26.01.11

Reencontros no STF – Parte I (Ficha Limpa)

RODRIGO PIRES FERREIRA LAGO

O ano judiciário nem começou e já há previsão para duras batalhas no STF, inclusive sobre temas já conhecidos. O Tribunal se reencontrará com temas polêmicos que julgou recentemente. Deve retornar à pauta do STF, possivelmente ainda em fevereiro: a) recursos e ações contra a Lei da Ficha Limpa; b) a ordem de suplência nas eleições proporcionais; e c) a extradição de Cesare Battisti.

O presente texto abordará o primeiro tema, os recursos e ações contra a Lei da Ficha Limpa.

FICHA LIMPA

a) histórico

A Lei Complementar n° 135, sancionada em 2010, foi certamente o grande tema jurídico de 2010. A discussão em torno do conteúdo desta norma começou antes mesmo de sua sanção pelo presidente da República, ou mesmo de sua aprovação pelo Congresso Nacional. O projeto de lei de iniciativa popular, turbinado por mais de um milhão de assinaturas, foi uma clara resposta à decisão do STF na ADPF n° 144, tomada em 2008. Por esta ADPF, a Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB pretendia barrar as candidaturas de quem tivesse contra si uma decisão condenatória, mesmo que sem o trânsito em julgado – requisito exigido pela legislação eleitoral para autorizar o reconhecimento de inelegibilidade.

Após rápida passagem pelo Congresso Nacional, onde tramitou por apenas sete meses – algo incomum em projetos de lei tão sérios como esses – o presidente da República sancionou o texto às vésperas das convenções partidárias. Restava somente poucos meses para as Eleições Gerais 2010 quando a lei foi publicada no Diário Oficial. Esse seria apenas mais um capítulo da discussão sobre a conformação constitucional desta lei, porque o art. 16 da Constituição estabelece o princípio da anualidade das normas que alterem o processo eleitoral, que só podem ser aplicadas nas eleições que ocorrerem um ano após a sua publicação.

O projeto de lei foi aprovado quase à unanimidade pelo Congresso Nacional. Durante a sua tramitação, todo o parlamentar que ousava criar obstáculo ao seu andamento e aprovação era asperamente criticado pela imprensa – o que não era nada bom em ano eleitoral. Certamente por isso, e em razão da proximidade das eleições, nenhum partido ousou provocar o controle concentrado de constitucionalidade após ser o projeto convolado em lei. O Tribunal Superior Eleitoral, em resposta a consultas, logo chancelou a aplicação da lei já para as Eleições Gerais de 2010, recomendando fosse aplicada, inclusive, com base em fatos ocorridos antes do início de sua vigência. Era o prenúncio do embate jurídico que seria travado nos registros de candidatura.

Com a demora natural na tramitação destes processos de registro de candidatura, apesar da determinação legal que seu término em todas as instâncias se desse até quarenta e cinco dias antes das eleições (art. 16, §1° da Lei n° 9.504/97), era natural que o debate constitucional sobre a Lei da Ficha Limpa só chegasse ao Supremo Tribunal Federal às vésperas das eleições. E foi o que acabou ocorrendo.

O primeiro processo a ficar maduro para julgamento no STF foi o recurso interposto por JOAQUIM RORIZ, pretenso candidato ao governo do Distrito Federal (RE 630147). Estava em questão saber da constitucionalidade da alínea “k” do art. 1°, I, da LC 64/90, acrescido pela Lei da Ficha Limpa. Discutia-se basicamente se a causa de inelegibilidade decorrente de renúncia a mandato eletivo não ofenderia o princípio da presunção de inocência; se a lei poderia ser aplicada tendo por base fatos pretéritos ao início de sua vigência; e por fim se em razão do art. 16 da Constituição a lei poderia ser aplicada para as Eleições de 2010.

