27.04.12
O poder de quem define a pauta do STF
No Supremo Tribunal Federal, há processos dos anos 1980 que ainda não foram julgados.
Como exemplo, há as ações diretas de inconstitucionalidade 73, 127 e 136, que tratam de normas estaduais de pouca relevância. Todas foram protocoladas em 1989. Ainda não houve decisão. A constitucionalidade de uma lei é impugnada e por décadas o STF não oferece resposta.
A demora costuma ser explicada pela sobrecarga da corte, que recebeu, desde 2000, mais de 1 milhão de processos. Mas tal resposta ignora que, em certos casos, o STF se posiciona com surpreendente rapidez.
A ação direta de inconstitucionalidade 3.685, sobre coligações partidárias, foi distribuída em 9 de março de 2006. A decisão definitiva foi tomada no dia 23. Duas semanas!
A complicadíssima ação direta de inconstitucionalidade 3.367, questionando dezenas de normas da emenda constitucional 45 (sobre a reforma do Judiciário), em 2004, recebeu resposta definitiva em quatro meses.
O tempo certo para julgar uma ação são duas semanas ou vinte anos? Quem define a ordem de julgamento? Com quais critérios?
Na atualidade, o regimento interno do STF e a legislação não estabelecem prazo vinculativo: o relator e a presidência do STF exercem o poder de determinar a pauta conforme critérios pessoais, não explicitados e imprevisíveis. O resultado são as apontadas discrepâncias.
Isso contrasta com o extremo cuidado do legislador ao fixar curtos prazos para a atuação dos demais participantes dos processos constitucionais, como a autoridade que editou a norma, o advogado geral da União e o procurador-geral da República. Contrasta também com a experiência de outros países, onde a justiça constitucional é submetida a prazos curtos e rígidos. As causas costumam ser julgadas na ordem de chegada.
Quem possui o poder de determinar a ordem de julgamento de ações de crucial importância influencia a vida do país. Uma rápida declaração de inconstitucionalidade pode proteger direitos fundamentais. A mesma decisão, tomada anos depois, pode ser inócua.
Além disso, a decisão tardia compromete a liberdade do julgador porque uma situação consolidada dificilmente pode ser modificada. Isso se confirmou em março de 2012, quando o STF julgou uma ação que tramitava desde 1959, questionando a constitucionalidade da alienação de terras no Estado do Mato Grosso.
Na substância, o STF disse que, por mais que houvesse inconstitucionalidade, não era possível modificar situações consolidadas após meio século. A decisão é sensata, mas nada justifica a demora.
A possibilidade do relator de retardar o julgamento e a possibilidade de a presidência não incluir um processo na pauta são mecanismos de seletividade política.
Isso é problemático em um Estado de Direito e prejudica muitos pedidos. Seja porque não parece oportuno modificar a situação após anos, seja em razão da prescrição, seja porque as leis impugnadas foram revogadas e a ação perdeu seu objeto.
No STF, muitas decisões são postergadas quando a medida impugnada gera controvérsias sociais ou envolve grandes interesses políticos e econômicos.
Isso ocorreu com a anencefalia, com as ações afirmativas, com o questionamento da quebra do sigilo bancário pela Receita Federal, com a Lei de Responsabilidade Fiscal (que completou dez anos sem julgamento sobre sua constitucionalidade) e em muitos outros casos.
Longe de ser ativista, nesses casos o STF adota uma postura de cautela que pode virar inércia e denegação da prestação jurisdicional.
Cabe ao legislador remediar o problema e estabelecer prazos rígidos e regras de preferência taxativas para o julgamento dos processos constitucionais. Isso permitirá limitar o poder político do STF que, na atualidade, utiliza o tempo como ferramenta de poder, determinando livremente a própria pauta.
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DIMITRI DIMOULIS, 46, doutor em Direito pela Universidade do Sarre (Alemanha), é professor de Direito Constitucional na FGV-SP.
SORAYA LUNARDI, 40, doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é professora da Instituição Toledo de Ensino (ITE).
Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo, edição 27/4/2012.
Foto: photographer padawan *(xava du)/Flickr.
De fato: é muito interessante essa característica do STF. Não devemos esquecer da ADI 3833 protocolada no penúltimo dia útil de 2006, e que foi julgada no DIA SEGUINTE, derrubando o “pornográfico” aumento de 91% aos parlamentares federais. Creio que os Ministros já haviam recebido o inteiro teor da peça antes do protocolo.
A pauta é definida pelos holofotes da mídia e por critérios políticos.
[…] Semana passada, os professores Dimitri Dimoulis (FGV-SP) e Soraya Lunardi (ITE) assinaram interessante coluna na Folha de São Paulo sobre a questão das pautas de julgamento dos Tribunais; questionam os autores, em breve resumo, que a distribuição de justiça na sociedade se dá na razão diretamente proporcional da alocação dos processos nos tribunais (e, em especial, no Supremo Tribunal Federal, objeto de análise no artigo). Para ler esta matéria na íntegra (intitulada “O poder de quem define a pauta do STF”), clique aqui. […]
Não se fazem decisões judiciais como se fazem torradas. Parem de cobrar produtividade do Judiciário em termos de “nº de decisões por hora”. Por outro lado, o advogado deveria olhar para a própria petição protocolada, em que ela contribui para a prestação jurisdicional e no que ela atrapalha. Sério, HC com 85 páginas??! E ainda com paciente feminina sendo tratada ao longo da petição como “o paciente”, ou “os pacientes”?! Existem questões mais e menos importantes, se o STF fosse decidir com base em critério cronológico de protocolo da ação, começando pelas de década de 1980 e só depois chegando às de 2012, seria uma prestação jurisdicional MELHOR? Mesmo?!