Unidos) e Professor Sujit Choudhry[24] (Canadá), cujas pesquisas na área de direito constitucional comparado compõem o núcleo essencial da doutrina dos diálogos judiciais transnacionais, por meio da metáfora da “migração das idéias constitucionais”[25], da teoria das “aproximações dialógicas”[26] e da “interpretação dialógica/dialogal”[27].

Por fim, não é possível deixar de registrar que o livro tem forte influência de J.J. Gomes Canotilho, especialmente nas suas últimas reflexões sobre a interconstitucionalidade[28], bem como dialoga com muita intensidade com o trabalho de Marcelo Neves[29], cuja obra inspira, inclusive, o título do livro.

Importante lembrar que o Estado-Nação não mais constitui conceito revestido de sentido unívoco, herdado com pureza filosófica e metodológica das revoluções do século XVIII. Já por isso, revela-se necessário investigar, num primeiro momento do trabalho, se há variações substanciais que podem matizar o conceito de Estado e, assim, tentar fazer uma crítica mais vertical à desnaturação do conceito[30], principalmente em confronto com o paradigma transnacional proposto para o estudo[31].

Assim, sob os influxos diretos e indiretos da doutrina de Paulo Bonavides[32], Gilmar Ferreira Mendes[33] e Ingo Wolfgang Sarlet[34], bem como de Rudolf Smend[35], Hermann Heller[36], Konrad Hesse[37], Peter Häberle[38], J. J. Gomes Canotilho[39] e Antonio Enrique Perez Luño[40], serão evidenciadas as premissas juspublicísticas do trabalho, na tentativa de oferecer aos interlocutores a possibilidade de rastreamento das premissas dogmáticas centrais que serão utilizadas na construção do conceito de transjusfundamentalidade[41], debatidos no desenvolvimento de seus argumentos e falseados nas conclusões a serem apresentadas ao final, com as devidas reduções fenomenológicas[42].

Pelas premissas centrais de cada um dos autores da teoria do Estado aqui resenhados, o estudo estabelece vínculo inegável com a dogmática[43] jurídico-constitucional, em um dos seus sentidos propostos pela metódica tridimensional[44] de J. J. Gomes Canotilho, qual seja, o de uma teoria analítica[45] sobre os tipos de Estado.

Entretanto, como não acredito na utilidade de uma dogmática puramente analítica, os capítulos segundo e terceiro seguirão para uma teoria da compreensão (hermenêutica, na expressão de Tércio Ferraz Júnior[46]) – a partir da metodologia de migração de idéias jusfundamentais e diálogos judiciais transnacionais – e para uma teoria normativa (de decisão) – que será apresentada por meio de descrição[47], tanto quantitativa quanto qualitativa, das opções decisórias do Supremo Tribunal Federal em que tenham sido feitas referências a precedentes estrangeiros e/ou internacionais.

Pode-se inclusive afirmar, nesse contexto, que o estudo de precedentes jusfundamentais do Supremo Tribunal Federal, sob o olhar atento da metodologia de “migração de idéias constitucionais”, forjada na Escola Internacional de Direito Constitucional[48], aqui chamado de “diálogos judiciais transnacionais sobre direitos fundamentais”, começa pelo necessário afinamento semântico acerca da teoria do Estado com o fim de assegurar maior densidade à proposta de construção crítica dos aportes de uma teoria (normativa) da transjusfundamentalidade.

Não se pode deixar de registrar que a participação – ou a ausência de participação –, do Supremo Tribunal Federal, nos debates jurídico-políticos relevantes do Estado Constitucional, sempre esteve pautada, de uma forma ou de outra, na própria missão constitucional a ele destinada.

A premissa visível, inclusive do senso comum, de que o Supremo Tribunal Federal está intimamente envolvido no diálogo político, não pode perder de vista que a Corte suprema brasileira tem por balizas intransigentes os direitos fundamentais consagrados no texto constitucional, sendo, por isso, um Tribunal “escravo”[49] das premissas jusfundamentadoras[50].