O STF começou a julgar o recurso no dia 22 de setembro de 2010. O clima era tenso no Supremo Tribunal Federal. O Brasil inteiro parou para assistir o julgamento, transmitido ao vivo pela TV Justiça. Aquele julgamento poderia indicar o resultado das eleições em vários estados onde as candidaturas impugnadas aguardavam uma posição do STF sobre a Lei da Ficha Limpa. Não fossem bastantes as questões já postas no recurso, o ministro Cezar Peluso, presidente do STF, ainda suscitou outra, que seria a inconstitucionalidade formal da lei. Isso porque, alterado pelo Senado Federal o tempo verbal de diversas novas causas de inelegibilidade, o projeto de lei deveria ter retornado à casa iniciadora, no caso, a Câmara dos Deputados. É o que pensava o ministro Cezar Peluso.

A sessão foi interrompida após um inesperado pedido de vista feito pelo ministro Dias Toffoli. O clima estava muito tenso, e anunciou-se para o dia seguinte o desfecho do caso. Como prometido, o STF se reuniu no dia seguinte e retomou o julgamento do caso. Os debates acalorados duraram horas. Quando se decidia sobre o mérito do recurso, lembrou-se da questão de ordem suscitada ex officio pelo ministro Cezar Peluso. Sem que se seguisse uma ordem lógica de julgamento em colegiados, que seria cindir o julgamento, decidindo primeiro as questões prejudiciais, cada ministro proferiu voto sobre o recurso como um todo.

Ao final daquela sessão, quando já era madrugada do dia seguinte, coube ao ministro Cezar Peluso, presidente do STF, a difícil tarefa de proclamar o resultado. Essa seria mais uma polêmica.

A questão de ordem levantada pelo ministro Cezar Peluso restou rejeitada, afirmando o STF a impossibilidade do Tribunal julgar ex officio questão constitucional que não houvesse sido arguida pelas partes. Apesar disto, como todos os ministros votaram sem que antes conhecessem o resultado da própria questão de ordem, tornou-se pública a posição de cada um deles, pelo que se afirma que a maioria absoluta rejeitou a tese da inconstitucionalidade formal da Lei da Ficha Limpa.

No mérito, também por maioria absoluta, o Tribunal assentou a constitucionalidade material da nova causa de inelegibilidade, versada na citada alínea “k”, decorrente da renúncia a mandato eletivo para escapar de processo de cassação. A corrente majoritária consignou que a inelegibilidade como consequência de renúncia a mandato não ofende o princípio da presunção de inocência.

Também por maioria absoluta, o STF admitiu a aplicação desta nova causa de inelegibilidade tendo como fundamento fatos ocorridos preteritamente ao início de vigência da lei, afastando a alegada violação do ato jurídico perfeito. No caso do RE 630147, permitiu-se que a renúncia ao cargo de senador da República pelo pretenso candidato Joaquim Roriz, ocorrida em 2007, poderia servir de base para o indeferimento de sua candidatura em 2010, mesmo que à época em que se consumou a renúncia não estivesse prevista em lei esta consequência ao ato jurídico.

Entretanto, neste julgamento o STF ficou dividido, literalmente, quanto à incidência ao caso do art. 16 da Constituição da República, que, se aplicável contra a LC 135/10, remeteria a sua eficácia apenas para as Eleições 2012. Com a Corte desfalcada de um ministro, em decorrência da vaga aberta pela aposentadoria do ministro Eros Grau, e ainda não preenchida, a composição plenária ficou em número par. Um empate em 5 x 5 já era previsível, e a imprensa alardeava essa hipótese, prevendo inclusive a posição de quase todos os ministros da Corte. A grande incógnita seria o voto da ministra Ellen Gracie. Discreta, ela não deu qualquer pista sobre a sua posição, apesar de muitos defenderem que o seu voto na ADI 3685, que versava sobre outra questão eleitoral, indicava que ela votaria contra a aplicação da lei para as Eleições Gerais 2010.

