25.04.14
O paradoxo brasileiro da intolerância
Karl Popper, um dos mais notáveis pensadores do Século XX, certa vez abordou o que chamou de “paradoxo da tolerância”. Em resumo, o problema posto era o seguinte: devemos tolerar os intolerantes? Seria juridicamente permitido calar as vozes com as quais não concordamos, quando seu discurso seja baseado em valores tidos por propagadores do totalitarismo, do ódio e da violência?
Tolerar o outro é um dos requisitos da convivência em um Estado Democrático de Direito. No Brasil, pretende-se alcançar uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, a ser construída na busca de um ideal de liberdade, justiça e solidariedade, valorizadores do pluralismo político. Porém, Popper alertava que a condescendência excessiva com discursos totalitários, por exemplo, poderia resultar na morte da tolerância, eliminada que seria tão logo o grupo intransigente assumisse o Poder.
Sobre o tema, a Convenção Americana de Direitos Humanos oferece alguns padrões objetivos ao estabelecer em seu artigo 13, item 5, que “a lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência”. Todavia, o silenciamento de determinadas expressões, ainda que veiculadoras de mensagens de ódio e violência, subtrai da sociedade a chance de sobre elas refletir e valorar sua (im)prestabilidade. Impor o silêncio e a censura pode resultar em situação inversa à desejada: aguçar a curiosidade de uns e outros pelo “proibido”.
Defensores de um passado ainda presente entre nós, por exemplo, têm sustentado suas posições com argumentos rasos e facilmente sujeitos à desconstrução racional. Porém, têm recebido como resposta agressões e atitudes de intolerância que empobrecem o debate e subtraem da sociedade a chance de reaprender o porquê da necessidade de rejeição de determinadas escolhas pretéritas. Deve-se, pois, tomar cuidado com a aplicação da solução de Popper: corre-se o risco de se acostumar com a intolerância e buscar aplicá-la não somente aos intolerantes, mas também àqueles que simplesmente discordam de nossa visão de mundo. A censura por vezes paternalista de determinadas opiniões acaba por nos remeter justamente ao passado de silenciamento que tanto buscamos combater, no que podemos denominar de “paradoxo brasileiro da intolerância”, tão combatido por nossa Constituição quanto a intolerância original.
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Cláudio Colnago é advogado e professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Doutorando em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV. Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/ES.
Foto: Mohammed Alnaser.
Muito interessante o seu argumento! Em que obra do Popper encontro esse argumento sobre o paradoxo da tolerância?
abs,
PA