Não obstante, não se pode desconhecer que as premissas do Estado Constitucional estão atualmente sendo submetidas a críticas consistentes e razoáveis por parte da comunidade acadêmica jurídica e filosófica[51]. E aqui as opções políticas, filosóficas e teóricas da Corte passam a ser condição de possibilidade das idéias a serem desenvolvidas.

A proposta que transversalmente está presente em todo o discurso aqui posto, com apoio na doutrina de Peter Häberle[52], referendada por Canotilho[53] e na esteira do que propõe Marcelo Neves[54], é de uma teoria da Constituição que se apresente aberta culturalmente, de modo a albergar, ao mesmo tempo, as tradições, as inovações e as pluralidades[55]. Mas não se deve ter a ilusão de que a compreensão da Constituição pela via da cultura irá eliminar a tensão, necessariamente presente, entre saber e poder, entre cultura e política.[56]

Na realidade, a via do Estado Constitucional cooperativo é apenas uma das alternativas[57] institucionais para acolher as necessidades do cidadão do século XXI, no contexto de um modelo aberto (portanto em contínua mudança) e pluralista (que necessariamente conviverá com a complexidade como pressuposto sócio-existencial) de sociedade e de Estado, que vivenciam as expectativas e experiências das intensas relações entre o local e o global, no seio das culturas.

As experiências de decisões de poder tomadas no contexto dos Estados constitucionais contemporâneos devem servir de pontos de diálogos interpretativos entre os países que se reconhecem como parceiros na construção de comunidades constitucionais interdependentes, ou seja, no contexto do modelo que se convencionou chamar de Estado Constitucional cooperativo. Isso porque, observar a experiência, com suas circunstâncias e contingências, é algo natural que se acopla, necessariamente, a qualquer conceito ou ideia[58].

No entanto, é preciso advertir, desde já, que esta parceria entre Estados não se constitui uma parceria distante e platônica entre decisões oficiais que se comunicam, mas de uma relação que, mesmo diante de divergência e de conflitos, impõe-se como objeto de estudo e de reflexão para uma reconstrução pragmática.

Refuta-se, com toda veemência, a ideia de que os Estados, ou as ilhas de poder mundiais, estejam acometidas de um espírito comunitário e pacífico, que o mundo irá ser totalmente harmonizado de uma hora para outra. As interações, as parcerias, a formação de blocos revelam-se como o inevitável caminho que ruma as gerações do presente para o futuro, em relações que serão, ao menos potencialmente, sempre conflituosas. Porém, com J. J. Gomes Canotilho, vale a ponderação: “Qualquer juízo peremptório sobre o futuro corre o risco de profecia sobre a incerteza”[59]

Assim, aqui serão exploradas as importantes pistas que já estão oferecidas para essa transição: a racionalidade transversal, indicada por Marcelo Neves, como uma possibilidade de lidar com as complexas questões colocadas na rede mundial de ordens[60]; e a teoria da interconstitucionalidade proposta por Canotilho, com apoio em Francisco Lucas Pires[61].

Para Marcelo Neves, o transconstitucionalismo é “o entrelaçamento de ordens jurídicas diversas, tanto estatais como transnacionais, internacionais e supranacionais, em torno dos mesmos problemas de natureza constitucional”.[62] O fato de a mesma questão de natureza constitucional ser enfrentada concomitantemente por diversas ordens leva ao transconstitucionalismo.[63] Neste particular, vale lembrar a provocação feita por Marcelo Neves, em sua obra, que, por si só, já justificaria sua presença neste trabalho: “Antes do que de autoridade, o transconstitucionalismo precisa de método”.[64]

Dessa forma, é possível afirmar que a transjusfundamentalidade que pretendo enfrentar na presente tese aproxima-se do transconstitucionalismo proposto por Marcelo Neves, sob a perspectiva metodológica, pois se aqui proponho uma análise transnacional do fenômeno da concretização dos direitos fundamentais, pelo prisma das interações reais e visíveis entre Cortes Supremas e Constitucionais, no processo de concretização desses direitos, não há como deixar de reconhecer a necessidade de uma visão dialógica entre as diversas ordens constitucionais, que é, ao meu entender, a grande contribuição da tese de Marcelo Neves [65].