Mas, contrariando essa previsão, a ministra Ellen Gracie se filiou à corrente que defendeu a aplicação imediata da lei já para as Eleições de 2010. E o julgamento terminaria empatado sobre a incidência do art. 16 da Constituição. Como se não fosse o bastante, uma nova controvérsia surgiu: o que fazer diante de um empate? Varias alternativas eram possíveis: proclamar desprovido o recurso, com a manutenção da decisão recorrida; aplicar dispositivo recém inserido no Regimento Interno do STF que afirmava prevalecer no caso de empate o voto do presidente do Tribunal; aplicar por analogia outro dispositivo regimental a permitir a prevalência da tese mais favorável ao réu, que no caso era o candidato impugnado; ou suspender o julgamento até que a composição do Tribunal fosse completada com a nomeação do novo ministro, que desempataria o julgamento. Na dúvida sobre como proceder, considerado o adiantado da hora, e tendo em conta a tensão e as paixões que envolviam aquele debate, a sessão foi novamente interrompida, sem qualquer indicação de quando seria retomado o julgamento.

Quando já se anunciava o prosseguimento do julgamento para a semana seguinte, que seria a última antes do dia da votação, o recorrente Joaquim Roriz peticiona no processo comunicando a nova renúncia, desta vez à sua pretensa candidatura, com a consequente desistência do recurso. Formulou-se pedidos alternativos, de desistência do recurso, ou de extinção do processo por perda superveniente de interesse de agir.

O Tribunal se viu diante de nova controvérsia. Seria possível extinguir um recurso extraordinário quando a repercussão geral já houvesse sido reconhecida, e o julgamento de mérito do recurso já se tivesse iniciado? O Tribunal acabou decidindo que sim e mandou o processo ao arquivo, sob o fundamento de perda superveniente do interesse de agir. Com isso, os eleitores no Brasil inteiro foram às urnas sem saber qual destino tomariam os votos atribuídos aos candidatos barrados pela Lei da Ficha Limpa.

Passado o dia da votação, mas antes que o novo ministro do STF fosse nomeado pelo presidente da República, ou mesmo indicado para a sabatina pelo Senado Federal, mais um recurso versando sobre a Lei da Ficha Limpa é chamado a julgamento pelo Plenário do STF. E a discussão seria rigorosamente a mesma, porque a candidatura fora barrada no TSE exatamente pelo mesmo dispositivo legal – a conhecida alínea “k” do art. 1°, I da Lei Complementar n° 64/90.

Era recorrente JADER BARBALHO, deputado federal no exercício do mandato e pretenso candidato a senador pelo Pará (RE 631102). Ao tempo do julgamento, o recorrente já estava ciente de que se vencesse o recurso seria proclamado eleito, porque alcançou a segunda maior votação no seu Estado, quando em disputa duas vagas ao Senado Federal. Já não se discutia mais se o deputado poderia ser ou não candidato, porque em jogo era saber se ele poderia ou não ser proclamado eleito nas eleições que ocorreram dias antes.

O motivo da impugnação ao seu pedido de registro foi exatamente por ter renunciado a um mandato eletivo para escapar de processo de cassação. O desfecho era mais que previsível. Houve novo empate na votação quanto à incidência do art. 16 da Constituição, para decidir se a Lei da Ficha Limpa seria aplicável ou não para as Eleições 2010. A novidade foi a proclamação do resultado do julgamento – que desta vez não seria afetada por desistência da pretensa candidatura. Como se manifestaria o STF diante de novo empate? E o Tribunal decidiu aplicar um critério de desempate duvidoso, julgando desprovido o recurso, e mantendo a decisão do TSE que negara o registro da candidatura.

A conclusão que se pode extrair destes julgamentos é que o Tribunal superou a ventilada inconstitucionalidade formal da Lei Complementar n° 135/10, e o fez com votação suficiente a declarar a constitucionalidade da lei. Também se pode afirmar que a referida alínea “k” do art. 1°, I da LC 64/90, introduzida pela Lei da Ficha Limpa, é materialmente constitucional, e se aplica mesmo quando considerados fatos pretéritos ao início de sua vigência.

Todavia, permanece aberta a discussão sobre a incidência do art. 16 da Constituição sobre a Lei Complementar n° 135/10. Por ter permanecido o empate, somente o novo ministro, que ainda não foi nomeado, poderá dar fim à discussão sobre o tema, ratificando a aplicação da lei já para as Eleições 2010, ou remetendo a sua eficácia para as Eleições 2012. Também é uma incógnita a posição do STF sobre a constitucionalidade das outras novas causas de inelegibilidade, e sobre a alteração na redação legislativa das causas já existentes, dispensando o trânsito em julgado de condenações eleitorais, em ações por ato de improbidade e nas ações penais.

