31.10.09
O acesso à água como direito fundamental à vida
POR GUILHERME PUPE DA NÓBREGA
É voz corrente a importância da água na sociedade e os sensíveis impactos sociais e econômicos que uma projeção de sua escassez revela. A falta de água já é motivo, inclusive, de conflitos em regiões do mundo, bem como de epidemias que assolam as populações.
A título ilustrativo, no ano de 2000, verificou-se que 2,4 bilhões de pessoas não tinham qualquer acesso a saneamento básico, enquanto aproximadamente 1 bilhão de pessoas não possuíam acesso a um abastecimento mínimo às suas necessidas básicas. [1] Dada a importância do tema, a organização das Nações Unidas (ONU) definiu o período compreendido entre 2005 e 2015 como a “Década Internacional para a Ação Água para a vida”.
Atualmente, a água tanto é utilizada como necessidade básica, na dessedentação do indivíduo, por exemplo, como também configura indispensável recurso econômico na irrigação de plantações, dessedentação do gado e outros animais, indústria, lazer, dentre outras áreas. Nesse sentido, o direito à água, bem não renovável, pode ser entendido como desdobramento do direito à vida, transcendendo a categoria de direito fundamental difuso, de terceira geração, podendo também ser classificado como de primeira geração.
Em que pese nossa Constituição pouco ou nada tratar especificamente sobre a água, é certo que tal direito está implícito tanto no direito à vida e à saúde, como no princípio fundamental de dignidade da pessoa humana. No plano internacional, a Declaração de Direitos Humanos de 1948, em seu artigo 25, e o Pacto dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais, em seus artigos 11 e 12, também tratam, embora não-expressamente, do direito à vida e à saúde sob um espectro bastante amplo. Convém ressaltar, ainda, o posicionamento adotado pelo Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas em sua 29ª sessão, ocorrida em Genebra em novembro de 2002, que culminou na Observação Geral nº 15, tendo como título “Direito à Água”, fazendo alusão aos artigos 11 e 12 do Pacto dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais, na qual definiu-se esse direito a um fornecimento suficiente de água de qualidade a um custo acessível.
Merece ser citada ainda a Declaração de Dublin, que em seu principio nº 4 afirma que “a água tem valor econômico em todos os usos competitivos e deve ser reconhecida como um bem econômico” (…) “no contexto deste princípio, é vital reconhecer inicialmente o direito básico de todos os seres humanos do acesso ao abastecimento e saneamento a custos razoáveis”.
Nesse sentido a agenda 21, em seu capítulo 18, prescreve que “ao usar os recursos hídricos deve-se dar prioridade à satisfação das necessidades básicas e à proteção dos ecossistemas.” Deve ser assegurada aos usuários, ainda, o pagamento de tarifas adequadas. A Conferência Internacional sobre a água doce (Bonn, 2001), também tratando sobre o tema, dispõe que “água é um bem econômico e um bem social que deve distribuir-se primeiramente para satisfazer as necessidades humanas básicas”.
Convém mencionar também outros importantes tratados internacionais atinentes à água: Conferência das Nações Unidas sobre as Águas, celebrada em Mar Del Plata em 1977; a Conferência Internacional sobre Água e o Meio Ambiente, celebrada em Dublin em 1992; A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92); a Conferência Internacional sobre Água e Desenvolvimento Sustentável, celebrada em Paris em 1998; a Declaração de Nova Deli de 1990; Conferência Internacional sobre a Água Doce, celebrada em Bonn em 2001.
No Brasil, como dito, apesar da Constituição não fazer menção expressa ao direito à água, a Política Nacional de Recursos Hídricos e Saneamento Básico elenca diversos intrumentos e mecanismos de concretização do direito à água. Nesse ínterim, fundamental o papel desempenhado pela Agência Nacional de Águas (ANA), criada pela Lei 9.984/2000, que por meio de resoluções e dos contratos de concessão que elabora normatiza a matéria e impões uma série de encargos aos concessionários. Como exemplo de reflexo dos institutos internacionais citados, faz-se menção ao princípio da universalidade, que trata do amplo acesso aos indivíduos tanto ao abastecimento quanto ao saneamento básico, e ao princípio da modicidade das tarifas, que assegura que o preço pago pelos usuários não configure óbice à utilização de água.
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REFERÊNCIAS:
– COMMITTEE ON ECONOMIC, SOCIAL AND CULTURAL RIGHTS. General Comment n.º 15. The right to water (Articles 11 and 12 of the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights), UN, Genebra, 2002. Disponível em Acesso em: 27/05/2009.
– UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS COMMITTEE. General Comment 6, Article 6 (Sixteenth session, 1982), Compilation of General Comments and General Recommendations Adopted by Human Rights Treaty Bodies, U.N. Doc. HRI\GEN\1\Rev.1 at 6 (1994). Disponível em Acesso em 27/05/2009.
– UNITED NATIONS-UN. Declaração da Conferência das Nações Unidas no Ambiente Humano Princípios 1 e 2, Estocolmo, 1972. Disponível em <> Acesso em 27/05/2009.
– UNITED NATIONS-UN. General Assembly, Resolution 58/217. International Decade for Action, “Water for Life”, 2005-2015, 2004. Disponível em <> Acesso em 28/05/2009.
– VILLAR, Pilar Carolina. O Direito Humano à Água. Disponível em <www.cori.unicamp.br/CT2006/trabalhos/O%20DIREITO%20HUMANO%20a%20aGUA.doc> Acesso em 27/05/2009.
– WORLD HEALTH ORGANIZATION – OMS. Water, Sanitation and Hygiene Links to Health Facts and Figures, 2004. Disponível em Acesso em 27/05/2009.
– WORLD HEALTH ORGANIZATION – OMS. Water, Sanitation and Hygiene Links to Health Facts and Figures, 2004. Disponível em Acesso em 27/05/2009.
– UNITED NATIONS-UN. General Assembly, Resolution 58/217. International Decade for Action, “Water for Life”, 2005-2015, 2004. Disponível em <> Acesso em 28/05/2009.
– COMMITTEE ON ECONOMIC, SOCIAL AND CULTURAL RIGHTS. General Comment n.º 15. The right to water (Articles 11 and 12 of the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights), UN, Genebra, 2002. Disponível em Acesso em: 27/05/2009.
Prezado Rodrigo Francelino, apenas uma observação técnica sobre o seu comentário: na verdade, grande parte da população brasileira SIM tem acesso à água (estamos falando de aproximadamente 55 a 65% da população com acesso à água potável – o percentual varia em razão da fonte consultada e do critério de pesquisa -, além daqueles – sem número conhecido – que se abastecem diretamente em fontes superficiais ou subterrâneas): na verdade, e se você me permite o adendo às suas observações, as nossas grandes deficiências com relação ao tema, em termos de atendimento à massa da população, dizem com (a) esgotamento sanitário, nos centros urbanos, e (b) gestão/conservação de recursos hídricos e recursos ambientais correlatos!!!
RODRIGO PEREIRA DE MELLO
PROFESSOR IDP
Bom dia !!!
Gostaria de saber sobre as tarifas para quem nao tem condiçoes de arcar, o Estado podera dar de graça a essa parte da populaçao? partindo do principio da dignidade humana conforme a CF/88?