No que diz respeito à interconstitucionalidade, a proposta de Canotilho é estudar as “relações interconstitucionais de concorrência, convergência, justaposição e conflitos de várias constituições e de vários poderes constituintes no mesmo espaço político”[66]. Necessários, portanto, os princípios da sobreposição de ordens jurídicas, da autonomia das unidades integrantes e da participação no poder central, para que se enfrente o “intrincado problema da articulação entre constituições e da afirmação de poderes constituintes com fontes e legitimidades diversas”.[67] A sua contribuição para o desiderato da presente obra está no fato de que os princípios propostos por Canotilho fazem parte do imaginário dogmático do processo de concretização que é pressuposto para as considerações aqui engendradas.

Partindo da premissa de que o elemento comparativo, proposto como quinto elemento de interpretação na obra de Peter Häberle, seja o que há de mais essencial, em termos metodológicos, para a idéia de transjusfundamentalidade, é forçoso reconhecer que o posicionamento de comparação pluralista e aberta “naturalmente deve entender-se com uma comparação cultural (não como uma transposição esquemática)”.

O que implica deixar assente que os contextos culturais devem ‘corresponder-se’”[68], não sob o prisma de convergências em si mesmas consideradas, mas sob o aspecto de suas aberturas. Não é importante que os diálogos judiciais transnacionais ocorram de uma forma sistematizada a partir de determinadas métricas. O que se revela importante, pelo menos diante do recorte proposto, é que exista a predisposição para o diálogo, que o outro (que aqui representa a opinião estrangeira constante em precedente de Corte suprema ou constitucional de um outro país, ou de um Tribunal internacional) não seja desconsiderado e ignorado no debate de concretização dos direitos fundamentais.

O desafio não é modesto, mas o percurso, por si só, revela-se animador. O caminho certamente já revela em si as recompensas do caminhar, pois a reflexão que conduz às alternativas de construção de um modelo teórico e metodológico para a concretização dos direitos fundamentais, se já valeu a pena no contexto do Estado-Nação, proposta entregue como resultado no meu livro anterior “Hermenêutica de direitos fundamentais”[69], tanto mais valerá no contexto das inéditas e envolventes experiências transnacionais, aqui alcunhadas de transjusfundamentalidade.

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Christine Oliveira Peter da Silva é doutora em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB). Assessora Jurídica e professora de Direito Constitucional. Membro do Centro Brasileiro de Estudos Constitucionais – CEBEC.

Serviço:

Livro: Transjusfundamentalidade: diálogos transnacionais sobre direitos fundamentais

Autora: Christine Oliveira Peter da Silva

Editora: CRV

Preço: R$ 47,90

Notas:

[1] Os trabalhos estudados são do Professor Sujit Choudhry, especialmente: CHOUDHRY, Sujit (org.). The migration of constitutional ideas. New York: Cambridge University Press, 2006.

[2] A publicação “International Journal of Constitutional Law” (IJCL) foi basilar para as premissas da presente pesquisa, pois o escopo da publicação é exatamente aquele que inspira o presente trabalho. Os artigos dos professores norte-americanos e canadenses especialmente foram essenciais e estimuladores dos debates aqui desenvolvidos. E o mais curioso, digno de anotação, é que tais artigos, compulsados e anotados por mim, não foram utilizados na revisão bibliográfica constante da tese. Trata-se de um universo paralelo de leituras e reflexões que inspiraram, mas não constituíram, as idéias aqui apresentadas.

[3] Aqui o destaque vai para o trabalho de pesquisa de: MARKESINIS, Basil. Learning from Europe and learning in Europe, in The gradual convergence: foreing ideas, foreing influences and english law on the eve of the 21st century. Oxford: Basil Markesinis edictor, 1994.

[4] Aqui é preciso anotar e registrar uma exceção: a Argentina já apresenta alguns dados sobre o assunto pela pesquisa do Professor Walter Carnota. Vide: CARNOTA, Walter F. Use of foreign Law materials by the Argentine Supreme Court since 2004. Disponível em www.juridicas.unam.mx/wccl/en/g12.htm?o=p. Acessado em novembro de 2012.

[5] FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. A ciência do Direito, 2ª edição. São Paulo: Atlas, 1980.

[6] CANOTILHO, J. J Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed. Coimbra: Editora Almedina, 1999.