Para incendiar o debate, às vésperas do início do recesso judiciário (que ocorre entre 20 de dezembro e 31 de janeiro), o ministro Celso de Mello concedeu liminar em ação cautelar requerida pelo ex-deputado federal NATAN DONADON, reeleito pelo PMDB/RO. O requerente também foi barrado pelo TSE com base na Lei da Ficha Limpa (AC 2763). Pela decisão liminar, o deputado teve reconhecido o diplomado e será empossado no Congresso Nacional. O ex-deputado é o mesmo que renunciou ao mandato de 2007/2011, em uma tentativa frustrada de escapar de um julgamento criminal do STF (leia a notícia sobre o julgamento da AP 396).

Na decisão liminar (leia a íntegra da liminar na AC 2763), o ministro Celso de Mello assentou a plausibilidade do direito do requerente porque o STF ainda não resolveu em definitivo a questão sobre a incidência do art. 16 da Constituição sobre a Lei da Ficha Limpa, e também porque, a teor do que decidido pelo Tribunal na ADPF 144, não seria constitucionalmente possível tornar algum cidadão inelegível antes do trânsito em julgado de sentença condenatória.

b) o reencontro no STF

Esse acalorado debate sobre a Lei da Ficha Limpa voltará à tona no STF. E quando do julgamento destes novos casos já se terá repercussão concreta sobre o resultado das Eleições 2010. É que os mandatos já estarão em curso quando dos novos julgamentos pelo Supremo Tribunal Federal. Assim, a cada decisão tomada pelo Tribunal, sobre os vários pontos da lei ou peculiaridades de algum caso concreto, pode-se ter a alteração na composição das casas do Congresso Nacional em pleno curso da legislatura.

Aproxima-se do fim o recesso do STF e há pendentes de análise pedidos liminares em várias ações cautelares para dar efeito suspensivo a recursos extraordinários – ou mais propriamente, para antecipar os efeitos da tutela recursal. Merecem destaque as cautelares propostas pelos pretensos candidatos ao Senado CÁSSIO CUNHA LIMA do PSDB/PB (AC 2772) e JOÃO CAPIBERIBE do PSB/AP (AC 2791), que serão proclamados eleitos se tiverem êxito nos seus recursos no STF. Mas há também outras cautelares que aguardam exame de pedido liminar, e que poderão ser submetidas ao Plenário logo no início do ano, como a AC 2790 e a AC 2791.

A ação cautelar proposta por Cássio Cunha Lima (AC 2772) bem indica que a questão sobre a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa e sua aplicação ainda está longe de ser dada como resolvida. Além da controvérsia sobre a incidência do art. 16 da Constituição, que divide atualmente o Plenário do STF em 5 x 5, a ação traz uma peculiaridade do caso concreto. O ministro Ricardo Lewandowski, que é também presidente do TSE, e um dos maiores defensores da constitucionalidade da Lei Complementar n° 135/10 e de sua interpretação extensiva, afastou no caso específico a causa de inelegibilidade, e votou pelo deferimento do registro de candidatura. Mas acabou vencido em apertada votação no TSE. No julgamento do recurso extraordinário interposto por Cássio Cunha Lima, porém, vê-se que será um dos votos em seu favor.

Este recurso do pretenso senador paraibano é um dos que reúne maiores chances de ser provido pelo STF. Mas o resultado final não é tão certo como se possa pensar. É que o fundamento acolhido pelo ministro Ricardo Lewandowski no TSE não diz com o art. 16 da Constituição, mas sim com eventual violação, no caso específico, dos efeitos da coisa julgada. Assim, não é tão certo que os ministros que, juntos, somaram os cinco votos em favor de Joaquim Roriz (RE 630147) e Jader Barbalho (RE 631102), acompanhem o ministro Ricardo Lewandowski neste fundamento. Entretanto, o recorrente pode ainda alimentar esperanças que outros votos venham a se somar neste ponto. Ou ainda pode o recorrente pretender ser beneficiado pela proclamação do resultado, quando simplesmente se pode considerar os dispositivos dos votos, somando-os, independentemente dos fundamentos. Se isso ocorrer, o recorrente terá em seu favor pelo menos seis votos, suficientes ao provimento do recurso sem a necessidade de declaração de inconstitucionalidade de lei – que exigiria a cisão do julgamento. Mais uma batalha à vista.

