5.08.13
O début de Barroso
É prematura qualquer análise quanto ao legado do Ministro Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal. Legado se faz com o tempo e Barroso tem tudo, menos tempo, como Ministro do Supremo. Contudo, não seria precipitado observar os traços centrais do seu primeiro dia ocupando assento no Plenário da Corte. Isso se deu na última quinta-feira (1º/8).
A sessão começou com um caso da relatoria da Ministra Rosa Weber. Tratava-se de um mandado de segurança atacando decreto de expropriação de imóvel rural. Depois do voto da relatora, o presidente em exercício, Ministro Ricardo Lewandowski, perguntou se alguém tinha divergência. Imaginava, certamente, que não. Barroso, pedindo a palavra, começou a discorrer sobre o assunto e afirmou que toda a discussão estava centrada em três eixos, passando a apontá-los, dispensando a leitura do voto escrito que havia elaborado. Chegando à mesma conclusão da Ministra Rosa, afirmou: “Se tivesse tido acesso anteriormente às conclusões do voto da Ministra, teria poupado algumas das minhas horas preparando esse voto, não em meu lazer, mas na análise de milhares de outros processos que nos esperam nos gabinetes”. Em seguida, conclamou a Corte a circular entre os ministros, antes dos julgamentos, as conclusões dos votos para que não houvesse “retrabalho”. Os ministros olharam-no em silêncio. Rosa Weber, observou-o alternando acenos de afirmação e reflexão. Mais adiante, Barroso sugeriu que casos como aquele não deveriam estar no Supremo: “São tantas questões fáticas, de prova, que eu tenho certeza de que esse caso não deveria estar aqui”. Lewandowski concordou afirmando: “Deveríamos remeter essa matéria para as turmas, como fizemos com as extradições, que têm tido extremo êxito e fluído perfeitamente”.
A sessão prosseguiu alternando congratulações ao novo ministro que partiam do Presidente em exercício, Ricardo Lewandowski; da representante do Ministério Público, Sandra Cureau; e dos advogados que assumiam a tribuna. Barroso agradecia com um “muito obrigado”.
Em seguida, ocorreu o julgamento de um caso de relatoria do Ministro Gilmar Mendes. A conclusão do Ministro foi a de que é necessário lei formal para a majoração da alíquota do IPTU. Barroso, primeiro a votar, tocou num ponto crucial: o instituto da repercussão geral. “Quando eu vi que o Ministro Peluso deu repercussão geral a esta matéria achei que ele queria repensar essa questão. O problema é que esse caso não foi o mais feliz” – comentou. Se o que o julgamento pretende é dizer que decreto não pode alterar lei, “parece-me algo excessivamente óbvio” – registrou Barroso, afastando o microfone de si e encostando-se no assento. Imediatamente a Ministra Cármen Lúcia pediu a palavra, dizendo que é praxe inserir temas pacificados na repercussão geral em razão dos efeitos próprios do instituto, que ajuda a consolidar as posições nas instâncias ordinárias. Barroso por pouco não a interrompeu três vezes com um “não”, mas a Ministra persistiu em seu raciocínio. Ele insistiu na obviedade da conclusão a qual chegou a Corte e sugeriu ampliar, noutra oportunidade, o debate, chegando a defender a possibilidade de o Legislativo delegar ao Executivo a prerrogativa de realizar, por decreto, majoração de alíquota do IPTU em índices superiores aos da correção monetária: “Desde que haja critérios objetivos razoáveis” – registrou. Quando o Relator, Ministro Gilmar Mendes, objetou a proposta, Barroso retrucou: “A jurisprudência firmada pelo Ministro Moreira Alves já admite a fixação sem lei”. O caso, contudo, ganhou maioria no sentido proposto pelo Ministro Gilmar, que é a posição conhecida do Supremo, contando, no caso, com o voto, inclusive, de Barroso.
Na sequência, tivemos outro mandado de segurança, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, também questionando vícios procedimentais num decreto de desapropriação. “O melhor seria deixar para as instâncias ordinárias discussões como essas. Eu não tenho condições de decidir com segurança. Esse é o meu sentimento”. A manifestação fez o Ministro Ricardo Lewandowski, presidente em exercício, rir: “Não podemos optar pelo non liquet” – disse. A expressão designa o ato de o juiz optar por não decidir. Luiz Fux e Marco Aurélio concordaram na afirmação de que, daquele jeito, o Supremo não teria condições de julgar qualquer mandado de segurança. Barroso insistiu na posição, abrindo uma divergência que resultou num placar de 4 x 4 seguido de um pedido de vista de Lewandowski.
Foi só um début. O máximo que podemos concluir é que Barroso, no seu primeiro dia de Plenário, foi ele mesmo: atento, corajoso, preparado, inovador, didático e racionalizador. É comum na tradição do Supremo supor que novos ministros devem chegar com discrição, falando pouco, caminhando pelo anonimato, até ganharem corpo suficiente a debaterem de maneira mais enérgica com os colegas. Seria uma espécie de período de prova. Isso não se aplicará ao novo ministro. Se o Barroso da cadeira do Supremo é forjado do mesmo material do Barroso da tribuna, esperemos tudo dele, menos discrição, silêncio e anonimato.
Além disso, há um princípio por trás de todas as suas manifestações na sessão de hoje: julgar menos, com mais qualidade. O Ministro Roberto Barroso chegou a falar num “futuro próximo”, em alusão à possibilidade de não mais levar ao plenário mandados de segurança como esses sobre os quais falamos. Nesse caso, o futuro já começou.
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Saul Tourinho Leal é professor de Direito Constitucional.
Foto: Carlos Humberto/SCO/STF.
[…] Fonte: Blog Os Constitucionalistas […]