[7] Vide: SCHNEIDER, Sergio; SCHIMITT, Claudia Job. O uso do método comparativo nas ciências sociais, in Cadernos de Sociologia, Porto Alegre, v. 09, p. 49-87, 1998, p. 33-36.

[8] Para aprofundar o pensamento desse autor: POPPER, Karl. Falsificacionismo x Convencionalismo (1934), in MILLER, David (org). Textos escolhidos, trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto – Editora PUC-Rio, 2010, p. 141-148.

[9]Esclarecedora a lição de Häberle nesse particular: “O ideário de pessoas e grupos concretos, a doutrina constitucional de certos textos sociais, assim como suas funções e procedimentos – tanto cogitáveis como praticáveis -, se orientam em forma de possibilidades, necessidades e realidades, se bem fazem não só de forma muito distinta, como também com resultados porventura divergentes. Não se trata de considerar qualquer tipo de possibilidade, de necessidade ou de realidade, mas também de fazê-lo com algumas especificidades que se encontram no seio ou campo gravitacional do Estado Constitucional, âmbito onde todas elas se ponderam (efeito denominado de “input constitucional”)” Cf. HÄBERLE, Peter. Pluralismo y Constitución: Estúdios de Teoría Constitucional de la Sociedad Abierta. Tecnos, Madrid, 2002, p. 60 (tradução livre para o português por Tahinah Albuquerque e Christine Peter).

[10] Nesse contexto não posso deixar de registrar a influência transversal e indireta da Teoria Humanista da Constituição de Carlos Ayres Britto, principalmente aquela parte exposta em seu livro, curto, mas monumental, “O humanismo como categoria constitucional“. Cf. BRITTO, Carlos Ayres. O humanismo como categoria constitucional. Belo Horizonte: Editora Forum, 2010.

[11] FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. A ciência do Direito, 2ª edição. São Paulo: Atlas, 1980, p. 47.

[12] Canotilho, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, 3ª ed. Coimbra: Almedina,1999, p. 1175.

[13] Trata-se do que Sérgio Schneider e Claudia Schimitt chamam de nível estratégico da investigação comparativa, ou seja, “a estruturação do objeto que permita agrupar exclusivamente fatos de parentesco suficientes para iluminarem-se reciprocamente, e, ao mesmo tempo, com diversidade bastante para dar origem a uma lei estrutural que passe da mera descrição ao fato individual. ” SCHNEIDER, Sergio; SCHIMITT, Claudia Job. O uso do método comparativo nas ciências sociais, in Cadernos de Sociologia, Porto Alegre, v. 09, p. 49-87, 1998, p. 36.

[14] HÄBERLE, Peter. Pluralismo y Constitución: Estúdios de Teoría Constitucional de la Sociedad Abierta. Tecnos, Madrid, 2002, p. 60 (tradução livre para o português por Tahinah Albuquerque e Christine Peter).

[15] Cf. VALADÉS, Diego (org.). Conversas acadêmicas com Peter Häberle, trad. Carlos dos Santos Almeida. São Paulo: Saraiva, 2009, p.  24.

[16] Cf. VALADÉS, Diego (org.). Conversas acadêmicas com Peter Häberle, trad. Carlos dos Santos Almeida. São Paulo: Saraiva, 2009, p.  144.

[17] HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Trad. Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. Trata-se, na verdade, de um capítulo de sua obra: HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. 1. reimp. México: Instituto de Investigações Jurídicas, UNAM, 2003. Disponível em: <http://www.bibliojuridica.org/libros/libro.htm?l=14>. Acesso em: 26.1.2008.

[18] HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Trad. Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 65 e ss.

[19] Cf. VALADÉS, Diego (org.). Conversas acadêmicas com Peter Häberle, trad. Carlos dos Santos Almeida. São Paulo: Saraiva, 2009, p.  29-30. Nessa entrevista, Peter Häberle afirma que “(…) desenvolvi essa tese do duplo caráter de todos os direitos fundamentais em minha tese de doutorado de 1962. A idéia diretriz era a seguinte: todos os direitos fundamentais têm uma dupla faceta, uma subjetivo-individual e uma objetivo-institucional. ”(p. 29)

[20] Cf. VALADÉS, Diego (org.). Conversas acadêmicas com Peter Häberle, trad. Carlos dos Santos Almeida. São Paulo: Saraiva, 2009, p.  46-47.