Outro caso que pode ter desdobramento bastante diferente é o recurso interposto por NATAN DONADON, reeleito deputado federal pelo PMDB/RO (RE 633707). É que uma das causas de sua inelegibilidade decorreu de uma condenação criminal ainda não alcançada pelo trânsito em julgado – a outra é uma sentença condenatória sem trânsito em julgado, mas em ação civil por ato de improbidade administrativa. A dispensa de trânsito em julgado para fins de inelegibilidade, dentre as inúmeras alterações legislativas produzidas pela Lei Complementar n° 135/10, foi a mais alardeada pelo movimento que reuniu as assinaturas do projeto popular. Mas essa alteração se deu de forma manifestamente afrontosa às conclusões tomadas na ADPF 144 (leia a íntegra do acórdão da ADPF 144). Foi exatamente a afronta às conclusões tomadas pelo STF na ADPF 144 que serviram de fundamento principal ao ministro Celso de Mello para conceder cautelar (AC 2763), permitindo a sua diplomação do candidato (leia a íntegra da liminar na AC 2763). O tema da dispensa do trânsito em julgado de condenações para fins de inelegibilidade, especialmente em ações criminais, não foi objeto de discussão nos recursos extraordinários já julgados pelo STF em 2010 (RE 630147 e RE 631102).

Quando do julgamento de casos análogos pelo TSE, os ministros Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski, que em 2008 também haviam somado os seus votos à maioria que se formou na ADPF 144, não admitiram a inelegibilidade sem o trânsito em julgado porque não havia previsão legal. Assim, agora em 2010 os ministros entenderam que ausência de norma foi suprida pela Lei Complementar n° 135/10. Entretanto, é previsível que os ministros Celso de Mello (que foi o relator da ADPF 144), Gilmar Mendes, Cezar Peluso e Dias Toffoli se somem ao voto do Ministro Marco Aurélio, já declarado neste ponto quando da votação no TSE, e declarem a inconstitucionalidade desta alteração legislativa. Por outro lado, o recorrente certamente terá contra si os votos já manifestados dos ministros Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski. E à estes se somarão os ministros Ayres Britto e Joaquim Barbosa, que foram vencidos na ADPF 144, quando já admitiam a inelegibilidade sem o trânsito em julgado das condenações, mesmo antes da alteração legislativa trazida pela Lei Complementar n° 135/10.

Assim, o placar previsível estaria em 5 x 4 a favor do recorrente, contra a Lei da Ficha Limpa. Mas os votos favoráveis ao recorrente ainda seriam insuficientes para a declaração de inconstitucionalidade de lei (o que seria necessário para o provimento de seu recurso), pois o art. 97 da Constituição exige maioria absoluta dos membros do Tribunal. Novamente os holofotes se voltarão para o voto da ministra Ellen Gracie. No julgamento do recurso de Joaquim Roriz eram previsíveis os votos de todos os ministros, menos o dela. E exatamente em razão disto já se prenunciava um empate antes mesmo do início do julgamento. O que acabou ocorrendo, em razão da composição incompleta da Corte. Portanto, novamente a expectativa recai sobre o voto da ministra Ellen Gracie, e também do nome que será indicado para compor o STF na vaga deixada pela aposentadoria do ministro Eros Grau. Bastará que um dos dois acompanhe os cinco votos previstos pela declaração de inconstitucionalidade da alteração legislativa neste ponto específico.

