16.10.09
O Supremo Tribunal Federal é uma Corte Constitucional? Parte II
O STF pode ser considerado uma Corte Constitucional?
Inicialmente, para responder à questão, convém examinar o conceito de Corte Constitucional, cuja definição clássica denota um órgão institucional responsável pelo juízo de conformação de leis e atos políticos com a Constituição do Estado, a quem cabe a última palavra na interpretação, concretização e garantia da Carta. Nesse desígnio, tal Corte age com a finalidade precípua de conferir efetividade à Constituição, dando respaldo à pretensão de eficácia de conceitos abertos.
Nesse ínterim, ficam a cargo da Corte Constitucional matérias de elevada repercussão política, puramente constitucionais (conflitos no pacto Federativo, separação de poderes, constitucionalidade de leis, eficácia e primazia dos direitos fundamentais, e outras). Nesse desiderato, a Corte Constitucional reproduz diálogos sócio-políticos, de interesse geral.
Dito isso, o STF se amoldaria a esta concepção? Tende-se a uma resposta negativa por algumas incompatibilidades.
O STF, no Brasil, acumula as duas técnicas de controle de constitucionalidade consagradas pelos modelos europeu e americano: concentrado e difuso. Em decorrência deste perfil híbrido adotado, a Constituição reservou ao STF um feixe de competências, além de algumas estranhas ao próprio mecanismo de controle, que faz com que esse Tribunal tenha que conciliar duas funções: a de cúpula do Poder Judiciário (funcionando como verdadeira Corte de Apelação, face à banalização de sua condição de instância extraordinária) e a de Corte Constitucional.
Em que pese a criação do STJ, que contribuiu para uma otimização da prestação jurisdicional constitucional pelo STF, este Tribunal ainda se vê atolado num grande número de competências de menor abrangência, que tanto deturpam sua condição de Corte Constitucional, como impedem o aprimoramento e desenvolvimento de uma jurisdição constitucional a contento.
Com esses argumentos, já se vê a incongruência entre o STF e as Cortes Constitucionais européias. Enquanto naquele há hibridez, nestas há a consagração do controle concentrado. Ademais, no modelo clássico, Kelsen defendia as Cortes Constitucionais como situadas fora do Judiciário, com atuação independente, ao passo que o STF não só integra aquele poder, como cumula a função da jurisdição constitucional com a de órgão supremo, por vezes atuando como “quarta instância” em questões de pouca relevância para os padrões das Cortes Constitucionais. O acúmulo de competências de menor repercussão a furtar-lhe tempo para amadurecimento da discussão de causas, estas sim, de grande impacto político e social, faz o STF destoar da concepção de Corte Constitucional, diluíndo-se sua missão em questões menores.
Noutro giro, ressalte-se a diferença entre o STF e as Cortes Constitucionais no que tange aos critérios de composição. No mundo, o modelo predominante é o de mandatos, e não de vitaliciedade. Ainda, a título de exemplo, na Corte Alemã os Ministros são indicados pelo Parlamento, enquanto no Brasil o Senado Federal se restringe a sabatinar (confirmar, na prática, pois nunca rejeitou) a escolha exclusiva do Presidente da República.
Outra questão importante é saber se seria benéfico o enquadramento do STF no conceito clássico de Corte Constitucional, pois caso o Brasil se voltasse totalmente para o molde europeu, o controle difuso restaria prejudicado, rompendo-se com uma tradição jurídica brasileira fundada em aspectos históricos e culturais próprios, não sendo razoável que o STF se limitasse a uma cópia européia.
Não obstante a exposição acima, apesar de o STF não poder ser considerado uma Corte Constitucional segundo parâmetros clássicos europeus, tem adotado pontos daquele modelo. Citam-se como avanços decisões reconhecendo inércia estatal em sede de mandado de injunção, atribuindo eficácia a direitos fundamentais, bem como a chamada “judicialização de políticas públicas”, ilustrada por decisões determinando ao Estado o fornecimento de medicamentos e leitos aos jurisdicionados quando houver omissão na proteção do direito à vida. Ainda, com a reforma do Judiciário (EC 45/2004), o STF tem se valido de mecanismos que o auxiliem numa diminuição do volume de questões de menor relevância a subirem à Corte, citando-se a repercussão geral (verdadeiro instrumento de “writ of certiorari”) e a súmula vinculante, que deverão reduzir o número de causas a serem óbice a um desenvolvimento do STF enquanto Corte Constitucional.
Concluindo, tendo-se em conta o conceito clássico e exemplos existentes de Corte Constitucional, pode-se dizer que o STF não estaria abarcado pela idéia atualmente, o que não é ruim. Com respeito à tradição jurídica brasileira, e aliando hibridez com as inovações positivas das Cortes, tem a jurisdição constitucional brasileira caminhado para um modelo próprio.