[21] HÄBERLE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Trad. Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 55.

[22] Cf. VALADÉS, Diego (org.). Conversas acadêmicas com Peter Häberle, trad. Carlos dos Santos Almeida. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 40; Cfr. Também HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. 1. reimp. México: Instituto de Investigações Jurídicas, UNAM, 2003. Disponível em: <http://www.bibliojuridica.org/libros/libro.htm?l=14>. Acesso em: 26.1.2008.

[23] JACKSON, Vicki C. Constitucional comparisons: convergence, resistance, engagement. In: Harvard Law Review, v. 119, p. 109-128; _________. Narratives of federalism: of continuities and comparative constitutional experience. Disponível em < http://www.law.duke.edu/journals/dlj/articles/dlj51p223.htm> . Acesso em: 16 mar. 2006; _________. Yes please, I’d Love to Talk With You: the court has learned from the rest from the world before. It should continue to do so. Disponível em: <http://www.legalaffairs.org/printerfriendly.msp?id=588>. Acesso em: 11 out. 2005.

[24] O professor canadense da Universidade de Toronto é o organizador de importante obra coletiva sobre a migração das idéias constitucionais. Cfr. CHOUDHRY, Sujit (org.). The migration of constitutional ideas. Cambridge : University Press, 2006.

[25] CHOUDHRY, Sujit. Migration as a new metaphor in comparative constitutional Law, in CHOUDHRY, Sujit (org.). The migration of constitutional ideas. Cambridge : University Press, 2006.

[26] Para uma idéia do que esse conceito significa vide: JACKSON, Vicki C. Yes please, I’d Love to Talk With You: the court has learned from the rest from the world before. It should continue to do so. Disponível em: <http://www.legalaffairs.org/printerfriendly.msp?id=588>. Acesso em: 11 out. 2005.

[27] CHOUDHRY, Sujit. Globalization in search of justification: toward a theory of comparative constitutional interpretation, in Indiana Law Journal, vol. 74, 1999, p. 819-892.

[28] CANOTILHO, J. J. Gomes. Brancosos e interconstitucionalidade: itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional, 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2008.

[29] NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2009.

[30] Tal desnaturação já vem sendo objeto de minhas considerações em textos anteriormente publicados. Vide meu: Estado constitucional cooperativo: o futuro do Estado e da interpretação constitucional sob a ótica da doutrina de Peter Häberle, in Revista Jurídica/Presidência da República, vol. 7, n. 72, maio 2005 [internet] disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/revistajurídica.htm Acessado em 30/10/11; e também o meu: Tensões entre o Direito Constitucional e o Direito Internacional: uma necessária revisitação do conceito de Soberania, in MENEZES, Wagner (coord). Estudos de direito internacional, vol XXI, Anais do 9º Congresso Brasileiro de Direito Internacional/2011. Curitiba: Juruá, 2011, p. 450 e ss.

[31] Não é objetivo do presente estudo propor uma nova teoria do Estado. Entretanto, é preciso apresentar e dimensionar o Estado Constitucional, sob a ótica do transnacionalismo, como passo necessário de investigação da hipótese principal da tese, qual seja, a de que a construção dos direitos fundamentais pode ocorrer de forma mais adequada por meio de um fenômeno aqui chamado de transjusfundamentalidade. Já por essa intenção, é possível afirmar que a escolha dos autores que estarão presentes no texto foi feita pela própria trajetória que a pesquisa teve até o presente momento. Sob a orientação de um professor cuja formação juspublicística tem como berço a Escola Alemã, e também pelas trilhas do que a doutrina constitucionalista brasileira assimilou dessa escola, nas três últimas décadas, não há como fugir da influência germânica.

[32] BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado, 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

[33] MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos. São Paulo: Saraiva, 1990. Aqui é inevitável a observação de que toda a obra do Professor Gilmar Mendes foi fundamental para a minha formação acadêmica. A referência a esta, em específico, ocorre porque foi a primeira –  de mais de uma centena de outras-, que me apresentou o pensamento desse dileto jurista, meu orientador de ontem, hoje e sempre.