Dentre todos os recursos extraordinários que já chegaram ao Supremo Tribunal Federal, um dos mais próximos a serem julgados é o interposto pela deputada federal JANETE CAPIBERIBE, reeleita pelo PSB/AP, mas que está com o registro de candidatura indeferido e não foi diplomada (RE 632391). É que o seu recurso foi um dos primeiros a desembarcar no protocolo do STF após os julgamentos dos recursos de Joaquim Roriz e Jader Barbalho. Por isso, o recurso já teve toda a sua regular tramitação, estando no presente momento com parecer do Procurador Geral da República. Portanto, aguarda-se apenas o pedido de pauta pelo ministro Joaquim Barbosa, relator do caso.

Este caso também revela uma peculiaridade, ainda não enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal nos julgamentos anteriores. É que a causa de inelegibilidade de que se serviu o TSE para indeferir o registro de candidatura decorre de uma decisão da Justiça Eleitoral referente às Eleições 2002. A recorrente e o seu marido, o ex-senador João Capiberibe (que também será proclamado eleito se superar o indeferimento de sua candidatura), foram cassados por compra de votos. A cassação dos parlamentares em 2006 foi o primeiro caso concreto a chegar ao STF em que se questionava a constitucionalidade do art. 41-A da Lei n° 9.504/97. Na época, o ministro Eros Grau concedeu medida cautelar, posteriormente referendada pelo Plenário, para suspender a condenação até o julgamento de mérito do recurso (AC 509). Mas o STF, depois declarou a constitucionalidade do dispositivo e negou o recurso do casal Capiberibe. O fundamento de que se serviu o STF para afastar a pecha de inconstitucionalidade do art. 41-A da Lei n° 9.504/97 foi exatamente o de que o dispositivo não versava sobre causa de inelegibilidade, e por isso não seria necessária uma lei complementar, como exigido pela Constituição.

O que ocorre é que, por não ter sofrido com inelegibilidade alguma, a recorrente disputou e venceu as eleições seguintes, estando atualmente em pleno exercício do mandato de deputada federal – Legislatura 2007/2011. Um dos fundamentos mais relevantes do recurso é saber se não há ofensa à proteção constitucional da coisa julgada quando a Lei Complementar n° 135/10 inova no ordenamento jurídico para atribuir a uma decisão judicial já constituída e executada novos efeitos, no caso a inelegibilidade. Note-se que, neste ponto, o provimento do recurso não requer a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo, porque bastaria que se declarasse inconstitucional a interpretação que foi dada pelo TSE, de aplicá-lo tendo por base decisões judiciais anteriores à vigência da lei.

Outro caso que merece especial atenção é o recurso extraordinário interposto pelo deputado federal PAULO ROCHA, do PT/PA (RE 632238). O deputado foi candidato a senador pelo Pará, obtendo a terceira maior votação dentre todos os candidatos. Essa votação não seria suficiente para elegê-lo estivessem todos os candidatos com os seus registros deferidos. Entretanto, o segundo colocado naquela eleição, o ex-deputado e ex-senador Jader Barbalho do PMDB/PA também teve o seu registro de candidatura indeferido. Pior que isso, Jader Barbalho já perdeu o seu recurso no STF (RE 631102). Como ordem natural dos processos nos tribunais, se o deputado Paulo Rocha tiver êxito em seu recurso será proclamado eleito senador, mesmo tendo sido o terceiro mais votado.

Ocorre que a causa de inelegibilidade suscitada contra o registro de candidatura do deputado Paulo Rocha é a alínea “k” do art. 1°, I da Lei Complementar n° 64/90 – exatamente a mesma que serviu ao indeferimento do registro de Jader Barbalho, o segundo colocado nas mesmas eleições. O mais grave é que, como o recurso do ex-deputado Jader Barbalho foi julgado primeiro, e com a Corte desfalcada de um ministro, o STF serviu-se de um critério de desempate para proclamar o resultado, que acabou lhe sendo desfavorável. Assim, se o recurso do deputado Paulo Rocha for julgado já com a composição completa do STF, após a nomeação do novo ministro, é possível que o empate não mais aconteça, e o resultado do julgamento pode perfeitamente ser diverso do obtido pelo seu adversário. Seria, certamente, uma aberração jurídica!