[34] Sarlet, Ingo W. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 1998.

[35] SMEND, Rudolf. Constitucion  y derecho constitucional, trad. José Maria Beneyto Pérez. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985.

[36] HELLER, Hermann. Teoria del Estado, trad. Luis Tobio. México: Fondo de Cultura Economica, 2002.

[37] HESSE, Konrad. Temas fundamentais do Direito Constitucional: Conceito e peculiaridade da Constituição, Trad. Inocêncio Mártires Coelho. São Paulo: IDP/Saraiva:  2009. Cfr também do mesmo autor: Força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1998.

[38] Häberle, Peter. El estado constitucional, trad. HectorFix-Fierro. México: Universidad Nacional Autônoma de México, 2003.

[39] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª ed. Coimbra: Almedina, 1999; dele também: Estado de Direito, in Cadernos Democráticos, vol. 7. Lisboa: Gradiva Publicações Ltda, 1999.

[40] Pérez Luño, Antonio-Enrique. La universalidad de los derechos humanos y el Estado constitucional. Série de Teoria Jurídica y Filosofia del derecho, n. 23, Bogotá/ Colombia, 2002.

[41] O conceito de transjusfundamentalidade não nasceu agora e para sempre. Considero oportuno registrar que desde o meu 2º semestre de graduação tenho estado movida pela curiosidade de pesquisa que me constitui academicamente e fundamenta todos os projetos que desenvolvi nesse âmbito de minha existência: a ontologia dos direitos fundamentais. Desde o meu primeiro projeto de iniciação científica, já sob a orientação do Professor Gilmar Ferreira Mendes, até hoje, nessa tese de doutorado, valho-me da mesma inquietação: pois, afinal, qual o locus dos direitos fundamentais? O problema de pesquisa que, há mais de quinze anos, no primeiro projeto de iniciação científica, era “O que são e quem protege os direitos fundamentais?” teve continuidade, como trabalho de conclusão de graduação, em 1996, embalado pela mesma pergunta, só que institucionalmente direcionada para o Supremo Tribunal Federal: “O que o STF diz que são e como por ele são protegidos os direitos fundamentais, notadamente os individuais?”. No mestrado em Direito e Estado, a pergunta ganhou viés filosófico: “Há uma hermenêutica especificamente jusfundamental?” E, por fim, no doutorado, agora a pergunta reveste-se de caráter transcendente ao próprio conceito de Estado-nação e, consequentemente, de Constituição nacional: “Quais os limites e possibilidades da transjusfundamentalidade?”.

[42] O sentido aqui é o da própria e polêmica obra de Edmund Husserl: Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica. No capítulo específico sobre as reduções fenomenológicas está o conceito de fenomenologia:  “A fenomenologia é então, com efeito, uma disciplina puramente descritiva, que investiga todo o campo da consciência transcendental pura na intuição pura.” Cfr. HUSSERL, Edmund. Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica, trad. Marcio Suzuki. Aparecida/SP : Ideias & Letras, 2006, p. 131 e ss.

[43] O sentido de dogmática aqui é o de J. J. Gomes Canotilho em: Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª ed. Coimbra: Almedina, 1999, p. 1175.

[44] Sobre a metódica tridimensional a que me refiro aqui vide meu: Dogmática Constitucional: perspectivas da técnica jurídica para estudo e pesquisa do Direito Constitucional no século XXI, in Direito Público, ano V, nº 17, jul/set 2007, p. 85-112.

[45] Conforme já registrei em outro trabalho: “Pela perspectiva analítica, a ciência do Direito objetiva aprofundar e analisar conceitos fundamentais (como, por exemplo, de norma, de direito subjetivo, de dever jurídico, etc.), esclarecer o sentido das construções jurídico- constitucionais (ex.: âmbito normativo e programa normativo, limites das normas constitucionais), bem como investigar a estrutura do sistema jurídico e das suas relações (ex.: eficácia objetiva das normas constitucionais).” Cfr. Meu: Dogmática Constitucional: perspectivas da técnica jurídica para estudo e pesquisa do Direito Constitucional no século XXI, in Direito Público, ano V, n. 17, jul/set 2007, p. 97.