A solução jurídica para este caso seria o ministro Dias Toffoli aplicar o art. 543-B do Código de Processo Civil. Com isso, devolveria o processo ao TSE para que o Presidente da Corte a quo aplique ao caso a mesma solução dada ao caso paradigma da controvérsia constitucional surgida em torno da alínea “k” do art. 1°, I da Lei Complementar n° 64/90, acrescida pela Lei da Ficha Limpa. Assim, os casos idênticos teriam a mesma solução, tornando justa a prestação jurisdicional, a evitar a quebra do princípio da isonomia, e a afastar a esdrúxula hipótese do terceiro colocado ocupar a vaga do segundo, mesmo pesando contra ambos exatamente a mesma acusação.

Neste caso, ressalte-se, o presidente do TSE deixaria o processo sobrestado, aguardando o trânsito em julgado da decisão do recurso extraordinário do ex-deputado Jader Barbalho. É que o acórdão do RE 631102 ainda não foi sequer redigido, sendo possível que o recorrente venha a opor embargos de declaração com pretensão infringente. E há muitas chances de êxito neste recurso se o STF compreender a excepcionalidade do caso a permitir rediscussão do mérito do recurso em sede de embargos de declaração, porquanto já estará o Tribunal com a sua composição completa. Aliás, nesta oportunidade já deverá ser conhecida a posição do ministro que será nomeado para ocupar a cadeira deixada vaga pelo ministro Eros Grau acerca da incidência do art. 16 da Constituição sobre a Lei da Ficha Limpa.

Como se vê, ainda será árdua a batalha da Lei da Ficha Limpa no STF. Há ainda outros recursos extraordinários que tramitam no Tribunal confrontando a lei, e também a interpretação dada a ela pelo TSE, com o texto da Constituição. E por tudo o que se demonstrou aqui, apesar da previsibilidade de alguns votos sobre determinados temas, em nenhum recurso o resultado final é perfeitamente previsível.

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RODRIGO PIRES FERREIRA LAGO é advogado, Conselheiro Seccional da OAB/MA, Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/MA, e fundador do site Os Constitucionalistas (www.osconstitucionalistas.com.br). Siga o autor no Twitter @rodlago e no Facebook.



11 Comentários

  1. […] This post was mentioned on Twitter by FeedsJuridicos, Rodrigo Lago. Rodrigo Lago said: Texto meu no blog @Os_Constitucion: "Reencontros no STF – Parte I (Ficha Limpa)" http://bit.ly/i1GOij […]

  2. Israel Nonato disse:

    Parabéns ao autor, Rodrigo Lago, pelo texto que explica, com riqueza de detalhes, o que pode acontecer quando o Supremo Tribunal Federal (STF) voltar a julgar a (in)constitucionalidade da Ficha Limpa. Gostei muito!

  3. Cinzeiro de motocicleta

    Agora que se cogita levar ao STF um dos criadores da Lei da Ficha Limpa, talvez seja útil fazer um balanço frio e realista da iniciativa. Aliás, é curioso como faltam informações a respeito.
    Sabemos, por exemplo, que foram cerca de duzentas as candidaturas cassadas em todo o país. Mas quantos vetos ocorreram por irregularidades burocráticas e quantos foram por sérios indícios de corrupção ou desvios legais relevantes? Será que existem suficientes condenações para compensar cada Paulo Maluf absolvido? É possível confiar numa canetada que impede a posse de João e Janete Capiberibe, mas auxilia Geraldo Alckmin a livrar-se do segundo turno?
    E a quem interessa conferir tamanhos poderes a esse Judiciário putrefeito, desmoralizado e insuficiente?

    http://guilhermescalzilli.blogspot.com

  4. rpflago disse:

    Obrigado Israel! Seus elogios amim são suspeitos, mas conhecendo a sua visão crítica fico honrado.