[46] Mais uma vez cfr. FERRAZ JR, Tércio Sampaio. A ciência do Direito, 2ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 1980.

[47] Eu também acho um tanto quanto frustrante para a teoria constitucional contemporânea a descrição dos fenômenos como resultado de pesquisa em nível avançado (há muitas correntes de pensamento que a afirmam normativa por excelência). No entanto, o esforço da presente pesquisa foi agregar a perspectiva crítico-normativa ao modo como as decisões foram sistematizadas e as idéias organizadas e apresentadas. Ademais, não acredito em etapas finais e definitivas de pesquisa, de forma que este é o primeiro estágio de uma pesquisa que durará o tempo de uma vida: a minha!!!

[48] A representação mais importante dessa Escola está em Nova York, onde a Cardoso Law School e a New York University acolhem grupo de professores e suas publicações no International Journal of Constitutional Law– IJCL, atuantes da esfera do Direito Constitucional Comparado há mais de uma década.

[49] Sobre a idéia de que o STF é escravo dos direitos fundamentais já afirmei: “(…) O Supremo Tribunal Federal está legitimamente envolvido no diálogo político que se estabelece no âmbito dos demais poderes, mas não pode perder de vista que ele tem por balizas intransigentes os direitos fundamentais consagrados no texto constitucional, sendo, por isso, um Tribunal institucionalmente a serviço dos direitos fundamentais”. É preciso também anotar, como observei na banca de defesa da tese, que ser escravo aqui pressupõe a compreensão intersubjetiva de qualquer relação: de sujeito que se submete mas que também dialoga e, no seu diálogo, também se impõe ao outro. SILVA, Christine O. P. O Supremo Tribunal Federal e a concretização dos direitos fundamentais, in SILVA, Christine; CARNEIRO, Gustavo (coord). Controle de constitucionalidade & direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 71.

[50] A expressão, como um neologismo técnico, vem da idéia de jusfundamentalidade, já consagrada em estudos de juristas que se dedicam ao estudo do Direito Constitucional pelo viés dos direitos fundamentais. Por todos vide: SARLET, Ingo W. Eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Editora Livraria dos Advogados, 1998.

[51] Por todos vide: RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial – parâmetros dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010. Muitos associam a assunção do Estado constitucional ao Estado judiciário, em que o juiz passa a ser a principal fonte de direito. É uma reflexão que fará parte da presente tese de forma transversal.

[52] A influência principal centra-se nos seus estudos sobre o Estado Constitucional Cooperativo, Teoria da Constituição como cultura e o método comparado como quinto elemento de interpretação constitucional.

[53] São palavras do próprio Canotilho nesse sentido: “Gostaríamos de participar no programa de uma Teoria da Constituição como Ciência da Cultura arrancando da proposta básica de abertura cultural que alberga no seu seio sedimentação (tradição), transformações (inovações) e pluralidades (pluralismos)” CANOTILHO, J. J. Gomes. Brancosos e interconstitucionalidade: itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional, 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2008, p. 264.

[54] NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2009.Especialmente a parte em que trata do transconstitucionalismo entre ordens jurídicas estatais (p. 166 e ss)

[55] Esta proposta pode se aprofundada em HÄBERLE, Peter. La Constitución como cultura, in Anuario Iberoamericano de Justicia Constitucional, v. 6, ano 2002, Madrid: Centro de Estudios Políticos y constitucionales, p. 177-198.

[56] Não posso deixar de registrar, nesse contexto, a conclusão de Häberle, quando afirma a impossibilidade de eliminar a referida tensão: “Graças à sociedade aberta de nossos dias, muitas coisas mudaram para melhor; como lembrava Popper: podemos nos desvencilhar de ditadores perversos sem derramento de sangue (democracia como poder a prazo), os defensores de novas idéias são também menos perseguidos (Aristóteles, Maquiavel e Rousseau), não são vendidos como escravos (Platão);e  os grandes juristas já não são assassinados (como Cícero ou Muzio Scevola e Papiano).” HÄBERLE, Peter. La constitución como cultura, in Anuario Iberoamericano de Justicia Constitucional, v. 6, ano 2002, Madrid: Centro de Estudios Políticos y constitucionales, p. 198.

[57] E aqui me refiro a outras opções teórico-dogmáticas representadas pelas expressões: Estado Democrático de Direito; Estado Constitucional e Democrático de Direito; Estado Constitucional Contemporâneo, dentre outras, as quais podem ser fartamente encontradas em pesquisa nas obras especializadas em Direito Constitucional.

[58] O registro à influência de Carlos Ayres Britto também é um dever de honestidade acadêmica, especialmente numa passagem em que ele alude à fenomenologia do imponderável. Vide: BRITTO, Carlos Ayres. O humanismo como categoria constitucional. Belo Horizonte: Editora Forum, 2010, p. 77-85.

[59] CANOTILHO, J. J. Gomes. Brancosos e interconstitucionalidade:itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional, 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2008, p. 262.

[60] NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2009.

[61] Sobre a ideia de interconstitucionalidade o próprio professor Canotilho remete a Francisco Lucas Pires, em seu ‘Introdução ao Direito Constitucional Europeu’. Coimbra, 1998; e a Paulo Rangel: ‘Uma teoria da interconstitucionalidade – Pluralismo e Constituição no pensamento de Francisco Lucas Pires’, in Themis ½ (2000), p. 127 e ss. Cfr. CANOTILHO, J. J. Gomes. Brancosos e interconstitucionalidade: itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional, 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2008, p. 265-279, sobre as referências vide notas 5 e 6 à p. 266.

[62] HAIDAR, Rodrigo. Acesso à Justiça não é só o direito de ajuizar ações. Entrevista com Marcelo Neves, in Revista Eletrônica Conjur. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2009-jul-12/fimde-entrevista-marcelo-neves-professor-conselheiro-cnj Acessado em 25/09/2011. Registro aqui a crítica feita pelo Professor Marcelo Neves, em minha banca de qualificação da tese de doutoramento, sobre a utilização da entrevista, e não de seu livro sobre o tema, como fonte doutrinária para  o conceito de transconstitucionalismo. Trata-se de uma opção acadêmica pelas entrevistas, e uma preferência por um lugar da fala em que os autores acadêmicos tenham que enfrentar as complexidades impostas pelos contextos e pelas contingências. De qualquer sorte, pelo enorme respeito e consideração que tenho pelo Professor Marcelo Neves, e para aqueles que como ele preferem os livros às entrevistas, anoto que, no livro, o referido conceito pode ser encontrado em seu capítulo III : …Ao transconstitucionalismo entre ordens jurídicas. Cfr. NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2009, p. 115 e seguintes.

[63] HAIDAR, Rodrigo. Acesso à Justiça não é só o direito de ajuizar ações. Entrevista com Marcelo Neves, in Revista Eletrônica Conjur. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2009-jul-12/fimde-entrevista-marcelo-neves-professor-conselheiro-cnj Acessado em 25/09/2011.

[64] NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2009, p. 277.

[65] E aqui, obrigatoriamente, tenho que esclarecer que o objeto da presente tese é menor do que aquele que conduziu o Professor Marcelo Neves à sua obra sobre o transconstitucionalismo, pois, diferentemente dele, não pretendo abordar outras ordens além das nacionais. Isso, entretanto, não retira o caráter “trans” do trabalho de pesquisa, pois o tratamento metodológico será o mesmo, havendo apenas um recorte consciente e necessário para a consecução da pesquisa empírica que habitará a última parte do trabalho.

[66] CANOTILHO, J. J. Gomes. Brancosos e interconstitucionalidade:itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional, 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2008, p. 266.

[67] CANOTILHO, J. J. Gomes. Brancosos e interconstitucionalidade:itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional, 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2008, p. 267-268.

[68] VALADÉS, Diego (org.). Conversas acadêmicas com Peter Häberle, trad. Carlos dos Santos Almeida. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 10.

[69] Aqui refiro-me ao meu trabalho que foi publicado sob o título: hermenêutica de direitos fundamentais, pela Editora Brasília Jurídica em 2005.



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