  5. rpflago disse:

    Guilherme,
    agradeço a contribuição de tão respeitada voz. Ainda torço para o povo reflitir sobre alguns aspectos desta lei, como os reais interesses escondidos sob a bandeira da moralidade.
    Mas há um lado bom nesta lei, que é o efeito simbólico. O povo parece estar despertando para as práticas políticas. A longo prazo isso deve ser bom.
    Continue contribuindo ao bom debate.
    Obrigado,
    Rodrigo Lago

  6. José Alencar - Advogado. disse:

    Rodrigo. O artigo está muito bom juridicamente falando, e também e principalmente do ponto de vista historiador dos casos em julgamento.
    Acredito, apesar de você não ter explicitado seu posicionamento acerca da constitucionalidade da lei, que pensamos de forma igual.
    1. A lei é inconstitucional materialmente falando, no tocante ao art. 5º lVII da CF, pois fere o princípio da presunção de inocência, principalmente sob a ótica do direito penal;
    2. No tocante ao art. 16 da CF penso ser aplicável às eleições posteriores a de 2010.
    3. Em relação ao princípio da segurança jurídica, ato jurídico perfeito e coisa julgada, preteritamente, penso que é também inconstitucional, apesar de o que o e. STF já relativiza a coisa julgada há tempos, o que só traz insegurança jurídica ao sistema não se coadunando com idéias de país que se quer plenamente democrático.
    Forte abraço e parabéns.
    José Alencar

  7. rpflago disse:

    Caro Alencar, obrigado por contribuir com este bom debate. Pensamos juntos sobre estes aspectos constitucionais.
    Forte abraço,
    Rodrigo Lago

  8. José Joaquim disse:

    Votei em Cassio Cunha Lima para Governador e meu voto foi cassado em um jugamento político. Tornei a votar no mesmo, para o Senado, e tornaram a cassar meu voto, mesmo essa cassação ferindo a Constituição. Fomos compensados pelo justiça com o Governador Maranhão que em menos de dois anos deixou o Estado em petição de miséria e com seu suplente assumindo o cargo de Senador com uma folha corrrida que causa inveja a Beira Mar. Doutores da Lei, os Senhores respeitem meu voto que tem mais dissernimento que Vossa vã sabedoria

  9. Roberto Ferreira Silva disse:

    Rodrigo, gostei muito desse artigo, mas surge a dúvida quanto a aplicação da LC 135, aos casos pretéritos a vigência da lei, ferindo assim, o princípio retroatividade da lei apenas para beneficiar.
    No caso de Fronteira dos Vales/MG, o Prefeito e Vice, tiveram seus registros cassados nas eleições municipais/2008, tipificado no art. 73, IV, da Lei 9504, (conduta vedada). Ocorre que a lei é posterior à condenação. Analisando seu artigo, percebo que para o pleito de 2012. esses candidatos estão impeditos pela previsão no art. 1º, alinea “j”, da Lei 64.

    Gostaria que me respondesse.
    aguardo.

  10. rpflago disse:

    Caro Roberto,
    prefiro não tratar de casos concretos, sem conhecê-los. Quanto ao tema em tese, o STF afirmou, por pelo menos seis votos (incluindo o do min. Dias Toffoli) que a alínea “k” poderá ser aplicada a fatos pretéritos à vigência da LC 135/10. Esse entendimento dificilmente muda.
    Todavia, o STF ainda não se manifestou quanto a aplicação das outras novas alíneas, ou das que tiveram a redação alterada, a fatos pretéritos. Haverá casos, talvez como esses que você citou, que a aplicação a fatos pretéritos pode representar ofensa à coisa julgada. Haverá também a discussão sobre a (im)possibilidadede aplicar lei nova a processos em curso. Enfim, o tema, neste ponto, ainda está aberto no STF.
    Os últimos rumores dão conta que o min. Luiz Fux acolherá o art. 16. Assim, pode ser que o STF nem se manifeste agora sobre os outros temas. E tudo ficaria em aberto para 2012.
    Só aguardando. Obrigado pela leitura!
    Rodrigo Lago

  11. JADSON LUIZ disse:

    Rodrigo,estou começando a minha monografia sobre os efeitos desta lei na eleição de 2010,este seu artigo está muito bom,gostaria imensamente,se possivel de umas sujestões sobre minha monografia,estou tendo muita dificuldade a respeito de doutrinas e julgados…
    desde já agradeço qualquer ajuda…
    um abraço…
    jadson luiz